sexta-feira, 28 de março de 2008

Estudo explica as bases genéticas da esquizofrenia

Causa da doença está em genes repetidos e apagados, não em mutações simples

Pesquisa americana explica por que genes causadores da doença nunca foram achados e aponta caminho para a busca de terapias

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL FSP

A esquizofrenia é um transtorno mental de influência genética extremamente forte: alguém com um irmão gêmeo univitelino esquizofrênico tem 50% de probabilidade de ter a doença também. Em mais de uma década de pesquisas, porém, geneticistas conseguiram pouco avanço no entendimento da doença. Um estudo publicado hoje na revista "Science" ajuda a explicar por quê.
Durante anos os cientistas procuraram variações genéticas simples -"letras" alteradas no DNA- que fossem comuns entre os portadores da doença. Pesquisadores da Universidade de Washington e do Laboratório de Cold Spring Harbor, ambos nos EUA, porém, mostram agora que o buraco pode ser mais embaixo -e maior.
Os cientistas chegaram ao resultado comparando o genoma de 150 esquizofrênicos com o de 268 pessoas sadias. O trabalho indica que a esquizofrenia pode ser causada por uma grande variedade de mutações, mas em outra escala: em vez de "letras" trocadas, "páginas" e "capítulos" inteiros do DNA que desaparecem ou são duplicados ajudam a explicar a doença.
Trocando em miúdos, o trabalho significa que uma mutação que desencadeie esquizofrenia em uma pessoa pode não causá-la em outra- depende do quanto o gene mutante foi copiado ou apagado. Isso é apenas o início, de certa forma, do entendimento de como essa doença complexa funciona. Mas a descoberta ajuda a chegar à lista de quais genes influenciam a doença, o que pode apontar um caminho para novas drogas contra o distúrbio.

Via de ataque
"Muitos desse genes se aglomeram em vias [conjuntos de genes ativados em seqüência] relacionados com o desenvolvimento cerebral", disse à Folha Jon McClellan, de Washington, um dos líderes do estudo. "Portanto, apesar de cada mutação e cada gene que causam a doença serem diferentes em cada pessoa, tratamentos podem ser desenvolvidos alvejando as vias envolvidas."
Diagnosticada por sintomas como alucinações, pensamentos confusos e emoções distorcidas, a esquizofrenia provoca enorme desgaste emocional e físico em seus portadores. Paranóias e devaneios são comuns nessas pessoas. Cerca de 1% da população global desenvolve a doença em algum grau.
Os mecanismos cerebrais da doença são parcialmente conhecidos e parecem envolver um comportamento anormal da dopamina (molécula que transmite impulsos nervosos) em áreas do cérebro ligadas ao raciocínio. Saber que as mutações que predispõem à doença atuam no desenvolvimento cerebral, porém, é fundamental.
"Isso sugere que há um componente genético forte", diz McClellan. "Contudo, mutações podem ocorrer em função da exposição a certos ambientes, então fatores ambientais ainda podem ter um papel, mesmo que a causa fundamental seja mais genética."
Apesar do avanço, um teste de DNA para o risco de esquizofrenia -semelhante aos que existem para certos tipos de câncer- ainda é uma realidade muito distante, diz o cientista, dada a natureza estatística do trabalho. "Não podemos provar que qualquer mutação tenha causado a doença."
Segundo Emmanuel Dias Neto, geneticista da USP que também estuda a esquizofrenia, o trabalho na "Science" ajuda a explicar por que nenhum grupo até agora tinha encontrado algo como um "gene da esquizofrenia". "Às vezes um grupo estuda um gene e diz que ele está envolvido, depois vem outro grupo diz que não encontrou nada", afirma. "Esse estudo agora ajuda a explicar essa discrepância dos dados e revela que há um grau de dificuldade imenso no processo."

Rare Structural Variants Disrupt Multiple Genes in Neurodevelopmental Pathways in Schizophrenia

Tom Walsh et al. Published Online March 27, 2008
Science DOI: 10.1126/science.1155174

Schizophrenia is a devastating neurodevelopmental disorder whose genetic influences remain elusive. We hypothesize that individually rare structural variants contribute to the illness. Microdeletions and microduplications >100 kb were identified by microarray comparative genomic hybridization (CGH) of genomic DNA from 150 individuals with schizophrenia and 268 ancestry-matched controls. All variants were validated by high-resolution platforms. Novel deletions and duplications of genes were present in 5% of controls versus 15% of cases (P = 0.0008) and 20% of young onset cases (P = 0.0001). The association was independently replicated in patients with childhood-onset schizophrenia compared to their parents (P = 0.03). Mutations in cases disrupted genes disproportionately from signaling networks controlling neurodevelopment, including neuregulin and glutamate pathways. These results suggest that multiple, individually rare mutations impacting genes in neurodevelopmental pathways contribute to schizophrenia.

Pela expansão do ensino superior público

Só 13% dos brasileiros entre 18 e 24 anos freqüentam o ensino superior. Nos países da OCDE, a porcentagem é, em média, de 30%
FSP
É UM truísmo dizer que o desenvolvimento e a riqueza das nações estão diretamente relacionados ao número de seus habitantes com acesso a ensino superior de qualidade. Entretanto, a constatação por si só não tem o condão de mudar a realidade histórica. Nesse contexto, os números relativos ao ensino superior no Brasil, embora apresentem progressos nos últimos anos, permanecem desapontadores.
Dados recentes mostram que apenas 13% dos brasileiros entre 18 e 24 anos freqüentam o ensino superior.
Nos países da OCDE, essa porcentagem é, em média, de 30% e, na Coréia do Sul, de 60%. De resto, apenas 9% da população brasileira conclui o ensino superior, contra 26%, na média, nos países da OCDE.
No final do ano passado, a Unicamp promoveu um fórum sobre o tema em que estudiosos e dirigentes universitários relataram experiências e projetos desenvolvidos no Brasil, na União Européia e nos EUA. A explanação de John Douglass, pesquisador da Universidade da Califórnia (Berkeley), foi um ponto alto da discussão.
Douglass apresentou dados sobre a distribuição dos 3 milhões de estudantes matriculados nas instituições públicas do ensino superior nesse que é o mais populoso Estado americano.
No sistema norte-americano, 74% das instituições são públicas -um predomínio expressivo-, 20% são instituições privadas sem fins lucrativos e 6% são privadas com fins lucrativos. Nesse sistema, aproximadamente 36% da população norte-americana concluiu o ensino superior.
Os dados de Douglass mostram que nos dez campi da UC -um sistema multicampi de universidade classificada como "de pesquisa", semelhante às três estaduais paulistas- estão matriculados 180 mil alunos em cursos de graduação. Já os 23 campi da UEC (Universidade do Estado da Califórnia) -também pública, mas, diferentemente da UC, quase exclusivamente destinada ao ensino de graduação- recebem 370 mil estudantes.
Os outros quase 2,5 milhões de matriculados freqüentam os 107 "community colleges", voltados para a formação geral, vocacional e profissionalizante, com cursos de dois anos, presentes em grande parte dos municípios da Califórnia.
Nos Estados Unidos, segundo Douglass, cerca de 40% dos municípios têm pelo menos um "college" ou universidade. Ressalte-se que há mobilidade dentro do conjunto das instituições públicas: um estudante pode, por exemplo, terminar o "community college" e ingressar na UEC ou na UC.
Esse sistema foi consolidado em 1960, quando a Califórnia aprovou seu plano diretor de ensino superior, resultado de planejamento cuidadoso e de longo prazo. O plano se traduziu em um dos mais completos, abrangentes e qualificados sistemas de ensino superior nos EUA.
O quadro apresentado contrasta agudamente com o que emerge dos dados nacionais. Dos 5,3 milhões de matriculados no ensino superior brasileiro, 25% estão em instituições públicas (Pnad/IBGE, 2006). No Sudeste, essa porcentagem é ainda menor (em São Paulo, está em torno de 15%).
Merece menção o fato de todos os dados disponíveis mostrarem que as universidades públicas são as melhores do país e as únicas em que pesquisas com qualidade reconhecida e em larga escala são realizadas.
Outro dado significativo: no Brasil, segundo dados do Inep/MEC para 2006, apenas 2% dos matriculados no ensino superior cursam programas com caráter vocacional ou profissionalizante. O número para a Coréia do Sul é de 50%.
As propostas e considerações sobre o futuro do ensino superior no Brasil discutidas no fórum da Unicamp apontam a urgente necessidade de ampliar a participação de instituições públicas no ensino superior do Brasil e aumentar o número de jovens com educação superior no país para valores próximos das médias da OCDE.
Numerosos exemplos indicam que esse incremento pode e deve ocorrer em um sistema diversificado de ensino superior sem comprometer a qualidade e sem inviabilizar as várias universidades públicas de comprovada excelência hoje existentes.
Experiências bem-sucedidas em outros países devem ser analisadas com cuidado, dadas as peculiaridades do sistema educacional brasileiro. No entanto, o exemplo da Califórnia mostra que a importância do planejamento a longo prazo, a grande abrangência e a diversidade do ensino superior público, a mobilidade estudantil entre as diversas instituições e a avaliação periódica de desempenho merecem ser levados em consideração nas ações futuras relacionadas ao ensino superior no Brasil.

FERNANDO FERREIRA COSTA , 57, é professor titular da Faculdade de Ciências Médicas e vice-reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

segunda-feira, 24 de março de 2008

O novo marco regulatório da educação superior

MARIA PAULA DALLARI BUCCI e RONALDO MOTA

A função realmente capaz de garantir que os cursos satisfaçam a razão pela qual foram autorizados é a avaliação de qualidade

O MINISTÉRIO da Educação vem operando profunda reformulação do marco regulatório da educação superior.
Nas palavras do ministro Fernando Haddad, passa-se do paradigma de que "o Estado avalia e o mercado regula" para uma noção mais afinada com o comando contido no artigo 209 da Constituição Federal, de que "o Estado avalia e o Estado regula".
Para isso, definiram-se claramente três atribuições do MEC em relação à educação superior: regulação, avaliação e supervisão.
No passado recente, o ministério concentrava atenção na regulação, nos aspectos formais da abertura de instituições e cursos. A autorização dava-se principalmente com base em papéis, considerando que o projeto é apenas uma promessa.
A função realmente capaz de garantir que os cursos satisfaçam a razão pela qual foram autorizados é a avaliação de qualidade, renovável periodicamente, conforme dispõe a LDB. A avaliação ganhou muito em profundidade com a instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), pela lei nº 10.861/2004, que criou o Exame Nacional de Estudantes (Enade), visando aferir o desempenho efetivo dos alunos, complementado com a avaliação de cursos e instituições.
A última função que compõe o tripé é a supervisão, que permite ao MEC, a qualquer tempo, pedir informações e determinar as providências necessárias para saneamento das deficiências eventualmente detectadas em instituições e cursos.
O decreto nº 5.773/2006 passou a relacionar regulação e avaliação, prevendo que as avaliações do Sinaes gerem conseqüências. Resultados insatisfatórios poderão impedir o recredenciamento de instituição ou renovação de reconhecimento de curso.
O MEC passa a desempenhar ativamente sua parcela de responsabilidade pela fiscalização da educação superior, voltando sua atenção à realidade acadêmica dos estudantes e do funcionamento concreto dos cursos.
O MEC desencadeou, em outubro passado, a supervisão dos cursos de direito com avaliações insatisfatórias no Enade, motivado por manifestações da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outras.
Os 89 cursos de direito com resultados abaixo do mínimo foram convocados a explicar as razões disso e propor medidas para o saneamento das deficiências. Foi constituída uma comissão de especialistas, que assessorou a Secretaria de Educação Superior (SESu) a analisar a consistência das medidas propostas, confrontando-as com informações colhidas em visitas in "loco".
Algumas instituições já assinaram termo de compromisso com o MEC, com prazo máximo de um ano, ao final do qual receberão nova visita para verificar o cumprimento das providências. Estas, diga-se, muito concretas, incluem diminuição do número de vagas (cerca de 6.300 até o momento), contratação de professores com titulação e ampliação de acervo bibliográfico, entre outras, de modo que resultem em melhoria rápida e consistente do ensino.
Ao final do prazo, se não obtido o saneamento, o MEC instaurará processo administrativo, que poderá resultar no fechamento do curso, garantidos, evidentemente, o contraditório e a ampla defesa.
Essas iniciativas de supervisão representam o que há de mais inovador em relação às práticas anteriores, na medida em que servem, mais do que a aplicar medidas sancionatórias de fechamento de cursos (o que alguns segmentos da sociedade sugerem), para induzir a melhoria efetiva de sua qualidade e, conseqüentemente, da formação de pessoal de nível superior, tão necessária para o desenvolvimento do país.
Por fim, cumpre noticiar que esse conjunto de iniciativas vem passando pelo teste realmente decisivo em relação a qualquer marco regulatório, que é o do Poder Judiciário.
Emblemática é a afirmação da juíza da 13ª Vara Federal: "É legítimo o procedimento instaurado pela SESu/MEC, nos limites do poder de polícia a ela por lei conferido, tendente à apuração de possíveis deficiências nos cursos jurídicos", decisão confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região: "Detectado o problema em uma área específica, tem a administração que atuar".


MARIA PAULA DALLARI BUCCI, 44, mestre e doutora em direito pela USP, é consultora jurídica do Ministério da Educação.
RONALDO MOTA, 52, doutor em física pela University of British Columbia e pela University of Utah, professor titular da Universidade Federal de Santa Maria (RS), é o secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação.