sábado, 16 de agosto de 2008

Serra envia projeto de bônus de desempenho na Educação


Proposta de lei foi enviada à Assembléia Legislativa


FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL FOLHA

O governador José Serra (PSDB-SP) enviou ontem à Assembléia Legislativa projeto de lei que visa implementar o bônus por desempenho para os profissionais da Educação. A previsão de gasto com a proposta é de R$ 500 milhões.
Para arcar com o valor, o governo paulista conta com a mudança da lei federal que aumentou o período extraclasse dos docentes para 33% da jornada.
Na rede estadual, o percentual atual é de 16,6%. Para cumprir a norma, aprovada pelo Congresso em julho, o governo estima ser necessário aumentar o corpo docente em um terço, o que custaria R$ 1,4 bilhão.
Estados e municípios pressionam a União para que altere a lei, sancionada pelo presidente Lula. A secretária de Educação paulista, Maria Helena Guimarães, disse no mês passado que o gasto extra poderia prejudicar o pagamento do bônus.
"Poderia [prejudicar], mas não vai", disse Serra. "Há uma questão legal, a União não pode legislar sobre regime de trabalho dos Estados e municípios."
Questionado se seu governo conta com a alteração da lei, Serra disse: "Sem dúvida".
O Ministério da Educação informou que espera posicionamento da AGU (Advocacia Geral da União) sobre o tema.
O bônus por desempenho substitui a gratificação que era calculada apenas com base nas faltas dos servidores e custou R$ 450 milhões neste ano.
O bônus, cujos detalhes já foram publicados pela Folha, vai dar até 2,4 salários a mais (20% do rendimento do ano) a todos os profissionais das escolas que atingirem as metas de melhoria anual estipuladas com base no Idesp -índice que considera o desempenho dos alunos nas provas do Saresp e em taxas de aprovação e abandono.
O bônus será proporcional ao desempenho da unidade (se atingir apenas metade da meta, será pago 1,2 salário). Se a escola ultrapassar o objetivo, a bonificação chegará a 2,9 salários.
Do valor, porém, haverá desconto proporcional ao número de faltas do servidor. "Introduzimos o mérito na remuneração", afirmou Serra.
A medida causa polêmica. "É uma boa tentativa para melhorar o ensino", afirmou a professora da pós-graduação da PUC-SP Regina Brito. "Mas agora é preciso avaliar o impacto."
Também pesquisadora da PUC-SP, Isabel Franchi Cappelletti é contra. "Avaliar o professor com uma prova aos alunos é injusto, pois não capta as dificuldades de cada região."
A Apeoesp (sindicato dos professores) defende que o governo deveria investir na melhoria das condições de trabalho dos profissionais.
Para entrar em vigor, o projeto tem de passar pela Assembléia. Serra, cuja base é maioria na casa, conta com a aprovação. O líder do PT, Roberto Felício, diz que consultará as entidades do setor. "Particularmente, sou contra. Precisamos é melhorar a carreira do magistério."

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Caso de micobactéria terá de ser notificado

Anvisa tornou obrigatória a comunicação deste tipo de infecção ao governo; grupo especial vai fazer vistorias nos Estados

Fabricantes de saneantes usados na esterilização terão de comprovar a eficácia dos produtos no combate às micobactérias


CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL FOLHA

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu ontem tornar as infecções por micobactéria doenças de notificação compulsória, o que obriga os hospitais a informarem ao governo o surgimento de novos casos. Fazem parte desse rol de doenças a dengue e a febre amarela, por exemplo.
Os fabricantes de saneantes usados na esterilização de equipamentos também terão de comprovar a eficácia dos produtos no combate às micobactérias massiliense e abscessus -responsáveis pela maioria das infecções no país- para conseguirem registrá-los e vendê-los no Brasil.
A agência pediu ainda um estudo para avaliar a eficácia do glutaraldeído, um dos saneantes mais usados nos hospitais.
Dois estudos feitos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pelo laboratório Fleury apontaram que a micobactéria massiliense pode ter se tornado resistente a ele.

Falhas
Para o presidente da Anvisa, Dirceu Raposo de Mello, as investigações apontam que as infecções ocorreram por falhas nos processos de limpeza, desinfecção e esterilização.
A suspeita é que os aparelhos não eram limpos adequadamente antes de serem desinfetados. Além disso, em razão do grande volume de cirurgias nos hospitais, o processo de esterilização estava sendo simplificado, em desacordo com as normas técnicas vigentes.
As decisões foram tomadas na noite de ontem. Ficou acertado ainda a criação de uma força-tarefa para vistorias e fiscalizações nos Estados.
O país vive uma epidemia de infecções por micobactéria. A situação é descrita pela Anvisa como "emergência epidemiológica" nunca vista no Brasil nem no exterior. Desde 2001, houve 2.025 casos em 14 Estados, a maioria após videolaparoscopias abdominais (72%), seguidas por cirurgias pélvicas, ortopédicas e plásticas.
Na última segunda, o ministro José Gomes Temporão (Saúde) minimizou a situação classificando as infecções por micobactéria no país como "situações muito específicas, num contexto de milhões de cirurgias que o Brasil realiza".

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Anvisa sabia que bactéria era resistente desde 2007


Alerta da agência sobre micobactéria, porém, só foi dado na última sexta-feira


Bactéria responsável pela maioria das infecções no país resistiu a 10 h de exposição a produto para desinfecção de equipamentos hospitalares

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL - FOLHA

Há pelo menos um ano a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem informações de que um dos produtos mais usados na desinfecção de equipamentos hospitalares não está sendo eficaz no combate ao tipo de micobactéria responsável pela maioria das infecções que ocorrem no país.
O principal estudo que trata do tema foi feito pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e mostrou que, mesmo após dez horas de exposição ao saneante (tempo recomendado pelo fabricante), o glutaraldeído a 2% não foi capaz de eliminar as cepas da bactéria M. massiliense. O produto destruiu duas cepas da micobactéria (bovis e smegmatis).
O alerta, porém, só foi dado na última sexta-feira. Em nota técnica, a Anvisa relata que há "indícios de resistência" da micobactéria massiliense em relação ao glutaraldeído a 2% e sugere que as unidades de saúde, por medida cautelar, esterilizem seus equipamentos com outros métodos.
Ontem à noite, o presidente da Anvisa, Dirceu Raposo de Mello, confirmou à Folha que a agência teve conhecimento desses estudos anteriormente, mas disse que não podia precisar a data porque está no Uruguai e só voltaria ao Brasil hoje.
Indagado se não houve demora da Anvisa no alerta e na falta de providências sobre a resistência da bactéria, Mello disse: "Não posso dizer se demorou ou não. Preciso chegar, sentar com a minha equipe, saber o que aconteceu e por que providências que poderiam ter sido tomadas não foram".
Na opinião de Mello, ainda que uma das cepas da bactéria permaneça resistente ao saneante, as investigações da Anvisa apontam que, nos locais dos surtos de infecção, houve falhas nos processos de limpeza, desinfecção e esterilização dos equipamentos.
Ontem, o ministro José Gomes Temporão (Saúde) classificou as infecções por micobactéria no país como "situações muito específicas, num contexto de milhões de cirurgias que o Brasil realiza no momento".
Na nota da última sexta, a situação foi descrita pela Anvisa como "emergência epidemiológica" nunca vista.
Até agora, há 2.025 casos de infecções por micobactérias- que causam perda de tecidos, nódulos e feridas que não cicatrizam- em 14 Estados brasileiros, a maioria após videocirurgias. Neste ano, foram 76 novos casos. Outros 153 estão sob investigação na Anvisa.
A Anvisa confirmou ontem que as três mulheres suspeitas de contraírem infecção por micobactéria após preenchimento de rugas eram pacientes de uma mesma clínica estética em Minas Gerais. Na avaliação de médicos, isso reforça a hipótese de que a contaminação tenha ocorrido na clínica, e não esteja relacionada ao produto.
Chamado Scupltra, o produto é fabricado pelo laboratório francês Sanofi-Aventis. A substância (ácido lático), um pó estéril, precisa ser dissolvida em água destilada e, depois, aplicada por meio de injeções na pele. O procedimento é feito em consultório médico.
Os casos surpreenderam médicos e pacientes porque foram os primeiros do país associados a esse procedimento, de amplo uso na medicina estética. Antes, a Anvisa havia registrado 40 casos de micobactéria relacionados à mesoterapia, procedimento que também envolve injeções no corpo, mas para dissolver gordura localizada.

Hipóteses
Para os médicos ouvidos pela Folha, quatro hipóteses explicariam a infecção durante os procedimentos estéticos: reúso de seringas para aspirar o produto do frasco e depois aplicá-lo na paciente, a utilização de um mesmo frasco do produto em várias pacientes, qualidade da água usada na diluição do produto ou falta de limpeza.
"É um caso isolado. Trabalho há mais de dez com essa substância e desconheço qualquer problema", afirmou Aloizio Faria Souza, presidente da SBME (Sociedade Brasileira de Medicina Estética).

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Anvisa apura nova forma de infecção por micobactéria

Pelo menos 3 mulheres submetidas a procedimento não-cirúrgico podem ter sido afetadas

Fabiane Leite OESP

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária informou ontem que pelo menos três pacientes submetidas a um tipo de preenchimento facial, procedimento estético não-cirúrgico, também podem ser vítimas das micobactérias de crescimento rápido, que já causaram lesões de difícil cicatrização em 76 pessoas só neste ano. Micobactéria é um tipo de bactéria comumente encontrada no solo e na água, que causa lesões no organismo. Os dois tipos investigados - M. abcessus e M. massiliense - estão chamando a atenção pelo grande número de casos, inédito no mundo.

link Conte o que você sabe sobre micobactérias

As novas notificações, todas de pacientes do sexo feminino, foram registradas no mês passado, em Minas Gerais, e surpreenderam especialistas porque, até então, somente pessoas operadas por diferentes técnicas cirúrgicas, principalmente as videocirurgias, vinham sendo contaminadas. O preenchimento facial, no entanto, é executado no consultório, e o médico apenas aplica injeções de produtos para recuperar o contorno e o volume facial - não há cortes ou introdução de cânulas no corpo do paciente. Todos os casos ocorreram após o uso de um produto a base de ácido poli-L-láctico, o Sculptra, da Sanofi-Aventis.

Apesar de não haver evidência de envolvimento direto do produto nas contaminações, será feita uma apuração sobre o caso. Também serão analisados os procedimentos médicos e a água usada na diluição do produto.A Sanofi destacou ontem que o produto tem rigoroso controle de qualidade.

A infectologista Raquel Guimarães, que atendeu uma paciente de Minas em Maceió, notificou a Anvisa na última sexta-feira depois de receber três exames da mulher afetada positivos para bactérias do grupo Mycobacterium chenolae. "Desconfiamos que poderiam ser as micobactérias porque eram lesões de difícil cicatrização e nodulares. Para nós, foi uma surpresa", disse Raquel. Segundo a infectologista, a paciente se mostrou muito abalada. "Imagine, era uma pessoa saudável que agora está sofrendo transtornos de todos os tipos, dos psicológicos às cobranças de explicações pela família", continuou a médica.

Segundo a Anvisa, além da nova investigação sobre os preenchimentos faciais, outros 153 casos suspeitos estão sendo apurados . Os 76 já confirmados ocorreram em Goiás, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. No entanto, no ano passado, outros 851 casos foram registrados, principalmente no Espírito Santo e Rio de Janeiro, associados à falta de limpeza de materiais cirúrgicos, como revelou o Estado em outubro de 2007. Em junho deste ano, a agência reconheceu a volta do problema e o então diretor da Anvisa Claudio Maierovitch destacou que se tratava de uma epidemia.

Ainda segundo a agência, a maioria dos casos estudados não ocorreu em procedimentos estéticos, mas com videocirurgias. Na última sexta-feira, a Anvisa divulgou nota prometendo investigação também sobre o glutaraldeído, produto utilizado na desinfecção dos instrumentos cirúrgicos e que também pode estar contaminado pelas bactérias.

Para a pneumologista Margareth Dalcolmo, que assessora o Ministério da Saúde, o glutaraldeído deveria ser imediatamente suspenso até a análise ficar pronta. Procurada, a Anvisa não respondeu sobre isso. A especialista e outros pesquisadores também cobram o estabelecimento de uma rede oficial de pesquisa sobre as bactérias e a notificação compulsória de casos. Ainda segundo Margareth, a agência deveria divulgar os hospitais e clínicas que registraram casos de infecção. "Os pacientes têm o direito de saber."

56% aprovam currículo de "curso ruim"


Já estudantes de instituições bem avaliadas costumam ser mais críticos em relação a currículo, instalações e projeto pedagógico

Para professor, análise está ligada à expectativa sobre o curso; "nas privadas, como a expectativa é menor, avaliam bem o que é oferecido", diz


Silva Junior/Folha Imagem

O calouro Álvaro Moreira da Luz (centro) e os colegas defendem o curso de medicina da Unaerp

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL FSP

Alunos de medicina que estão em cursos "sem condições de funcionamento" (segundo o próprio MEC) avaliam mais positivamente suas instituições do que os de escolas consideradas como "referência".
O levantamento, tabulado pela Folha a partir de questionário respondido pelos estudantes no Enade (antigo Provão), mostra que os estudantes de cursos com conceitos 1 e 2 têm uma opinião melhor sobre o currículo, as instalações e o projeto pedagógico do que aqueles de instituições com nota 5 (o nível mais alto).
No quesito currículo, por exemplo, a média de aprovação dos alunos no grupo de escolas com piores notas foi de 56%, ante 47,5% nas "tops".
"O que verificamos é que o nível de satisfação dos estudantes está muito ligado ao fato de ele ser de instituição pública ou privada", afirmou o presidente do Inep (instituto do MEC que aplica a prova), Reynaldo Fernandes.
"Ainda não sabemos por que, mas o aluno da escola pública avalia pior seus cursos, mesmo que tenham melhores notas nos exames", disse Fernandes -os quatro cursos de referência em medicina são públicos.
Para João Cardoso Palma Filho, membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e professor da Unesp, os dados devem estar ligados ao nível de expectativa dos estudantes. "Aquele que entrou em uma universidade pública precisou se esforçar muito para passar no vestibular. Por isso, espera muito do curso, mas a expectativa nem sempre é correspondida", diz Palma Filho.
"Nas privadas, como a expectativa é menor, avaliam bem o que é oferecido. O problema é que o aluno só percebe que fez um curso ruim quando vai para o mercado de trabalho ou faz o Enade. A pressão para melhorar as escolas terá de vir do MEC, porque os alunos parecem não saber o que cobrar."
Já o membro do Conselho Nacional de Educação, Edson Nunes, afirma que o resultado do levantamento pode indicar problemas nos dados utilizados pelo MEC para construir o tal conceito preliminar, indicador criado pelo governo federal para avaliar os cursos.
O conceito preliminar é resultado da nota obtida pelos alunos no Enade, o questionário respondido pelos estudantes na provas e o perfil do corpo docente (titulação etc). O item que possui o maior peso é o resultado da prova (40%).
"Deveria haver uma forte correlação entre o desempenho dos alunos e suas avaliações dos cursos. Como os pesquisadores não tiveram acesso a todos os dados, não é possível identificar com precisão o que ocorreu", disse Nunes, que também é pró-reitor da Universidade Candido Mendes, no Rio -que não foi avaliada nessa edição do Enade.
Em resposta, o presidente do Inep afirmou que os especialistas receberão os dados assim que fizerem o pedido e que foram feitos estudos para identificar quais variáveis eram relevantes estatisticamente para se utilizar no conceito preliminar.
No questionário do Enade, o universitário responde, por exemplo, se considera o currículo de seu curso "bem integrado e com clara vinculação entre as disciplinas".

Vistorias
Pelos dados divulgados na semana passada, 25% dos cursos avaliados tiveram conceito 1 ou 2 ("sem condições" de funcionar). O governo diz que fará vistorias e, depois disso, poderá abrir processos que podem levar ao fechamento dos cursos.

Alunos da Unaerp dizem que colegas boicotaram e até já pediram desculpas

LUCAS REIS

DA FOLHA RIBEIRÃO

Boicote. Essa é a explicação dos alunos de medicina da Unaerp (Universidade de Ribeirão Preto) para a aparente contradição entre o conceito 2 atribuído pelo MEC ao curso e a opinião positiva sobre a instituição expressada pelos estudantes que fizeram a prova do Enade. O currículo da escola recebeu aprovação de 67% dos estudantes, enquanto o planejamento do curso foi bem avaliado por 51%. "A boa avaliação do currículo e do planejamento do curso, feita pelos próprios alunos [no Enade], prova que houve o boicote", disse ontem Adriana de Oliveira, 22, aluna do terceiro ano. "Não há do que reclamar quanto à estrutura do curso. Os laboratórios e os professores são bons. Os estudantes do último ano, mesmo boicotando a prova, admitem isso. E já até pediram desculpas pelo boicote", afirmou Florence Rosa, 24, do quinto ano. Segundo as alunas, o boicote aconteceu porque os estudantes que fizeram a prova do Enade se revoltaram contra a mudança do método de ensino utilizado pela faculdade. "Eles disseram que boicotaram porque passaram por uma época de transição de curso. Eles são da última turma que se formou sob o sistema antigo", disse Florence. "Pelo preço [da mensalidade] que a gente paga, se não estivéssemos satisfeitos, é óbvio que pediríamos transferência. A gente vê que aqui tem resultado", disse Flávia. Os calouros, que freqüentam a universidade há apenas uma semana, também defendem o curso. "Nós sabemos que o curso não é perfeito, mas essa nota [CPC] não condiz com a realidade. Se a infra-estrutura é boa, os professores são bons, o desempenho dos alunos do Enade deveria ser melhor. Ou seja: houve boicote", disse Álvaro Moreira da Luz, 20.

Mudança curricular
Na Fundação Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre, que alcançou a nota máxima (5), a visão crítica dos alunos ocorreu devido às mudanças nas diretrizes curriculares nos último cinco anos, dizem alguns estudantes ouvidos pela Folha. Entre os alunos que fizeram o Enade, 42,9% aprovavam o currículo e 37,1% concordavam com o planejamento do curso. A exceção está na infra-estrutura: a maioria (90%) a considera satisfatória.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A arte de comprar bicicletas

Rogério Cezar de Cerqueira Leite

Folha de S.Paulo, 7.8.08


DOIS AMIGOS, Alexei Fedorov Ivanovitch e Bob, decidiram resolver suas diferenças por meio de uma corrida de bicicletas.
Cada um a seu jeito foi encomendar uma máquina. Bob firmou um contrato com o fabricante estabelecendo o nível de desempenho, características e datas limites. Ivanovitch, devido talvez a suas inclinações ideológicas, impôs certas condições adicionais deveria haver concursos para os trabalhadores, estabilidade, isonomia salarial, licitação etc.
A corrida teve de ser postergada várias vezes a pedido de Ivanovitch e, quando a sua geringonça ficou pronta, o dinheiro não havia sido suficiente nem sequer para comprar o selim.
"Ora", justificou-se o fabricante, "não é possível cumprir metas e ter qualidade quando há interferência externa no processo de produção." Ivanovitch justifica-se "O dinheiro é meu, deve ser gasto como determino".
Pois bem, por falta de competitividade, o fabricante da bicicleta socialista foi à falência e seus funcionários ficaram sem emprego. Essa história pode parecer pueril, inverossímil, mesmo. No entanto, é exatamente o que está acontecendo neste momento com algumas das mais bem-sucedidas instituições de pesquisa do país.
Devido a uma série de acidentes, o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, criado no início do governo Sarney pelo então ministro da Ciência e Tecnologia, Renato Archer, não fora institucionalizado até início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Seu inquestionável sucesso nacional e internacional foi adequadamente atribuído pelo então ministro da Ciência e Tecnologia, Bresser-Pereira, à informalidade institucional. Concebeu-se então uma fórmula inovadora. Uma instituição privada criada pela sociedade civil negocia com o governo um contrato de gestão, contrato este que estabelece objetivos, metas (incluídos prazos) etc. A instituição, denominada "organização social" (OS), se encarrega da gestão do laboratório, um patrimônio público, sem as desvantagens dos entraves burocráticos tradicionais, já que é uma instituição privada.
Fórmulas semelhantes vêm sendo adotadas mundo afora para diferentes setores de pesquisa e outros com inquestionável sucesso.
Por outro lado, gerência inadequada, objetivos deturpados, metas não atingidas, critério exclusivo do contratante ou outro motivo qualquer permitem ao governo romper o contrato unilateralmente, o que, em princípio, pode levar ao fechamento da organização social. Com isso, naturalmente se atinge a muito almejada gestão por resultados.
Mas eis que o incansável Ivanovitch reclama "E os interesses dos trabalhadores". Ora, eles estão na CLT e nas demais legislações do país, exatamente como acontece com todos os empregados do setor privado. O interesse público, quanto aos aspectos do setor penal e civil, também é defendido como em todas as demais instituições da sociedade civil.
Assim, foi proposta a criação das organizações sociais em 6/11/97 pelo Executivo e transformada em lei pelo Congresso Nacional em 15/5/98.
Contestada a constitucionalidade das organizações sociais por dois partidos importantes, PT e PDT, por quase unanimidade do Supremo Tribunal Federal foi confirmada sua pertinência constitucional, sua legitimidade, pela rejeição da liminar.
Não obstante, por incrível que pareça, o Tribunal de Contas da União, órgão do Congresso Nacional, em direto confronto com o mesmo Congresso Nacional que emitiu a legislação que rege as organizações sociais e em flagrante desobediência à decisão do Supremo, que confirma a legalidade das OSs, vem exigindo a adoção de práticas características da administração direta, que, a prosseguir nesse ritmo, acabarão por estatizar completamente as OSs.
Será possível entender esse fenômeno Os três Poderes -o Executivo, o Legislativo e o Judiciário- confirmam a legalidade das OSs, e o imenso sucesso científico da sua fórmula legitima sua existência, mas forças reacionárias liquumlidam tais instituições.
Uma nação não pode existir sem uma sólida burocracia. Todavia, ela só será construtiva enquanto mantida em seus devidos limites legais, pois seus impulsos expansionistas são inerentes à sua natureza.
No momento, viceja essa vocação para o estatismo regressivo porque encontra terreno fértil no esquerdismo obtuso e arcaizante e na mediocridade que a ele se simbiotizou.
Cabe agora ao Congresso Nacional e à Justiça confirmar a fórmula organização social ou eliminá-la. Mas que o façam como um ato de vontade política, e não como um acontecimento prosaico, sub-repticiamente imposto por forças ilegítimas, extemporâneas.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE , 77, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha.