terça-feira, 24 de junho de 2008

Hospitais não estão preparados para lidar com a tuberculose

Falta política para setor que notifica cerca de 30% dos casos, alerta rede de pesquisadores

Fabiane Leite oesp

Cerca de 30% dos casos de tuberculose dos grandes centros urbanos do Brasil só são detectados quando o paciente tem sintomas agravados e chega aos hospitais, mas parte das unidades não está preparada para atendê-los. O resultado são índices maiores de mortalidade - 30%, quase 5 vezes o registrado onde a detecção é precoce -, além de taxas preocupantes de tuberculose resistente a antibióticos.

O quadro foi descrito durante o 3º Encontro Nacional de Tuberculose por Afrânio Kritski, presidente da Rede-TB, que reúne pesquisadores da doença. Segundo Kritski, estudos demonstram que hospitais tratam a tuberculose sem atender adequadamente às medidas de biossegurança, isto é, ações para proteger trabalhadores de saúde e por conseqüência o restante da comunidade da tuberculose, doença que registra cerca de 85 mil novos casos por ano no Brasil, além de 5 mil óbitos. O País é o 16º com o maior número de casos no mundo.

Inquérito inédito sobre tuberculose em 63 hospitais brasileiros localizados no Rio, Bahia, Rio Grande do Sul, Pará, Maranhão, Ceará, São Paulo, Pernambuco, Amazonas e Minas verificou que 14,3% não adotavam medidas administrativas de biossegurança e que 36,5% não atendiam a normas de engenharia para evitar que doentes contaminassem outras pessoas.

“Falta controle sobre casos que representam 30% do notificado pelos grandes centros. Necessitamos de uma diretriz nacional e, depois, de um plano para a tuberculose nos hospitais”, defendeu Kritski pouco antes do encerramento do encontro nacional sobre tuberculose, no último sábado, em Salvador.

Segundo o pesquisador, formas praticamente incuráveis da tuberculose têm surgido no mundo justamente em locais em que não há ações adequadas de controle da doença, como hospitais e prisões. São exemplos surtos ocorridos em hospitais da África do Sul, entre pacientes que também eram portadores do HIV. Também em países asiáticos, como a China, e no Leste Europeu a tuberculose resistente aos medicamentos tem surgido nesses locais.

Os primeiros casos de multirresistência no mundo, por exemplo, foram registrados no Hospital Muñiz, de Buenos Aires, entre 1991 e 2000.

De acordo com Kritski, estudo realizado entre 2004 e 2006 em seis hospitais do Rio, com avaliação de 595 pacientes, verificou taxa de resistência às drogas de 3,9% em pacientes tratados pela primeira vez, maiores do que o resultado atual para o Brasil. Só como alerta, o pesquisador lembrou que o inquérito sobre resistência a medicamentos contra a tuberculose que o Ministério da Saúde realiza já verificou taxa de 1,3% em pacientes virgens de tratamento - o estudo, em seis Estados, avaliou diferentes serviços de saúde.

HOSPITAIS ISOLADOS

Outro dado destacado pelo presidente da Rede-TB durante o encontro, demonstra que os hospitais trabalham isolados dos programas municipais de controle da tuberculose.

No mesmo inquérito realizado com 63 hospitais, foi verificado que em 55% não há fluxo de resultados de testes em pacientes com tuberculose para autoridades de saúde dos municípios - a tuberculose é uma doença de notificação compulsória, o que obriga as unidades a informarem as secretarias municipais de saúde. Segundo Kritski, o histórico recente da luta contra a tuberculose ajuda a explicar os resultados nos hospitais - programas centrados em postos de saúde e sob responsabilidade das prefeituras “esqueceram” dos pacientes internados. O governo concorda com a análise e busca solução.“Estamos trabalhando para a criação de manual para o atendimento da tuberculose em hospitais”, afirmou o coordenador do programa nacional de combate à doença, Draurio Barreira. “Os hospitais precisam de uma política.”

A repórter viajou a Salvador a convite do Ministério da Saude, Rede-TB e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia







segunda-feira, 23 de junho de 2008

Biólogos buscam na natureza receita do etanol de celulose

Cientistas vasculham plantas e animais à procura das enzimas necessárias para tornar a tecnologia viável

Herton Escobar

Quando se formou em biologia, 20 anos atrás, Alexandre Rosado não imaginava que um dia daria entrevistas sobre o futuro energético do planeta. Naquela época, o aquecimento global era quase um mito, o preço do petróleo não chegava nem perto dos US$ 100 o barril e o programa de álcool brasileiro parecia sem futuro. Agora, a história é outra.

A “redescoberta” do etanol e a busca por novas fontes de energia renovável a partir de plantas está transformando completamente o cenário científico da indústria de combustíveis. O líquido energético que antes precisava ser extraído de rochas profundas agora é plantado na superfície, colhido, e plantado de novo. Em vez de brocas, sonares e capacetes, os especialistas agora usam pinças, microscópios e jalecos brancos. As plataformas de petróleo viraram colheitadeiras. A geologia cedeu lugar à biologia. E Alexandre Rosado ganhou uma nova função.

Enquanto a Petrobrás anuncia a descoberta de reservas petrolíferas milhares de metros abaixo da superfície, ele e outros biólogos ao redor do mundo vasculham o intestino de peixes, vacas e cupins à procura de micróbios capazes de digerir celulose e produzir os biocombustíveis do futuro. “É um momento muito interessante, a área está super quente”, diz Rosado, professor há dez anos do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e chefe do Laboratório de Ecologia Microbiana Molecular.

Mais especificamente, os cientistas estão à caça de enzimas com ação celulolítica - ou seja, capazes de quebrar as moléculas longas e duras de celulose em moléculas menores e mais “digeríveis” (do ponto de vista de uma levedura), que possam ser aproveitadas nos processos clássicos de fermentação para produção de etanol. E não há lugar melhor para isso do que o intestino de animais herbívoros, fundos de lagos e outros ambientes exóticos onde matéria vegetal é naturalmente degradada.

A falta dessas enzimas, chamadas celulases, é um dos principais entraves à produção de etanol de celulose. “As enzimas que temos hoje são muito ineficientes e caras”, diz Paulo Arruda, biólogo molecular da empresa Alellyx, de Campinas. “Precisamos digerir mais bagaço com menos enzima. Esse é o gargalo.”

Os especialistas em produzir celulases na natureza são microrganismos. Na UFRJ, os cientistas estudam o arsenal enzimático de micróbios que vivem no intestino de peixes cascudos da mata atlântica. Dentre as centenas de bactérias identificadas, duas novas espécies já foram isoladas e caracterizadas. “São tipos tão diferentes que talvez sejam até gêneros novos”, diz Rosado, que orienta a pesquisa em parceria com a cientista Elba Bon, do Instituto de Química. O trabalho compõe a tese de mestrado do aluno André Castro.

Outro projeto do laboratório é o estudo de comunidades microbianas da água de bromélias - aquelas “piscininhas” que se formam na base das folhas e estão recheadas com microrganismos. Cerca de 500 espécies já foram isoladas e 80%, segundo Rosado, têm ação celulolítica. “A motivação inicial era apenas estudar a biodiversidade microbiana desses ambientes. Quando vimos o potencial que isso tinha para os biocombustíveis, porém, iniciamos a busca por enzimas também”, conta o cientista.

Ele exalta o potencial biotecnológico da biodiversidade brasileira: “Temos reservatórios enormes de genes, enzimas e microrganismos que não são explorados”, diz.

CUPINS

Nos EUA, um dos líderes nessa área é o microbiólogo Jared Leadbetter, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), que trabalha em parceria com a empresa Verenium. Em 2007, ele e vários cientistas da empresa publicaram na revista Nature Biotechnology uma análise de genes e proteínas de bactérias do intestino de cupins. Os insetos foram coletados na Costa Rica, com autorização do governo e participação de cientistas locais, que também assinam o estudo.

A escolha faz sentido: se o objetivo é digerir biomassa, ninguém sabe fazer isso melhor do que um cupim. O intestino do inseto está recheado de bactérias e outros micróbios que secretam celulases. Os cientistas querem isolar essas enzimas e testá-las na produção de etanol. E depois, quem sabe, isolar os genes responsáveis pelas enzimas e transferi-los para outros microrganismos que possam ser incorporados ao processo produtivo.

“Não há dúvida de que a solução para os biocombustíveis está nos micróbios”, disse Leadbetter ao Estado. “É neles que vamos encontrar o software que precisamos para fazer o etanol de celulose funcionar.”

Entender como funciona esse software genético, porém, não será fácil. O mais provável, diz Leadbetter, é que milhares de genes e enzimas participem do processo. “Todos os resultados indicam que se trata de sistema muito complexo”, diz. A “receita mágica”, portanto, deverá ser um coquetel de enzimas selecionadas de vários organismos e misturadas sob medida para cada tipo de biomassa.