sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Os temas de Ciência & Tecnologia

Dois bons temas de ciência e tecnologia para discutir (clique aqui).

O primeiro, a questão do direito de patente. Há quem julgue que a patente é do instituto de pesquisa; há quem defenda que é do pesquisador.

Há alguns pontos a se considerar.

O primeiro, é que os institutos bancam as verbas, os laboratórios e têm direito à sua parte na descoberta. O segundo, é que os pesquisadores têm enormes dificuldades em negociar com as empresas. Além disso, sendo pessoa física, cria uma instabilidade natural nas negociações: pessoas morrem, parentes brigam por herança etc.

A minha opinião é que o ideal é uma agência da Universidade - ou o financiador, como a FAPESP - serem titulares da patente; o cientista ter a justa participação

O segundo ponto é a velha discussão sobre a repartição das verbas do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa). Há os que defendam que o melhor aproveitamento se dá onde há maior massa crítica de pesquisadores. E os que defendem a distribuição das verbas, para poder gerar mais centros de excelência.

No caso de verbas fartas, não haveria discussão. Mas na casa onde falta pão…

Enviado por: luisnassif

Lei afasta inventor da posse de patentes


Empresas e investidores preferem tratar só com pessoas jurídicas; cientistas inovadores dizem temer perda de direitos


Pesquisador defende que invento fique nas mãos de cientistas, mas iniciativa privada evita contratos que envolvem pessoas físicas

Carol Guedes/Folha Imagem

Pesquisador Antonio Carlos de Camargo, nas alamedas do Instituto Butantan, em São Paulo

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

A questão cultural, mais do que a jurídica, é um dos grandes gargalos do sistema de inovação nacional, apesar de não ser o único. Se os recursos para transformar conhecimento em produtos existem, como gosta de alardear o ministro Sergio Rezende (Ciência e Tecnologia), é fácil perceber quais engrenagens estão emperradas.
Um exemplo cristalino vem do centenário Instituto Butantan, em São Paulo. No local, funciona o CAT (Centro de Toxinologia Aplicada) e também um dos Cepids (centros de pesquisa, inovação e difusão) da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Sob comando do médico Antonio Camargo, o grupo trabalha isolando moléculas do veneno de serpentes para depois tentar transformá-las em importantes medicamentos.
Ao todo, explica Camargo, o CAT já depositou 13 patentes desde 2001. Nenhuma delas, porém, obteve ainda concessão dos órgãos nacionais ou internacionais que analisam esses pedidos. Aqui, é que o imbróglio cultural começa.
"Nas patentes mais antigas todo mundo fez aquilo que achou que era o mais promissor em termos de proteção do conhecimento gerado com recursos públicos. Em alguns casos [como os do CAT], os pesquisadores foram colocados como co-titulares das patentes", diz Cristina Assimakopoulos, especialista em patentes da Fapesp. A instituição pública, que investiu milhões de dólares no processo, é também uma das titulares das patentes do CAT.
A evolução da legislação mudou o cenário. O Brasil já havia editado uma Lei de Propriedade Industrial, em 1996, e a Lei da Inovação Tecnológica fez algumas alterações em 2004. Tudo, em tese, deve ser tratado entre pessoas jurídicas. No caso específico, entre o Butantan, a Fapesp e o setor privado.
É exatamente esse o ponto que o professor Camargo quer discutir. "Os pesquisadores, legítimos co-proprietários da propriedade intelectual, não concordam com a usurpação desse direito", afirma ele à Folha. O caso do CAT não é o único. Levantamento feito pela pesquisadora Isabel Drummond, que trabalha para a Fundação Biominas, mostra que entre 1998 e 2000, só na área de biotecnologia, 16% das patentes pedidas tinham o inventor como titular do processo. "É um número alto", afirma a pesquisadora. Para ela, hoje, essa porcentagem continua válida.
Do lado do setor privado, patentes frutos de pesquisas lideradas por Camargo foram negociadas com a Coinfar -parceria que reúne as empresas Biolab, Aché e União Química.

Divórcio de intenções
Segundo William Marandola, representante da Coinfar, a legislação é clara. "Numa instituição de pesquisa, a patente pertence à instituição. Não ao pesquisador." Pela lei, diz o executivo, uma coisa é a figura do inventor e outra é a do titular da patente, "o dono do ativo representado pela patente". Marandola afirma que nenhuma empresa vai investir em projetos que estejam com uma pessoa física. "E se ocorre uma morte? Um divórcio?", diz. Ninguém quer patentes retidas num inventário em disputa.
No caso do Butantan, há outra peculiaridade. Para a assinatura de um contrato de licenciamento de patente, a legislação estadual obriga que tudo seja aprovado pela Assembléia Legislativa. Isso só aumenta o risco, na visão das empresas.
De acordo com o diretor do Butantan, Otávio Mercandante, a instituição está se modernizando para se adequar à nova realidade das patentes.
Escritórios especializados em propriedade intelectual, como a Clarke, Modet & C, foram ouvidos pela Folha, além de cientistas autores de invenções. Eles recomendam que os pesquisadores de instituições públicas renegociem seus contratos tendo dois objetivos em mente: sair da titularidade da patente, mas não sem negociar um quinhão do dinheiro que pode vir da invenção -um lucro, aliás, que tem sido mais a exceção do que a regra.

A crise e a pesquisa industrial


LUIZ EUGENIO ARAÚJO DE MORAES MELLO


Os cortes de curto prazo das indústrias no Brasil deveriam ser acompanhados de uma revisão nas suas estratégias de C&T no longo prazo

FOLHA

POUCOS SABEM , mas Basf e AGFA tem "anilina" no nome. Ambas surgiram como produtoras de corantes à base de anilina durante a revolução industrial, que teve origem no final do século 19 e que fomentou pela primeira vez no mundo a pesquisa na indústria.
No entanto, apesar de "anilina" constar do nome de ambas, é pouco provável que alguém que esteja lendo este texto tenha comprado anilina desses fabricantes. Como muitas outras indústrias, ao longo do tempo, Basf e AGFA se adaptaram aos novos mercados. Modificaram seu leque de produtos em consonância com as necessidades dos mercados e dos novos tempos.
Pesquisa industrial por si só não é garantia de sobrevivência para nenhuma empresa no mundo moderno. Mesmo ampla em termos de aporte financeiro e da qualificação de cientistas envolvidos, a pesquisa industrial feita pela RCA e pela Westinghouse não impediu que ambas fossem deslocadas por companhias mais eficientes e competitivas. Por outro lado, não foi a presença da pesquisa nessas empresas que as eliminou do mercado.
Já a ausência de pesquisa industrial parece ter sido um componente importante para a extinção da indústria siderúrgica norte-americana.
Em 1960, convidado a falar em uma reunião anual da indústria siderúrgica norte-americana, o assessor cientifico da Presidência dos Estados Unidos vaticinou: "Não entendo por que vocês me convidaram para falar sobre pesquisa, tendo em vista que vocês não fazem nada nesse sentido" (referindo-se a pesquisas de relevância).
"No ritmo atual e caso não ocorram mudanças, vocês estarão fora do negócio em 20 anos".
De fato, no início da década de 1980, cerca de 320 mil funcionários das companhias siderúrgicas norte-americanas (75% do total) haviam perdido seus empregos.
Não é fácil para uma empresa, entre ações de efeitos imediatos e palpáveis e investimentos em um futuro aparentemente incerto, decidir-se pelo último cenário.
Os cortes anunciados pelas diversas empresas no Brasil e no mundo são certamente uma parte necessária do ajuste essencial para sobrevivência em um cenário de diferentes níveis de demandas, preços e taxas de câmbio.
Ainda no caso norte-americano, não deixa de ser notável que uma das promessas da General Motors para se habilitar a novo aporte de recurso do governo dos EUA seja um carro híbrido elétrico/gasolina.
Nesse caso, fica claro que o fiador do empréstimo de US$ 25 bilhões é, em última análise, fruto do investimento da companhia em ciência e tecnologia (C&T) realizado em anos anteriores.
O investimento empresarial em ciência e tecnologia empreendido no Japão, na Coréia, em Cingapura e nos Estados Unidos é sempre significativamente maior que o investimento governamental. No Brasil, essa situação é invertida.
Aqui, como porcentagem do PIB, esse montante é três vezes menor que em Cingapura e quase sete vezes menor que no Japão.
Em virtude disso, não é estranho estarmos tão distantes em depósitos de patentes nos EUA quando comparados com esses países. Mesmo na sempre surpreendente China, o setor empresarial investe mais que o dobro em C&T do que o governo chinês.
Investir em C&T não é a garantia de sobrevivência para nenhum empreendimento. Não investir em C&T é certamente uma sentença de morte para qualquer empreendimento que pretenda manter-se ativo em longo prazo.
Os cortes de curto prazo das indústrias no Brasil deveriam ser acompanhados de uma revisão nas suas estratégias de C&T no longo prazo. As profecias do assessor científico de J. F. Kennedy parecem ser tão válidas hoje como há quase 50 anos.


LUIZ EUGENIO ARAÚJO DE MORAES MELLO , 51, graduado em medicina, mestre e doutor em biologia molecular, com pós-doutorado em neurofisiologia pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), é pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), presidente da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE) e membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.