sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Tumores usam rede de genes para matar

Mapa detalhado de tumor de cérebro mostra 60 mutações ativas na doença, o que afasta ainda mais esperança de cura

Estudo internacional com participação da USP sugere, no entanto, que ataque ao mal pode ser feito mirando grupos de reações celulares

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Todos os caminhos levam ao câncer. O mais detalhado mapa genético do glioblastoma (tumor agressivo que ataca o cérebro), publicado hoje, revela que a doença pode brotar de pelo menos 60 mutações genéticas -o que torna, em princípio, muito mais árdua a tarefa de derrotar o problema.
Para dar uma idéia do desafio, a principal droga existente hoje contra esse tipo de tumor, que é incurável e mata em poucos meses, atua em uma única mutação. É o Glivec, que já foi chamado de "revolução" no tratamento da doença.
Toda essa complexidade do câncer também apareceu no mapa dos tumores de pâncreas, onde pelo menos 63 alterações de genes disparam a proliferação de células malignas.
Os dois estudos, que investigaram 20.661 genes de 46 pacientes, estão publicados no periódico científico "Science". A Faculdade de Medicina da USP participou do trabalho sobre o câncer de cérebro.
"Agora, muito por causa do avanço tecnológico, eles conseguiram olhar para a genética dos tumores em uma escala muito mais detalhada", disse Sandro de Souza, pesquisador do Instituto Ludwig de São Paulo, que não participou das pesquisas. Os dois grupos principais que assinam os trabalhos são do Centro de Câncer Johns Hopkins Kimmel (EUA).
De acordo com Bert Vogelstein, co-autor dos trabalhos, os mapas genéticos devem mudar a visão que se tem do câncer.
"Os dados sugerem que talvez não devamos mais olhar os genes individuais, mas sim focar a maneira como esses genes operam", disse o cientista.

Nova abordagem
A boa notícia do estudo pode estar exatamente nos caminhos genéticos usados para deflagrar o tumor. Se no caso do câncer de pâncreas ocorrem mutações em 63 genes, o número de vias usadas por essas alterações -ou seja, as cascatas bioquímicas por meio das quais cada gene defeituoso adoece a célula- está ao redor de 12.
Algumas dessas vias são comuns, como a regulação da apoptose, o "suicídio" cometido por células anormais.
Isso tem implicações importantes no desenho de novos tratamentos contra o câncer, concorda Souza, que também trabalha em seu laboratório garimpado alterações genéticas relacionadas com vários tipos de tumores humanos.
Os mapas também revelaram que alguns genes individuais ainda podem ajudar os cientistas. É o caso do IDH1, presente no glioblastoma- tumor que ataca as células glias, responsáveis, entre outras coisas, pela sustentação dos neurônios.
A pesquisa mostrou que os portadores de mutação no IDH1 que desenvolveram a doença tiveram uma sobrevida maior sobre os que não tinham a mutação. E essa alteração genética também aparece com mais freqüência em indivíduos jovens, ao redor dos 33 anos.
Todos esses mapas genéticos tumorais - os mesmos grupos apresentaram no ano passado o detalhamento genético do câncer de cólon e de mama- serão cada vez mais freqüentes daqui para frente, afirma Souza.
"As máquinas de seqüenciamento genético utilizadas agora são bastante potentes."
Segundo Souza, um desses supercomputadores pode seqüenciar todo o genoma humano em apenas um ou dois dias.
"Todo o seqüenciamento do Projeto Genoma do Câncer [do Brasil] demorou ao redor de dois anos. Com uma dessas máquinas usadas agora seria possível gerar os mesmos resultados em menos de dez dias."

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Vacina antigripe não salva idoso, diz estudo

Pesquisa afirma que efeito de imunização na redução do número de mortes é desprezível e que vida saudável é fator protetor

Outra análise, feita nos EUA, aponta que vacina não reduz casos de pneumonia; médico diz, no entanto, que vacinação tem de continuar


France Presse - 26.out.05

Enfermeira aplica vacina antigripe em morador de Los Angeles, onde imunização de idosos é gratuita

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA FOLHA

Vacinar idosos contra a gripe pode não ser uma forma eficiente de prevenir pneumonia e morte, afinal. Dois estudos independentes publicados nas últimas semanas sugerem que o benefício da imunização que vem sendo observado nos pacientes é resultado de outros fatores -e não da vacina em si.
Os trabalhos, um americano e um canadense, foram os primeiros a avaliar o histórico de pacientes vacinados e não vacinados que deram entrada em hospitais com pneumonia. Em idosos, esse mal geralmente evolui a partir da gripe.
Ambos concluem que os idosos vacinados de fato adoecem e morrem menos. No entanto, esses pacientes também têm melhor nível socioeconômico e educacional -portanto, tendem a uma vida mais saudável.
Os novos resultados adicionam polêmica a um campo até agora incontroverso das políticas de saúde pública. Há pelo menos 15 anos a vacinação contra a gripe é amplamente recomendada para idosos, com base em uma série de estudos que mostravam uma redução na mortalidade dos vacinados.
Alguns países, como o Brasil, têm programas de vacinação gratuita. Só o Brasil gastou em 2006 R$ 118,6 milhões na compra de 18,6 milhões de doses da vacina. Em sua página na internet, o Ministério da Saúde faz coro: "Estimativas de estudos internacionais indicam que a vacina contra a gripe provoca redução da mortalidade em até 50% entre a população idosa".
O problema é que, até agora, as pesquisas que mostram benefício na imunização foram baseadas apenas em observações de pacientes, sem nenhum controle de outros fatores.
"Nós estamos numa caverna escura e não sabemos ainda o que acontece lá dentro", disse à Folha o epidemiologista Sumit Majumdar, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Alberta, no Canadá.
Na última edição do periódico "American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine", Majumdar e colegas começaram a iluminar a caverna.
Para testar se o benefício da vacina era real, o grupo canadense resolveu tentar responder à seguinte pergunta: qual é o efeito da vacina de gripe sobre a mortalidade de idosos no verão, época do ano em que não há vírus influenza circulando entre a população?

Usuário saudável
O estudo acompanhou de 2000 a 2002 um conjunto de 704 idosos internados no sistema hospitalar de Alberta com pneumonia. Metade dos pacientes havia recebido a vacina no inverno anterior, metade não. Mesmo sem exposição ao vírus, 8% dos vacinados morreram contra 15% dos não vacinados. Uma redução na mortalidade de 51%. Ou seja, o benefício aparece mesmo sem o vírus.
Os pacientes selecionados para o estudo também eram avaliados quanto a condições prévias de saúde e alguns hábitos -se andavam sozinhos ou se fumavam, por exemplo. No total, 36 variáveis que poderiam afetar a saúde foram consideradas. Quando os resultados do estudo foram reavaliados à luz dessas diferenças, a equipe constatou que o real efeito protetor era desprezível.
"O que nós descobrimos é que as pessoas que se vacinam são mais ricas e mais instruídas. Quando você soma isso tudo, não há um grande benefício", disse Majumdar. "Não estamos dizendo que a vacina mata as pessoas, mas que nós temos exagerado enormemente seus benefícios."
O outro estudo, conduzido por um grupo da Universidade de Washington (EUA) e publicado em agosto no periódico "The Lancet", chegou à mesma conclusão ao tentar medir o efeito da imunização na redução de casos de pneumonia num grupo de 1.173 pacientes. "Depois de ajustarmos para a presença e severidade de comorbidades [outras doenças] (...) a vacina contra influenza não foi associada a risco reduzido", afirmam os médicos, liderados por Michael L. Jackson.
Majumdar diz que os programas de vacinação são necessários, mas insuficientes. E que a única maneira de saber qual é o real benefício da vacina é conduzir estudos clínicos, algo que os governos se recusam a fazer por razões éticas -já que nesse tipo de estudo alguns voluntários não recebem a droga, para comparar sua eficiência. "Todo mundo sempre achou que o benefício era tão evidente que ninguém poderia negar a vacina a um grupo", diz Majumdar.
O Ministério da Saúde, procurado pela Folha, disse estar analisando a validade do estudo canadense.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

As avaliações escolares

Entrevista da Folha com José Francisco Soares, do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) sobre um tema relevante. A educação precisa de indicadores. Mas precisa também de educadores que saibam avaliar os índices e tirar lições para a melhoria do ensino (clique aqui).

É uma avaliação não dogmática dos mitos escolares.

Um dos sofismas mais utilizados é sobre salários de professores:

1. Tem escolas que pagam menos para professores e têm melhor desempenho.

2. Logo o salário do professor não é relevante.

É a típica correlação malandra. É evidente que o fator que levou ao melhor desempenho não foi a redução do salário do professor. E é evidente que um professor melhor remunerado (e mais exigido) vai render mais do que um professor sub-remunerado.

Soares passa muito bem por esses mitos, assim como sobre o mito de que indicadores não são relevantes.
Escolas não aproveitam bem a avaliação de desempenho
Análise da atuação das instituições deve se tornar mais relevante do ponto de vista pedagógico, diz pesquisador

DA ALFABETIZAÇÃO ao ensino médio, o Ministério da Educação criou e aprimorou nos últimos 15 anos vários instrumentos de diagnóstico da qualidade do ensino. Essas avaliações fornecem um importante retrato da educação brasileira, mas seus resultados não estão chegando adequadamente às escolas e ajudando diretores a tomar decisões em seu dia-a-dia.Esta é a opinião de José Francisco Soares, do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que acaba de lançar, em parceria com Nigel Brooke -outro pesquisador de ponta na área-, o livro "Pesquisa em Eficácia Escolar" (Editora UFMG). (ANTÔNIO GOIS, da Sucursal do Rio)

O pesquisador alerta também que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), um dos instrumentos mais utilizados pelos pais para avaliar as escolas, esconde deficiências ao não relacionar a média final com o nível socioeconômico dos alunos. Com isso, escolas particulares se destacam em relação às públicas pelo fato de terem alunos de famílias de maior renda e escolaridade. Porém, na opinião de Soares, elas também não cumprem bem sua função. No livro recém-lançado, ele e Brooke reúnem os principais estudos empíricos que, desde a década de 60, tentam responder a uma questão que até hoje aflige gestores e pesquisadores: o que torna uma escola eficaz? É esse o tema que perpassa a entrevista com Soares.

Trechos:

JOSÉ FRANCISCO SOARES - Esse foi um dilema histórico que retratamos no livro. Logo após a publicação do relatório de James Coleman [de 1966, feito para o governo norte-americano e apontado como estudo pioneiro sobre o tema], duas visões pessimistas surgiram sobre o papel da escola.
Uma era de direita e influenciada pelas conclusões do próprio relatório [que mostrava que o nível socioeconômico dos alunos era o mais importante fator]. Outra, de esquerda e com maior repercussão no Brasil, era inspirada no sociólogo francês Pierre Bourdieu, que via a escola como reprodutora das desigualdades sociais.

Houve, depois, uma reação a essas visões pessimistas em estudos que procuraram demonstrar que a escola pode ser eficaz e fazer diferença para o aluno.

Hoje, já aceitamos o fato de que a escola, sozinha, não vai mudar drasticamente as condições de todos os alunos que chegam com nível socioeconômico muito baixo. É bobagem achar que a exclusão cultural a que uma criança é submetida não vai impactá-la, mas isso não pode significar que essa criança não é educável.

Se você tem um aluno de nível socioeconômico baixo, mas que está matriculado numa escola que o desafia, ele vai avançar mais do que se estivesse em outro ambiente. Temos vários exemplos de escolas que, na mesma rede de ensino, com iguais recursos e atendendo alunos com perfil semelhante, têm resultados fantasticamente diferentes em avaliações.

FOLHA - Quais evidências são consensuais nos estudos sobre o que torna uma escola eficaz?

SOARES - Há uma série de fatores, mas, se eu tiver que citar um único, diria que o mais importante é ter uma rotina pedagógica. Cada professor tem que ter clareza do que e de como ensinar. Onde estão os melhores resultados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em 2007? No interior de São Paulo, onde várias redes utilizam sistemas de ensino que, infelizmente ou felizmente, são externos.

Eles compram [de grupos privados] material pedagógico que coloca na mão do professor um cronograma bem definido do que vai ser ensinado, quando e como.

Não acho que um país como o Brasil deva ter apenas um método pedagógico. Defendo que cada escola possa escolher um sistema, mas o que não dá é para não ter nenhum, o que, infelizmente, é o padrão no nosso caso.

FOLHA - Quando as avaliações começaram a ser utilizadas no Brasil, houve resistência em aceitar suas conclusões?

SOARES - As faculdades de educação tinham um discurso pronto. Primeiro diziam que vivíamos numa ditadura e, por isso, não tinha como a escola funcionar. Depois foi o neoliberalismo.

Com a implementação em 1995 do Saeb [Sistema de Avaliação da Educação Básica], passamos a ter dados para comparar escolas e, com humildade, buscar respostas a partir dos dados. Projetos pedagógicos que eram tidos como revolucionários se mostraram pouco eficazes.

A avaliação também teve o efeito importante de mostrar para todos que o que buscamos é a criança aprender. A idéia de resultados é estranha para o professor. O discurso das faculdades sempre foi centrado no professor, mas as avaliações ajudaram a reforçar a idéia de que é o aluno o mais importante e é direito dele aprender.

FOLHA - Por outro lado, muitos educadores se queixam de pesquisas que, a partir de análises estatísticas, chegam com fórmulas prontas a serem aplicadas pelas escolas.

SOARES - Esse é realmente um problema sério. Muitos resultados de avaliações passaram a ser utilizados de forma pouco produtiva.

A escola é feita de uma interação de muitos fatores que se correlacionam e cuja evidência empírica não é tão sólida, por exemplo, como a que explica um fato econômico. Não dá para fazer com a escola a mesma análise que se faz na economia.

Há estudos empíricos que mostram, por exemplo, que o tamanho das turmas e o salário dos professores não têm impacto significativo no desempenho dos alunos. Com base nisso, vamos então falar para a sociedade pagar R$ 500 ao professor e montar turmas com 40 alunos?

FOLHA - Mas o senhor concorda que salário ou o tamanho da turma não faz tanta diferença?

SOARES - No caso brasileiro, não dá para defender turmas com 40 alunos. Dá até para dizer que baixar de 25 para 12 não fará tanta diferença, pois, se você reduzir drasticamente o tamanho das turmas, terá que contratar mais professores, e esses novos professores provavelmente não serão tão preparados.
Com isso, os resultados não serão os esperados. Não se deve pegar um fator isolado a partir de um estudo e daí criar uma política pública.

Também é preciso considerar que nas periferias de grandes cidades é importante ter turmas e escolas menores, pois é preciso, sim, um atendimento mais individualizado, de preferência em tempo integral.
Se você pega um aluno com problemas de comportamento e joga numa escola com 2.500 alunos e turmas grandes, será muito mais difícil trabalhar com ele.

Sobre salário, há vários exemplos de escolas ou cidades que, mesmo pagando menos, apresentam resultados melhores. Defendo, no entanto, que o salário aumente para podermos recrutar melhor quem vai dar aula.

Mas concordo com a idéia de que não dá para pagar mais com o tipo de organização e legislação que existe hoje na escola pública. A educação precisa de mais recursos para remunerar melhor seus profissionais, mas vamos ter que incluir nessa negociação a exigência de que a criança aprenda.


enviada por Luis Nassif