sábado, 14 de junho de 2008

O caso da febre amarela

Por Eduardo Guimarães

Prezado Nassif, quero relatar a você e - se for de seu entendimento - pedir sua repercussão de um fato importante nas relações da sociedade com a dita grande mídia.

O ministério Público Federal acatou o pedido de investigação da ONG que presido - Movimento dos Sem Mídia - contra Folha, Globo, Estadão, Veja, Correio Brasiliense, Jornal do Brasil, Época, IstoÉ na questão do alarmismo sobre pseudo epidemia de febre amarela urbana no Brasil, que causou até a morte de uma pessoa e adoecimento de dezenas, em número superior ao dos que adoeceram por suspeita de febre amarela.

Esses adoecimentos extra-febre amarela se deram por conta de reações adversas à vacina em pessoas que se vacinaram sem necessidade movidas apenas pelo alarmismo dos meios de comunicação. O MPF deliberou que irá notificar os meios de comunicação da investigação e que está requerendo ao Ministério da Saúde dados sobre a febre amarela no Brasil nos últimos 20 anos, bem como estudos desse ministério sobre o comportamento da mídia no período.

O material está todo no meu blog e peço que você dê uma olhada.

enviada por Luis Nassif

sexta-feira, 13 de junho de 2008

USP pesquisa remédio contra dengue

Estudo em laboratório inibiu a replicação do vírus, o que poderia impedir avanço para forma mais grave da doença

Brás Henrique, RIBEIRÃO PRETO oesp

Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, traz perspectivas para a criação de um medicamento capaz de controlar a infecção pelo vírus da dengue. O estudo, iniciado há quatro anos, conseguiu inibir a replicação do vírus, protegendo as células contra a infecção.

Ou seja, a metodologia usada não previne a doença, mas poderá servir para controlar a dengue, impedindo a sua progressão para formas mais graves, como o tipo hemorrágico, que pode levar a pessoa à morte. Hoje, para tentar amenizar os sintomas da dengue são usados antitérmicos para diminuir a febre e analgésicos, além da hidratação com soro.

A dengue é uma doença infecciosa febril aguda que provoca também dor de cabeça e no corpo, náuseas e manchas vermelhas na pele. É transmitida pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti. Somente entre janeiro e abril deste ano foram registrados mais de 230,8 mil casos suspeitos da doença, sendo 1.069 confirmados de dengue hemorrágica, sendo que 77 pacientes morreram. A epidemia com o maior número de casos no País foi a de 2002, quando cerca de 800 mil brasileiros contraíram a doença.

TESTES

O estudo do medicamento, desenvolvido pelo Laboratório de Virologia da Faculdade de Medicina da USP, foi realizado com o sorotipo 2 da doença. A meta é chegar a uma droga antiviral que poderá impedir a progressão da doença para as formas mais graves. Nos próximos passos, a pesquisa será feita com os sorotipos 1, 3 e 4 do vírus e, possivelmente até o final deste ano, iniciar a experiência com macacos.

A bióloga Alessandra Cristina Gomes Ruiz, responsável pela pesquisa e orientada por Benedito Antônio Lopes da Fonseca em trabalho de doutorado, acredita que agora as pesquisas serão mais rápidas, pois já tem a molécula “desenhada” (sintetizada) quimicamente em laboratório. “Demoramos quatro anos para construir esse mecanismo, e isso torna a seqüência do estudo mais rápida”, disse Alessandra.

Essa molécula foi desenhada para três diferentes regiões do genoma viral e clonadas num vetor, para que pudessem ser expressas dentro das células. Na pesquisa, as células usadas foram as hepáticas (devido à importância do fígado na patogênese da doença) e as monocíticas (alvos da infecção pelo vírus da dengue).

Mas, para a aplicação em humanos, ainda são necessários outros estudos. Alessandra diz que, em 2004, houve um primeiro estudo com essa metodologia em humanos para uma doença chamada degeneração macular relacionada à idade (AMD), com resultados promissores.

“Para doenças virais, alguns estudos estão sendo realizados em pacientes com hepatite aguda e com HIV. Para o vírus da dengue, há pouquíssimos estudos”, diz a bióloga. “Assim, nossos resultados são bastante promissores e inéditos no Brasil”, afirma ela.

PREVENÇÃO

No início deste mês, o Instituto Butantã, de São Paulo, anunciou que vai acelerar os ensaios para a primeira vacina contra a dengue. A previsão é iniciar os testes da imunização em humanos já no próximo ano. Com isso, as doses estariam prontas para serem aplicadas em 2010.

Com parceiros internacionais - Instituto de Saúde Pública dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês) e Fundação Path, chefiada pelo empresário Bill Gates -, o Butantã informou que já foram realizados testes em macacos infectados com a doença e também em humanos, com alguns voluntários.

NÚMEROS

17 Estados

tiveram aumento no número de casos de dengue nos primeiros quatro meses deste ano em relação ao mesmo período de 2007

94,3 mil
casos de dengue foram registrados apenas na cidade do Rio, onde houve a pior epidemia neste ano, entre os meses de janeiro e junho

quinta-feira, 12 de junho de 2008

To thwart disease, apply now

Translational medicine is a key addition to the biomedical research enterprise. Policy-makers and research leaders now must build the infrastructure to take discoveries from the bench to application.

To thwart disease, apply now

Molecular biology is a victim of its own success. Seemingly overnight, it has changed from a science of one gene, one protein, one molecule, one at a time, to all genes, all proteins, all molecules, all at once. Everything is now 'ome-sized. The generation and exploration of these data has become a massive, all-consuming discipline.

And yet the expected pay-off — the new therapies and diagnostics that will improve human health — has not kept pace. Researchers and funding agencies recognize this inequality and are working on a solution: translational research. The name encompasses the strategies by which the intellectual riches flooding from biomedical discovery can be converted into practical riches from which humanity can benefit. Nature strongly encourages this effort, which is highlighted in a number of articles in this issue (see page 839).

It is clear, however, that the success of translational research requires new experts, infrastructure and incentives. This is perhaps best explained from the perspective of a basic researcher who has a discovery that is ripe for translation. A common and mistaken assumption is that this scientist will have the motivation — and somehow acquire the luck and skill — to make translation happen with little help. In practice, this is often a recipe for failure. The relative handful of scientists who have found applications for their discoveries frequently say they did so despite the system, not because of it.

Team work

Instead, imagine that the researcher enters seamlessly into a team that is ready-made for translation. That team features experts in all aspects of clinical research, including medicine, pharmacology, toxicology, intellectual property, manufacturing, clinical-trial design and regulation. The basic researcher now has the back-up from those who can do the jobs for which he or she is unqualified.

The scientists who have found applications for their discoveries often say they did so despite the system, not because of it.

The team has immediate access to the necessary infrastructure for toxicology testing, for instance, or to facilities that meet 'general manufacturing practice' standards for making compounds for use in human trials. The sole aim of the team is to ensure that the researcher's discovery will help the most people possible — not to ensure that it fetches the best price when it is licensed. And, absolutely crucially, all the team members are rewarded in terms of pay and promotion just as richly as if they had produced a string of publications.

In this ideal world, translational research becomes a welcome and satisfying pursuit for all concerned, rather than a distraction or a burden. It would receive much more than the lip service that it is sometimes afforded on grant applications.

Such an overhaul of infrastructure and reward systems will take commitment and money. For example, the US National Cancer Institute's Rapid Access to Intervention Development programme, which provides such a service (massively oversubscribed), spends between US$2 million and $7 million to take a discovery through to its first clinical trial. The cost of performing those trials is even more. But institution heads and policy-makers should not baulk at the price: it is small compared with the potential benefits of more discoveries being put into practice, and more illness being treated or averted.

Two-way process

Some researchers complain that an emphasis on translation swings the pendulum too far towards applied science at the expense of basic research, but this concern has little foundation. In fact, what is worrying is the extent to which biomedicine in the past few decades has swung so far towards pure science. One attempt to stem that tide is noted in the first of a series of Commentaries on innovation (see page 853). Yes, many of the most successful medical advances came from serendipitous discoveries. But money should also be spent on creating the mechanisms to translate those findings when they are made.

This distinction between basic and applied research dissolves under close scrutiny. Translation is not a one-way progression in which research findings enter a production line and emerge at the end as drugs or diagnostics. The whole process is more fluid: experiments on human tissues and clinical trials can inspire fascinating new questions back at the bench that will, when answered, improve the human experiment in its next iteration (see page 843). That is why efforts at translation should focus on training personnel to be comfortable in this eddy of information as it circulates between the bench and the clinic.

Under the direction of Elias Zerhouni, the US National Institutes of Health is spending several hundred million dollars to set up translational research centres across the United States (see page 840). At this early stage, it's not clear whether this represents a game-changing commitment by the agency and the receiving institutions, or an attempt to mollify tax-payers who want a return on their heavy investment. Many of the aims are the right ones, and anything is better than the current situation in which an individual's publications trump real medical needs. But Zerhouni's successor in the next presidential administration must make it a priority to continue or surpass these efforts. Because translational research is a new and unproven discipline, with no 'how-to' manual, it is also important to evaluate each attempt at translation as the field takes shape.

What would a scientist looking back on a long career be most proud of achieving? For some it might be the solution to a fundamental cellular mystery, such as the way a cell's division is usurped by cancer. Better still might be that solution, and the knowledge that thousands of cancers were no longer dividing because of it.

Nature 453, 823 (12 June 2008) | doi:10.1038/453823a; Published online 11 June 2008

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O sistema S

06/06/2008 18:54:03 Delfim Netto - Carta Capital

Talvez a maior infelicidade histórica do Brasil é não termos dado a ênfase necessária à educação. Nunca faltou promessa, faltou compromisso. Já no artigo 250 do Projeto de Constituição do Império, elaborado pela Comissão da Assembléia Constituinte (20/10/1823), afirmava-se: “Haverá no Império escolas primárias em cada termo, ginásios em cada comarca e universidades nos mais apropriados locais”. E no artigo 252, reconhecia-se a liberdade do ensino privado: “É livre a cada cidadão abrir aulas para o ensino público, contanto que responda por seus abusos”.

Tais dispositivos foram liofilizados no projeto elaborado pelo Conselho (artigo 179, XXXII): “A instrução primária é gratuita a todos” e acolhidos na mesma forma na Constituição outorgada por dom Pedro I (25/3/1824). Puro palavrório. Em quase dois séculos, avançamos muito lentamente e hoje o panorama geral da educação no Brasil resume-se a algumas pequenas ilhas de excelência, onde competimos com o melhor conhecimento mundial, cercadas por um imenso oceano de qualidade deplorável.

Agora a sociedade e os administradores eleitos – diante da mediocridade do nosso ensino revelada por testes objetivos – são obrigados a encarar com maior seriedade o problema. Começa a ser visível, felizmente, um movimento (ainda ligeiro) da placa tectônica do setor público. Começa a se revelar que o problema não é tanto de falta de recursos, mas da absoluta ausência de disposição política de enfrentar, com uma administração eficiente, o poderoso corporativismo encastelado no setor.

O ponto importante desse ligeiro tremor, que todos esperamos possa se tornar um robusto terremoto, é que ele hoje vem de fora (da sociedade) para dentro (do governo), mas foi provocado inicialmente de dentro (do governo, por sua insistência no aperfeiçoamento da avaliação dos resultados) para fora (a sociedade). Transformou-se em um importante assunto na mídia nacional. Esta mostra, diariamente, a tragédia que continuamos a impor ao nosso futuro, fingindo que a escola pública educa os jovens cujas famílias não têm condições de fazê-lo privadamente.

O epicentro desse movimento é, sem dúvida, o próprio Ministério da Educação, mas começa a ganhar maior musculatura em alguns estados (São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco, notadamente). A sua reverberação só será sentida daqui a alguns anos, porque se trata de um processo e não existe catálise enzimática capaz de acelerá-lo. Nessa matéria, o maior inimigo é a neofilia que ataca nossos pseudopedagogos.

Diante de tanta tragédia e do embaraço a que o País é submetido a cada teste internacional, de onde saímos chamuscados e envergonhados, não é possível deixar de saudar e chamar a atenção para um resultado que nos deve orgulhar. O Brasil classificou-se em segundo lugar no concurso internacional Worldskills. Trata-se do maior concurso de educação profissional do mundo, promovido anualmente pela International Vocational Training Organisation (IVTO), ao qual, em novembro de 2007, compareceram quase mil jovens provenientes de 48 países.

A que ou a quem se devem tão bons resultados? A 24 estudantes dos vários departamentos regionais do Senai: aquele mesmo que transformou um sobrevivente da seleção natural em torneiro-mecânico e preparou-o para a Presidência da República. Nossos jovens conseguiram duas medalhas de ouro, três de prata e quatro de bronze. Por último, mas não menos importante, houve sete certificados de excelência (obtiveram mais de 500 pontos dos 600 possíveis).

Fomos vencidos pela Coréia, mas superamos 46 países, inclusive o Japão, país onde se realizou o evento. Não é possível ignorar que, dos dez competidores fornecidos pelo Senai de São Paulo, nove foram contemplados, mas que as medalhas de ouro couberam a participantes de Pernambuco (Tecnologia da Informação) e do Rio Grande do Sul (Mecânica de Refrigeração). No momento em que se pensa em interferir no que se chama o “Sistema S” (que inclui Senai, Sesc, Senac e Sebrae, entre os mais conhecidos), é preciso deixar claro que sugestões para controle e transparência de seus gastos são bem-vindas, mas que a intromissão na organização e na administração do ensino, não. São 13 bilhões de reais ao ano arrecadados, provenientes de 2,5% das folhas de salários das empresas. As confederações empresariais dizem ser contra a suposta intromissão do governo. Haveria? Por quê?

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Berimbaus, boicotes e avaliação

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO


É inaceitável que um jovem de classe privilegiada seja incapaz de retribuir, de modo decente, para uma justa avaliação institucional
FSP

NOSSA FACULDADE de Medicina, no ano do seu bicentenário, fracassou na avaliação do Enade. O coordenador do curso, ao explicar o fiasco, culpou as cotas e a inferioridade intelectual dos estudantes. Para ilustrar seu argumento, alegou que o berimbau, símbolo da musicalidade baiana, tem só uma corda, o que comprovaria a suposta deficiência cognitiva dos baianos.
Considerei suas declarações discriminatórias, eivadas de insensibilidade cultural e ignorância antropológica. Infelizmente, o episódio contribuiu para ofuscar um tema chave para o futuro da universidade brasileira: avaliação.
Agora que a notícia saiu do foco da mídia, podemos refletir melhor sobre o caso. De pronto, descarto a hipótese de "contaminação pelas cotas". Mesmo porque a turma reprovada entrara na universidade em 2001, quatro anos antes do advento do programa de ações afirmativas.
Também não se vê falta de recursos docentes e pedagógicos. O curso de medicina da UFBA tem três alunos por docente e conta com 609 leitos em hospitais de ensino. Harvard, a melhor escola do mundo, não exibe tão vantajosa relação aluno/professor; nem a medicina da USP, com o complexo do Hospital das Clínicas, oferece possibilidades de prática docente-assistencial em tal proporção. Seria o caso, portanto, de gestão acadêmica incompetente.
Entretanto, há evidências de que essa reprovação no Enade se deve, em grande parte, a boicote. Vários órgãos de imprensa publicaram depoimentos de formandos que, protegidos pelo anonimato, reconheceram-se apressados em viajar para submeter-se a exames de seleção para residência médica ou concursos públicos.
Recuperamos a lista dos sorteados para o exame. São 86 graduados. Todos obtiveram excelentes resultados nos processos seletivos a que se submeteram. Não lhes faltam talento e capacidade: o coeficiente de rendimento médio do grupo é 85%.
A atitude deles revela egoísmo, descompromisso e deslealdade para com a instituição que os acolheu. Antes das cotas, por causa da perversidade do vestibular, o curso de medicina da UFBA era quase monopólio da elite. É inaceitável que um jovem oriundo de classes privilegiadas, ao receber formação profissional em carreira de alta valorização social e financeira -sem pagar um centavo, numa instituição pública mantida com o dinheiro dos contribuintes-, seja incapaz de retribuir, de modo decente, para uma justa avaliação institucional.
Além disso, o diretório acadêmico admite ter fomentado boicote à prova, atendendo a uma diretiva da sua entidade nacional. Essa possibilidade me revolta profundamente não só como gestor público, mas sobretudo enquanto cidadão que tem uma história de luta política, no movimento estudantil e nos movimentos da renovação médica e da reforma sanitária.
Todos nós que arriscamos as carreiras (alguns, a vida) atuando clandestinamente para reativar diretórios estudantis declarados proscritos pelo regime militar -e todos aqueles que, geração após geração, mantiveram acesa a chama do movimento estudantil na universidade- nunca imaginamos ver tal situação: agremiações estudantis aparelhadas para boicotar processos avaliativos públicos, contribuindo para depreciar o legado político da universidade brasileira.
Sinto-me frustrado como educador. Sei que não há inocentes. Os sabotadores são pessoas adultas e devem saber os danos que causaram a si próprios e à instituição.
Mas não acredito ser justo identificá-los como os únicos culpados. Também culpados são gestores e docentes, cúmplices de sabotagem da avaliação da universidade pública, que permitem que nossos cursos formem sujeitos que, mesmo tecnicamente competentes, mostram-se individualistas, alienados, arrogantes, capazes do mais vil desapreço para com sua instituição formadora.
Esse episódio atinge todos os estudantes e profissionais formados em escolas médicas públicas. Há uma mácula, indelével, para os que se graduarem em escolas reprovadas em avaliação oficial do MEC. E o que dizer da decepção para muitas gerações que se formaram nessas escolas?
Orgulho-me do meu curso de medicina, ainda no belo prédio do Terreiro de Jesus. Servi 15 anos de minha carreira na Faculdade de Medicina como professor de epidemiologia. Os professores atuais foram, em maioria, colegas e, muitos deles, alunos.
Esses são os motivos que me levam a expor, neste comentário, sentimentos de indignação, repúdio, frustração e vergonha, para além de minhas atribuições como reitor de uma universidade pública de tão rica história e tradição como a UFBA.


NAOMAR DE ALMEIDA FILHO , 55, doutor em epidemiologia, pesquisador do CNPq, professor titular do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (Universidade Federal da Bahia), é reitor dessa universidade.