quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Prevenção: uma chance ao futuro

GIOVANNI GUIDO CERRI

FOLHA
TENDÊNCIAS/DEBATES

NO INÍCIO deste mês, um dado divulgado pelo Ministério da Saúde no "Perfil de Mortalidade do Brasileiro" mostrou que os cânceres foram os responsáveis pelo maior número de mortes entre mulheres em idade fértil em 2005.
Atingindo 23% do total de óbitos entre a faixa etária que vai dos dez aos 49 anos, as neoplasias superaram inclusive as doenças cardiovasculares, que quase sempre reinaram absolutas no topo desse ranking.
A inquietante constatação pode ser explicada por uma série de razões, que vão do uso precoce de hormônios à postergação da maternidade. Mas o dado também traz à luz uma realidade para a qual o país apenas começa a despertar: as taxas de câncer estão crescendo porque os brasileiros estão mais longevos, especialmente nos Estados mais ricos da federação.
Estamos caminhando para um cenário já bem estabelecido em países desenvolvidos. Com o aumento dos índices de desenvolvimento e um acesso mais amplo à saúde e à educação, a população deixou de morrer por causa de doenças infecciosas símbolos da pobreza e do subdesenvolvimento e passou a sofrer de outras doenças, como as cardiovasculares e o câncer.
Se, por um lado, as taxas de morte por neoplasia refletem uma maior expectativa de vida entre o povo de um país, por outro, ampliam um fardo que custa, anualmente, milhões de reais aos cofres públicos.
Somente entre 2000 e 2005, os gastos do governo federal com assistência oncológica de alta complexidade aumentaram mais de 100%. No Estado, a Secretaria de Saúde gasta milhões, mensalmente, com o custeio de medicamentos para tratar casos de alta complexidade, entre os quais muitos tumores em estágio avançado.
Tratar câncer é sempre oneroso.
Lidar com a doença já em franca evolução, no entanto, sai muito mais caro. Isso não significa que o governo não deva investir no tratamento de casos de alta complexidade. Uma vida não tem preço, mesmo para quem precisa pensar em termos de política pública de saúde.
Pensando assim, o governo do Estado criou, em parceria com a Faculdade de Medicina da USP, o Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira, uma instituição especializada no tratamento integral do paciente com câncer. Com um orçamento anual estimado em R$ 200 milhões, o Icesp deve triplicar o número de vagas para o atendimento oncológico no Estado e já desponta como uma referência em assistência e pesquisa da doença.
Erguer hospitais para tratar quem tem câncer não é nem deve ser o único caminho. E grande parte da luta contra essa enfermidade que não faz distinção de classes passa pela conscientização da população. O conhecimento sobre como evitar o que pode favorecer o surgimento da doença tem um papel importante na redução do número de novos casos.
Não fumar, manter um peso adequado, evitar o sedentarismo e adotar hábitos saudáveis, como reduzir o consumo de álcool, ter uma alimentação balanceada e usar preservativo nas relações sexuais, são atitudes que ajudam a proteger contra o surgimento de diferentes tipos de câncer.
Ficar atento aos sintomas que podem indicar a enfermidade é outra medida que pode ajudar, já que há grandes chances de cura quando o câncer é descoberto na fase inicial.
Como fazer isso? Prestando atenção ao próprio corpo. Sangramento urinário ou anal podem ser sintomas de câncer de próstata ou de intestino.
Da mesma forma que secreção com sangue no mamilo pode ser um indício de câncer na mama. É preciso estar atento e procurar o serviço de saúde para detectar ou até descartar a presença do problema.
No Brasil, a despeito da evolução no diagnóstico e no tratamento da doença, a palavra câncer ainda é pronunciada envolta em temor. As pessoas não gostam de falar sobre o tema.
Com isso, evita-se a discussão e a propagação de informações que poderiam ser de grande ajuda para muitos. Não falar sobre câncer não vai extinguir os casos da doença. Ao contrário, contribuirá ainda mais para o aumento dos índices da enfermidade.
Quem discute o assunto sem preconceitos e procura orientação sobre como prevenir ou detectar precocemente o câncer está, de certa forma, mais protegido contra a doença. E também pode ajudar a mudar o preocupante futuro de uma nação que já não é tão jovem como antes.
Hospitais especializados em tratar o câncer são, sim, uma aposta no futuro. Mas esse futuro pode ser bem menos sombrio se parte do presente for dedicada à prevenção e à detecção precoce dessa enfermidade.

GIOVANNI GUIDO CERRI, 55, médico, é professor titular da Faculdade de Medicina da USP e diretor-geral do Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira.

domingo, 23 de novembro de 2008

O fim do mestrado...


NAOMAR DE ALMEIDA FILHO


Quais os antecedentes dessa invenção da burocracia acadêmica brasileira? A que fins serviu? Servirá no futuro?

FOLHA

...TAL COMO introduzido no Brasil, durante a ditadura militar, parece próximo.
Na atualidade, praticamente todos os países com maior desenvolvimento econômico e social têm mestrado como formação profissional.
Entre nós, o grau universitário chamado mestrado foi instituído em 1965 pelo famoso Parecer Sucupira, que definiu diretrizes para a pós-graduação brasileira. Nesse contexto, o título foi criado como habilitação à docência em nível superior.
Quarenta anos depois, tal definição só existe no Brasil e, em menor escala, em alguns países latino-americanos. Quais são os antecedentes dessa invenção da burocracia acadêmica brasileira? A que fins serviu? Servirá no futuro?
O termo "master", "meister" (daí o tratamento plebeu -"mister"- na língua inglesa), "maître", mestre, em português, tem raízes profissionais. Na Europa medieval, designava o artesão experiente que dominava seu ofício e, autorizado pelas corporações, estava apto a formar aprendizes.
A universidade formava então apenas "doctors", senhores da "doctrina". Só na era moderna começou a titular profissionais. A Reforma Humboldt, instituidora da universidade de pesquisa em 1810, manteve o doutorado como láurea acadêmica maior. Mas acolheu o mestrado como grau acadêmico intermediário, em suplemento à láurea menor, o bacharelado.
A partir do século 20, em toda a América do Norte e nos países da "commonwealth", o título de "master" tanto se refere à formação pré-doutoral quanto implica designação direta da área profissional.
O administrador recebe o título de MBA ["master of business administration"]; o pedagogo, M.Ed. ["master of education"]; o sanitarista, M.P.H. ["master of public health"]; o psicólogo, M.Psychol. ["master in psychology"]; e assim por diante. Exceções são algumas profissões que seguem o padrão da medicina, em que graduação [M.D. -"medical doctor"] é sempre doutorado. E, em muitas universidades, o curso de direito concede grau de J.D. ["juris doctor"].
Na tradição mediterrânea, raiz da universidade brasileira (através de Coimbra e depois pela influência da Sorbonne e das "écoles polytechniques"), o título mestre nunca foi utilizado. Preferia-se licenciado (modelo francês e espanhol) ou bacharel (modelo lusitano).
Com o Processo de Bolonha, a partir de 1999, unifica-se o mestrado como diploma do segundo ciclo na maioria das universidades européias. Em Portugal, Holanda e Suíça, por exemplo, médico é agora mestre em medicina.
Na França, Alemanha e Itália, cursos em complemento às láureas profissionais são igualmente referidos como mestrado.
Neste contexto de crescente internacionalização da universidade, vale a pena continuarmos sucupiranos? Faz sentido manter no Brasil uma exótica licenciatura para ensino superior chamada mestrado? Não seria interessante "masterizar" a formação profissional, com soluções criativas para impasses e limites dos modelos internacionais?
Respostas a essas questões podem ser dadas pelo Reuni, pelo menos no âmbito da rede federal de ensino superior. No plano nacional, a Andifes avança na construção do chamado "Reuni da pós", que deve contemplar ampliação maciça de vagas e propostas de reestruturação dos ciclos pós-profissionais. No plano local, várias universidades desenvolvem modelos de pós-graduação compatíveis internacionalmente.
Assim é que vimos implantando na UFBA o modelo conhecido como Universidade Nova, que, além dos bacharelados interdisciplinares, prevê expansão dos mestrados profissionais (devidamente redesenhados) e equivalência entre essa modalidade e cursos de especialização. No marco legal superado da pós-graduação brasileira, mestres formados no exterior em graduação profissional têm sido oficialmente credenciados por colegiados e câmaras como docentes de nível superior. Haverá certamente reação às mudanças entre os que se beneficiaram do equívoco regulatório.
Mas, para recriar a pós-graduação brasileira, contamos enfim com os órgãos normativos e de coordenação da educação superior. O Conselho Nacional de Educação poderia rever o Parecer Sucupira, e todo o marco legal derivado, à luz das mudanças em curso em praticamente todos os países do mundo desenvolvido. E a Capes, formada por representantes das comunidades acadêmicas, poderia elaborar diretrizes específicas para os mestrados profissionais, fomentando propostas capazes de tornar a universidade brasileira mais integrada às redes internacionais de produção e circulação de ciência, arte e cultura.


NAOMAR DE ALMEIDA FILHO , 56, doutor em epidemiologia, pesquisador do CNPq, é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva e reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).