sexta-feira, 18 de abril de 2008

Crise da UnB, fundações "de apoio" e o MEC

CÉSAR AUGUSTO MINTO, CIRO T. CORREIA e PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR

O apoio autoproclamado pelas fundações é fictício. Na USP, a maioria delas não repassa mais do que 5% de suas receitas à universidade

A RENÚNCIA do reitor da UnB (Universidade de Brasília) foi o desfecho de uma crise gerada pela atuação da Finatec (Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos), uma das inúmeras fundações privadas ditas de apoio que agem nas universidades públicas do Brasil.
Note-se que a rebelião estudantil elencou entre os seus principais alvos as quatro fundações "de apoio" ligadas à UnB.
Pressionado pelos acontecimentos, o MEC (Ministério da Educação) decidiu agir. Mas, em vez de atender à comunidade universitária e adotar as providências necessárias para proibir definitivamente a existência de vínculos entre universidades públicas e fundações privadas, optou por uma série de medidas paliativas.
Uma dessas medidas estipula que pelo menos um terço dos membros dos conselhos deliberativos dessas fundações seja indicado pelo conselho universitário, principal colegiado da universidade pública.
Ora, tal medida é ilegal: órgãos públicos não podem preencher cargos pertencentes a instituições privadas.
E é um erro, porque é precisamente a promiscuidade entre o público e o privado que se deve evitar!
Muitas fundações já contam com a participação de autoridades universitárias em diretorias e conselhos, sem que isso garanta lisura ou transparência aos atos dessas entidades. Pelo contrário: o conflito de interesses tem sido a norma nessas relações.
Outra medida pretende que pelo menos dois terços dos professores da instituição pública estejam envolvidos nos projetos de pesquisa financiados por tais fundações.
É uma agressão à verdadeira pesquisa acadêmica, que nunca dependeu dessas organizações privadas. Quem financia a pesquisa no Brasil são agências públicas de fomento (Capes, CNPq, Finep, Fapesp e outras) e órgãos públicos. Fundações "de apoio", quando muito, são intermediárias de recursos públicos. Afinal, o que são e como agem essas organizações privadas?
Fundações ditas de apoio são constituídas, inicialmente, por grupos de professores detentores de posições importantes na burocracia universitária. Diferentemente das fundações autênticas, que se constituem em torno de patrimônio material tangível (espólios, recursos financeiros, obras de arte), as "de apoio" se apoderam de um bem simbólico, explorando a "marca" e o prestígio das universidades públicas a que se vinculam, e dos bens materiais destas: recursos humanos, prédios, equipamentos.
O apoio autoproclamado pelas fundações é fictício. Na USP, a maioria delas não repassa mais do que 5% de suas receitas anuais à universidade que dizem apoiar! O montante anual de recursos repassados por cerca de 30 dessas organizações equivale a 1% ou menos do orçamento total da USP, bancado quase exclusivamente por verba pública (ICMS).
Nas universidades federais, o quadro é semelhante, mas o governo precisa cumprir a promessa de dotar essas instituições com os recursos necessários, em vez de estimular aventuras privatizantes.
A maior parte dos recursos auferidos por essas fundações se destina, portanto, a remunerar os docentes que organizam e oferecem cursos pagos, assessorias, projetos de consultoria e outros serviços contratados sem licitação por entes públicos federais, estaduais e municipais.
Embora supostamente sem fins lucrativos, essas organizações atuam como empresas em busca de negócios rentáveis. Em certas unidades da USP, como a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade e a Escola Politécnica, as fundações criaram uma indústria de cursos pagos, ao arrepio do artigo 206 da Constituição, que exige a gratuidade nos estabelecimentos oficiais de ensino.
As distorções multiplicam-se na medida em que essas organizações se autonomizam completamente. O "affair" Finatec conjuga superfaturamento de contratos, um desvio de R$ 100 milhões, mordomias, construção de um shopping center etc.
Fundações ditas de apoio e seus defensores nas reitorias têm recebido centenas de condenações e multas no TCU, bem como têm sido réus, Brasil afora, em diversas ações movidas por promotores de Justiça e Ministério Público Federal.
Em 2007, a Adusp (Associação dos Docentes da USP) enviou à CPI das ONGs um alentado dossiê sobre as atividades dessas fundações. Já é tempo de pôr um fim nos vínculos nefastos entre essas organizações privadas e as universidades públicas.


CÉSAR AUGUSTO MINTO, 58, professor doutor da Faculdade de Educação da USP, é vice-presidente da Adusp (Associação dos Docentes da USP). CIRO T. CORREIA, 51, é professor associado do Instituto de Geociências da USP.
PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR, 50, jornalista, é editor da "Revista Adusp".

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Grupo revela geografia do vírus da gripe

Depois de surgir no sudeste da Ásia, parasita segue para Europa e América do Norte; por último, vem à América do Sul

Pesquisa contou com a colaboração da OMS e sugere que vigilância anual do influenza se concentre no continente asiático

AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL

As novas cepas de vírus do tipo mais comum de gripe surgem no leste e sudeste da Ásia, depois migram para a Europa e América do Norte e, por fim, chegam à América do Sul, onde morrem. A descoberta, de pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, sugere que os esforços de vigilância da gripe se concentrem no continente asiático.
O resultado também pode ajudar a aumentar a eficiência da vacina de gripe -que todo ano é refeita- e a tornar a evolução do vírus mais previsível.
O trabalho, publicado na revista "Science", teve a colaboração de pesquisadores da Rede Global de Vigilância da Gripe da OMS (Organização Mundial da Saúde). Eles coletaram amostras de vírus em seis continentes entre 2002 e 2007.
Colin Russell e colegas analisaram 13 mil amostras de vírus influenza A (H3N2). Esse subtipo é o que mais adoece humanos, provocando a morte em pessoas vulneráveis.
A OMS estima que epidemias anuais de gripe afetem de 5% a 15% da população, causando de 3 a 5 milhões de casos graves de doença, além de 250 mil a 500 mil mortes. A vacina da gripe protege 300 milhões de pessoas imunizadas a cada ano.
O Ministério da Saúde afirma que um adulto tem, em média, dois episódios de gripe por ano. A doença é caracterizada por febre alta, dor muscular, dor de garganta e tosse seca.
Os resultados do estudo revelaram que as cepas da gripe surgem no leste e sudeste da Ásia e somente seis ou nove meses depois alcançam a Europa e a América do Norte. Muitos meses depois, o vírus chega à América do Sul.
"Suspeitava-se que a Ásia fosse a região de origem dos vírus, mas não havia nada concreto. Agora, está claro que é uma região importante para fiscalizar", diz Russell, pesquisador da Universidade de Cambridge (Reino Unido).
Segundo ele, o comércio e viagens explicam a movimentação do vírus. Há menos linhas aéreas ligando a Ásia à América do Sul que à Europa. E, quando o vírus chega à América do Sul, a tendência é que desapareça, porque o restante do mundo já adquiriu imunidade.
De acordo com Derek Smith, co-autor do estudo, as epidemias de gripe parecem ser impulsionadas por fatores como o inverno ou períodos chuvosos. Em países tropicais, o vírus prefere a estação chuvosa. Já nas zonas temperadas, prospera em tempo mais frio.

Promiscuidade
De acordo com o virologista Paolo Zanotto, da USP, na Ásia existem os mais densos aglomerados de pessoas do mundo e há muito contato entre influenza aviária (de aves aquáticas, como patos) e de mamíferos (como porcos) com a população, o que facilita o surgimento de novas cepas de vírus.
Para o pesquisador em modelagem epidemiológica Wladimir J. Alonso, mesmo que o foco de mudanças evolutivas seja atualmente na Ásia, "os governos dos outros países devem evitar a promiscuidade na criação e na comercialização de animais vivos de aves aquáticas, suínos e frangos".
De acordo com Zanotto, os mecanismos de controle e vigilância não assumem -nem devem assumir- que os vírus chegam por último à América do Sul. Ele ressalta que seria "absurdo qualquer estratégia governamental levar em conta que se tem seis meses de espera para a chegada de um tsunami e, só então, preocupar-se em procurar coletes salva-vidas".
O infectologista Ricardo Pio Marins, coordenador-geral de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde, afirma que o resultado da pesquisa pode auxiliar o país a se preparar, na medida em que mostra a origem e disseminação dos vírus mais comuns. "Mas é preciso continuar atento, principalmente em tempos de globalização e com o aumento do comércio com a Ásia." Segundo ele, o Brasil possui 50 postos de coleta de amostras de vírus. Eles são enviados para a OMS para ajudar a compor a vacina.

The Global Circulation of Seasonal Influenza A (H3N2) Viruses

Colin A. Russell, et al.

Antigenic and genetic analysis of the hemagglutinin of ~13,000 human influenza A (H3N2) viruses from six continents during 2002–2007 revealed that there was continuous circulation in east and Southeast Asia (E-SE Asia) via a region-wide network of temporally overlapping epidemics and that epidemics in the temperate regions were seeded from this network each year. Seed strains generally first reached Oceania, North America, and Europe, and later South America. This evidence suggests that once A (H3N2) viruses leave E-SE Asia, they are unlikely to contribute to long-term viral evolution. If the trends observed during this period are an accurate representation of overall patterns of spread, then the antigenic characteristics of A (H3N2) viruses outside E-SE Asia may be forecast each year based on surveillance within E-SE Asia, with consequent improvements to vaccine strain selection.

1 Department of Zoology, University of Cambridge, Cambridge, UK.


Coming Out of Asia--Year In, Year Out

Martin Enserink

Where does the flu virus hide when there's no flu? That question has puzzled epidemiologists for decades. Every place on Earth has an influenza season, usually the winter, when conditions are best for its spread. But what happens after that? Does the virus lurk in a few people until next year? Or does it disappear and come back, and if so, where from?

Using data about some 13,000 seasonal flu samples from around the world, Derek Smith of Cambridge University in the U.K. and colleagues provide an answer in this issue of Science (p. 340): A small number of countries in East and Southeast Asia "seed" the yearly epidemics washing over the planet. "It's really a fantastic paper," says Keiji Fukuda of the World Health Organization (WHO) in Geneva, Switzerland. It shows that strengthening surveillance in Asia is crucial, Fukuda says.

There were plenty of theories on what happens during influenza's absence. Some believed the virus remained in every country, hiding in infected but symptom-free people, or is passed on at rates too low to detect, only to roar back when winter comes around. Others believed it vanished, moving back between the northern and southern hemispheres, for instance, or receding temporarily into tropical Asia, Africa, and South America.

For the new study, Smith and his colleague Colin Russell first analyzed an antigenic map (see main text) of some 13,000 samples of H3N2, the most important flu type currently circulating. They discovered that changes in the virus always occur first in countries in East and Southeast Asia. That doesn't necessarily mean that the area acts as a source; the virus might also be evolving in parallel around the globe, with Asia being ahead of the curve by a couple of months.

But an analysis of the strains' hemagglutinin genes showed that flu epidemics in Europe, North America, and Australia are actually seeded by countries such as Japan, Thailand, South Korea, and Singapore. Europe and North America then act as conduits to South America, which has less direct contact with Asia.

A study by Edward Holmes of Pennsylvania State University in State College and colleagues, published online by Nature this week, also shows that yearly waves in the temperate regions originate in the tropics. But that paper--based on a whole-genome analysis of 1302 strains from New York and New Zealand--does not pinpoint the source.

So what makes East and Southeast Asia special? A variety of climate zones in a small area creates a network of countries with overlapping flu seasons, Smith says. Frequent human travel gives the virus a chance to jump from one country to another. When winter arrives in Europe and the United States, strains from the Asian network spread to those continents aboard jumbo jets. But further, fine-grained studies will be needed to clarify exactly how the Asian network works and whether a similar network exists in India, as Smith and Russell hope to find out together with Indian scientists.


Novo paradigma para a gestão pública

AÉCIO NEVES

Não se trata mais de medir a ação de um governo só pelo que ele investe nas políticas governamentais, mas por seus resultados efetivos

NESTA SEMANA, o Banco Mundial está realizando o seu encontro bianual em Washington (EUA). Entre todos os programas com forte interface com o banco, em várias partes do mundo, Minas Gerais foi o único exemplo de gestão selecionado para ser apresentado como experiência que merece ser conhecida com mais profundidade pelos delegados da instituição.
Desde 2003, Minas vem protagonizando mudanças em uma série de paradigmas da administração pública. Em reconhecimento aos resultados do nosso "choque de gestão", em 2004 o Estado foi capaz de estabelecer um novo modelo de financiamento público ao contratar uma operação de crédito com o Banco Mundial sem a tradicional contrapartida financeira, substituída pelo alcance de metas e resultados em políticas públicas.
Em razão do êxito alcançado na primeira experiência, adensamos ainda mais o modelo, com o maior contrato de financiamento nessa modalidade concedido pelo banco a um governo estadual na atualidade -quase US$ 1 bilhão, cuja contrapartida está representada por avanços efetivos em campos fundamentais da administração do Estado, traduzidos por 24 metas a serem alcançadas a cada ano, até 2010, contratadas formalmente.
Na prática, significa, por parte do Estado, o compromisso de trabalhar com objetivos precisos, programas exeqüíveis e rígido controle de resultados em áreas diversas do serviço público, como equilíbrio fiscal, desoneração da produção e estímulo ao crescimento, qualidade dos gastos públicos e investimentos na qualificação da escolaridade e da assistência à saúde.
Essa modalidade de operação financeira encontra ressonância em uma nova geração de gestores, que já não se satisfaz apenas com "o fazer" na área pública. Não se trata mais de medir a ação de um governo só pelo que ele investe nas políticas governamentais, mas pelos resultados efetivos que decorrem dos investimentos.
Aumentamos o número de equipes do programa Saúde da Família? Que bom! Mas qual é o avanço concreto que isso traz para as condições de saúde da população?
Ampliamos os investimentos em educação? Nada mais legítimo e importante! Mas como esses investimentos melhoraram concretamente a qualidade da escola oferecida às nossas crianças?
O modelo que estabelece como pilar fundamental dos programas e das ações do Executivo o foco no rígido controle dos resultados finais das políticas públicas dá uma contribuição relevante para banir o fantasma dos governos que, muitas vezes, parecem existir focados apenas em si mesmos, nas suas idéias e iniciativas, sem compromisso com tudo o que delas efetivamente deriva. Além disso, esse modelo recupera um valor essencial da democracia -o de que o Estado existe para servir ao conjunto dos cidadão, e não o contrário.
Mais ainda: reconhece, amplia e aprofunda o conceito de que o desenvolvimento não pode ser medido somente pelo saldo positivo dos indicadores econômicos e de gestão financeira. Tão ou mais importantes -e seguramente mais complexos- que estes são os avanços alcançados no campo social, vistos de forma mais ampla.
Afinal, pouco adianta crescer se não distribuímos, com eqüidade, os bens econômicos, sociais e culturais gerados pelo trabalho conjunto da população. Pouco adianta crescer se esse crescimento agrava e realimenta a concentração de renda e de oportunidades e a diferença dramática entre regiões e pessoas.
Por isso, o modelo de Estado inflexionado para a busca de resultados é tão desafiador para todos nós, governantes, especialmente em um país desigual como o Brasil, onde tradicionalmente se associa quantidade de recursos com o êxito da ação. E onde se confunde intenção com resultados e discurso com realidade.
A oportunidade que nos é dada pelo Banco Mundial de apresentar internacionalmente o modelo mineiro de gestão deve ser entendida como a confiança de uma importante agência multilateral de desenvolvimento em uma nova forma de atuar do poder público e também a constatação de que os governos podem fazer muito quando atuam com responsabilidade e comprometimento, mobilizados por desafios e sonhos coletivos e se colocam ao lado, e não acima dos cidadãos.


AÉCIO NEVES DA CUNHA, 48, economista, é o governador de Minas Gerais (PSDB). Foi deputado federal pelo PMDB-MG (1987-1991) e pelo PSDB-MG (1991-2002) e presidente da Câmara dos Deputados (2001-2002).

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Como se fabricam denúncias

Antes de começar a série sobre Veja, minha primeira providência foi informar (aqui) sobre renegociação da dívida da minha empresa com o BNDES – em cima de um financiamento contratado na década passada.

Imaginem se a seguinte situação é verossímil: o BNDES perdoa parte relevante da dívida, um escândalo para ninguém botar defeito, capaz de atrair as atenções do TCU, Ministério Público e companhia. Com essa tremenda vulnerabilidade, inicio uma série contra o esquema mais barra-pesada que a imprensa conheceu, o da revista Veja. Aí, em um assomo de insanidade, antes de começar a série informo, através do Blog, que renegociei a minha dívida. Ou seja, jogo um farol em cima de um suposto ilícito. Começo a série, a revista vai atrás da tal renegociação e não dá uma matéria sequer.

Como interpretar tudo isso? É fácil: essa denúncia do tal “perdão” da dívida é falsa.

O que aconteceu no financiamento do BNDES:

1. Na renegociação em questão, não houve uma concessão sequer, nem redução de dívida, nem redução dos juros nem redução da taxa de juros contratual.

2. Quando há atrasos em pagamentos, em caso de execução o contrato prevê multas e juros de mora.

3. Com a renegociação e retomada dos pagamentos, suspende-se a cobrança de multas e juros de mora. O contrato é retomado com o saldo devedor devidamente atualizado pelos juros e correção contratuais.

4. No novo contrato firmado, os bancos dividem a renegociação em duas parcelas: a Parcela A, que corresponde ao total da dívida corrigida e renegociada; e a Parcela B, com a multa e os juros de mora, que só serão cobrados em caso de nova inadimplência.

5. Essa regra é universal, adotada em todas todas as operações de renegociação de dívida de bancos públicos e privados. Não houve nenhum perdão de dívida, nem redução do principal, nem perdão nem redução dos juros. Por isso, a Veja não fez denúncia nenhuma.

De certo modo, esse esquema barra-pesada vai repetir o que tentou fazer a respeito da minha saída da “Folha”. Meses e meses afirmando que eu havia sido demitido por receber propina. Foi necessário um email do Otávio Frias Filho para o Comunique-se e a Revista Imprensa desmentindo esse factóide.

Agora soltam essa denúncia falsa sobre o BNDES, vão soltar outras e outras e outras, porque é assim que se joga esse jogo pesado. De certa forma é a confirmação, ao vivo e em cores, do que venho alertando através do Blog. É bom, inclusive, para que os leitores entendam melhor o mito que se tentou criar, da mocinha inocente e vulnerável.

Comentário

A única defesa que tenho contra esse jogo pessoal é a capacidade de vocês de difundirem os esclarecimentos contra campanhas difamatórias.

domingo, 13 de abril de 2008

A dívida do Supremo

Julgamento de pesquisa com embrião ainda está pendente

FSP

Muita gente no Brasil se mobilizou para acompanhar a sessão de 5 de março passado no Supremo Tribunal Federal (STF). Em pauta, a legalidade da pesquisa com embriões, um tema estratosférico, mas que mexe com o imaginário e as crenças de várias pessoas. Ficaram no ora-veja.
O STF, que tanta projeção conquistou nos últimos anos da vida política nacional, com alguma justiça, não esteve à altura de si mesmo naquele dia. Apesar dos esforços da então presidente Ellen Gracie Northfleet, o Supremo fez o que mais se faz no Judiciário nacional. Adiou a decisão.
A manobra tinha sido cantada em verso e prosa antes da sessão. Dava-se como certo que haveria pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, membro da União dos Juristas Católicos do Rio. Bingo.
Antes do pedido protelatório, a ação direta de inconstitucionalidade (Adin nº 3.510) havia sido recusada pelo relator. Carlos Ayres Britto discordou dos argumento da Procuradoria Geral da República contra a nova Lei de Biossegurança (nº 11.105/2005), na petição apresentada pelo então procurador-geral, Claudio Fonteles (outro eminente jurista católico). A Adin deu entrada no STF apenas dois meses depois de publicada a lei.
Em um documento de 13 páginas, Fonteles buscava dar base científica para o argumento de que a destruição de embriões congelados em clínicas de reprodução, para deles obter células-tronco, atentava contra o artigo 5º da Constituição, que garante "a inviolabilidade do direito à vida".
Ora, a biologia jamais poderá fornecer fatos para dirimir uma questão que é decisional, quer dizer, em grande medida arbitrária: quando começa a vida, ou melhor, quando o ser vivo pertencente à espécie humana é reconhecido como pessoa jurídica, titular de direitos (e quais direitos). Um dirá que é na fecundação, outro, na nidação (implantação no útero), outro ainda, na formação do sistema nervoso. Pode escolher.
Do ponto de vista jurídico, aquela inviolabilidade não chega a ser integral, pois a legislação brasileira admite o aborto, ainda que só em casos excepcionais (como risco de vida para a mãe). Diante disso, a conclusão de muitos é que Fonteles agiu movido por convicção religiosa.
Ayres Britto consumiu quase três anos para apresentar seu voto. Pode ser explicável, talvez pelo volume de processos que entulham a pauta do STF. Talvez.
Durante quase três anos a espada esteve sobre as cabeças dos pesquisadores. Era preciso ter peito para se ocupar desse que é um dos itens de investigação mais quentes na esfera competitiva da pesquisa científica, as células-tronco embrionárias humanas. De uma ora para outra, poderia tornar-se ilegal.
Veio enfim o voto. Foi elogiado por todos que defendem a pesquisa com embriões, pois manteve a permissão.
Restrita a embriões inviáveis, é bom lembrar, ou então aos congelados há mais de três anos nas clínicas.
Veio também, ato contínuo, o pedido de vista de Menezes Direito. Segundo a resolução nº 278 da presidência do STF, de 15 de dezembro de 2003, o ministro teria prazo máximo de 30 dias para devolver os autos. Não o fez. Não se sabe quando o fará.
O Supremo Tribunal Federal está em dívida com a comunidade científica brasileira e com todas as pessoas interessadas em ver a pesquisa seguir seu curso, quiçá criando terapias novas para males antigos. O talão de cheques e a caneta estão nas mãos do ministro Menezes Direito.


MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia ( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br