sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Os temas de Ciência & Tecnologia

Dois bons temas de ciência e tecnologia para discutir (clique aqui).

O primeiro, a questão do direito de patente. Há quem julgue que a patente é do instituto de pesquisa; há quem defenda que é do pesquisador.

Há alguns pontos a se considerar.

O primeiro, é que os institutos bancam as verbas, os laboratórios e têm direito à sua parte na descoberta. O segundo, é que os pesquisadores têm enormes dificuldades em negociar com as empresas. Além disso, sendo pessoa física, cria uma instabilidade natural nas negociações: pessoas morrem, parentes brigam por herança etc.

A minha opinião é que o ideal é uma agência da Universidade - ou o financiador, como a FAPESP - serem titulares da patente; o cientista ter a justa participação

O segundo ponto é a velha discussão sobre a repartição das verbas do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa). Há os que defendam que o melhor aproveitamento se dá onde há maior massa crítica de pesquisadores. E os que defendem a distribuição das verbas, para poder gerar mais centros de excelência.

No caso de verbas fartas, não haveria discussão. Mas na casa onde falta pão…

Enviado por: luisnassif

Lei afasta inventor da posse de patentes


Empresas e investidores preferem tratar só com pessoas jurídicas; cientistas inovadores dizem temer perda de direitos


Pesquisador defende que invento fique nas mãos de cientistas, mas iniciativa privada evita contratos que envolvem pessoas físicas

Carol Guedes/Folha Imagem

Pesquisador Antonio Carlos de Camargo, nas alamedas do Instituto Butantan, em São Paulo

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

A questão cultural, mais do que a jurídica, é um dos grandes gargalos do sistema de inovação nacional, apesar de não ser o único. Se os recursos para transformar conhecimento em produtos existem, como gosta de alardear o ministro Sergio Rezende (Ciência e Tecnologia), é fácil perceber quais engrenagens estão emperradas.
Um exemplo cristalino vem do centenário Instituto Butantan, em São Paulo. No local, funciona o CAT (Centro de Toxinologia Aplicada) e também um dos Cepids (centros de pesquisa, inovação e difusão) da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Sob comando do médico Antonio Camargo, o grupo trabalha isolando moléculas do veneno de serpentes para depois tentar transformá-las em importantes medicamentos.
Ao todo, explica Camargo, o CAT já depositou 13 patentes desde 2001. Nenhuma delas, porém, obteve ainda concessão dos órgãos nacionais ou internacionais que analisam esses pedidos. Aqui, é que o imbróglio cultural começa.
"Nas patentes mais antigas todo mundo fez aquilo que achou que era o mais promissor em termos de proteção do conhecimento gerado com recursos públicos. Em alguns casos [como os do CAT], os pesquisadores foram colocados como co-titulares das patentes", diz Cristina Assimakopoulos, especialista em patentes da Fapesp. A instituição pública, que investiu milhões de dólares no processo, é também uma das titulares das patentes do CAT.
A evolução da legislação mudou o cenário. O Brasil já havia editado uma Lei de Propriedade Industrial, em 1996, e a Lei da Inovação Tecnológica fez algumas alterações em 2004. Tudo, em tese, deve ser tratado entre pessoas jurídicas. No caso específico, entre o Butantan, a Fapesp e o setor privado.
É exatamente esse o ponto que o professor Camargo quer discutir. "Os pesquisadores, legítimos co-proprietários da propriedade intelectual, não concordam com a usurpação desse direito", afirma ele à Folha. O caso do CAT não é o único. Levantamento feito pela pesquisadora Isabel Drummond, que trabalha para a Fundação Biominas, mostra que entre 1998 e 2000, só na área de biotecnologia, 16% das patentes pedidas tinham o inventor como titular do processo. "É um número alto", afirma a pesquisadora. Para ela, hoje, essa porcentagem continua válida.
Do lado do setor privado, patentes frutos de pesquisas lideradas por Camargo foram negociadas com a Coinfar -parceria que reúne as empresas Biolab, Aché e União Química.

Divórcio de intenções
Segundo William Marandola, representante da Coinfar, a legislação é clara. "Numa instituição de pesquisa, a patente pertence à instituição. Não ao pesquisador." Pela lei, diz o executivo, uma coisa é a figura do inventor e outra é a do titular da patente, "o dono do ativo representado pela patente". Marandola afirma que nenhuma empresa vai investir em projetos que estejam com uma pessoa física. "E se ocorre uma morte? Um divórcio?", diz. Ninguém quer patentes retidas num inventário em disputa.
No caso do Butantan, há outra peculiaridade. Para a assinatura de um contrato de licenciamento de patente, a legislação estadual obriga que tudo seja aprovado pela Assembléia Legislativa. Isso só aumenta o risco, na visão das empresas.
De acordo com o diretor do Butantan, Otávio Mercandante, a instituição está se modernizando para se adequar à nova realidade das patentes.
Escritórios especializados em propriedade intelectual, como a Clarke, Modet & C, foram ouvidos pela Folha, além de cientistas autores de invenções. Eles recomendam que os pesquisadores de instituições públicas renegociem seus contratos tendo dois objetivos em mente: sair da titularidade da patente, mas não sem negociar um quinhão do dinheiro que pode vir da invenção -um lucro, aliás, que tem sido mais a exceção do que a regra.

A crise e a pesquisa industrial


LUIZ EUGENIO ARAÚJO DE MORAES MELLO


Os cortes de curto prazo das indústrias no Brasil deveriam ser acompanhados de uma revisão nas suas estratégias de C&T no longo prazo

FOLHA

POUCOS SABEM , mas Basf e AGFA tem "anilina" no nome. Ambas surgiram como produtoras de corantes à base de anilina durante a revolução industrial, que teve origem no final do século 19 e que fomentou pela primeira vez no mundo a pesquisa na indústria.
No entanto, apesar de "anilina" constar do nome de ambas, é pouco provável que alguém que esteja lendo este texto tenha comprado anilina desses fabricantes. Como muitas outras indústrias, ao longo do tempo, Basf e AGFA se adaptaram aos novos mercados. Modificaram seu leque de produtos em consonância com as necessidades dos mercados e dos novos tempos.
Pesquisa industrial por si só não é garantia de sobrevivência para nenhuma empresa no mundo moderno. Mesmo ampla em termos de aporte financeiro e da qualificação de cientistas envolvidos, a pesquisa industrial feita pela RCA e pela Westinghouse não impediu que ambas fossem deslocadas por companhias mais eficientes e competitivas. Por outro lado, não foi a presença da pesquisa nessas empresas que as eliminou do mercado.
Já a ausência de pesquisa industrial parece ter sido um componente importante para a extinção da indústria siderúrgica norte-americana.
Em 1960, convidado a falar em uma reunião anual da indústria siderúrgica norte-americana, o assessor cientifico da Presidência dos Estados Unidos vaticinou: "Não entendo por que vocês me convidaram para falar sobre pesquisa, tendo em vista que vocês não fazem nada nesse sentido" (referindo-se a pesquisas de relevância).
"No ritmo atual e caso não ocorram mudanças, vocês estarão fora do negócio em 20 anos".
De fato, no início da década de 1980, cerca de 320 mil funcionários das companhias siderúrgicas norte-americanas (75% do total) haviam perdido seus empregos.
Não é fácil para uma empresa, entre ações de efeitos imediatos e palpáveis e investimentos em um futuro aparentemente incerto, decidir-se pelo último cenário.
Os cortes anunciados pelas diversas empresas no Brasil e no mundo são certamente uma parte necessária do ajuste essencial para sobrevivência em um cenário de diferentes níveis de demandas, preços e taxas de câmbio.
Ainda no caso norte-americano, não deixa de ser notável que uma das promessas da General Motors para se habilitar a novo aporte de recurso do governo dos EUA seja um carro híbrido elétrico/gasolina.
Nesse caso, fica claro que o fiador do empréstimo de US$ 25 bilhões é, em última análise, fruto do investimento da companhia em ciência e tecnologia (C&T) realizado em anos anteriores.
O investimento empresarial em ciência e tecnologia empreendido no Japão, na Coréia, em Cingapura e nos Estados Unidos é sempre significativamente maior que o investimento governamental. No Brasil, essa situação é invertida.
Aqui, como porcentagem do PIB, esse montante é três vezes menor que em Cingapura e quase sete vezes menor que no Japão.
Em virtude disso, não é estranho estarmos tão distantes em depósitos de patentes nos EUA quando comparados com esses países. Mesmo na sempre surpreendente China, o setor empresarial investe mais que o dobro em C&T do que o governo chinês.
Investir em C&T não é a garantia de sobrevivência para nenhum empreendimento. Não investir em C&T é certamente uma sentença de morte para qualquer empreendimento que pretenda manter-se ativo em longo prazo.
Os cortes de curto prazo das indústrias no Brasil deveriam ser acompanhados de uma revisão nas suas estratégias de C&T no longo prazo. As profecias do assessor científico de J. F. Kennedy parecem ser tão válidas hoje como há quase 50 anos.


LUIZ EUGENIO ARAÚJO DE MORAES MELLO , 51, graduado em medicina, mestre e doutor em biologia molecular, com pós-doutorado em neurofisiologia pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), é pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), presidente da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE) e membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Vacina antimalária tem sucesso em teste


Droga inspirada em pesquisa de casal de brasileiros teve até 65% de eficácia na proteção de bebês na África

DA REDAÇÃO FOLHA

Uma vacina experimental contra malária desenvolvida a partir do trabalho de dois cientistas brasileiros teve eficácia de mais de 50% na proteção de bebês, afirmam dois estudos.
Testes independentes na Tanzânia e no Quênia mostraram que duas variedades da vacina RTS,S, da GlaxoSmithKline, não só barram a infecção pelo plasmódio (o causador da doença) em crianças como também podem impedir as já infectadas de desenvolverem a enfermidade, que mata quase 1 milhão de pessoas por ano.
Um teste clínico com um número maior de voluntários (fase 3) deve ser feito no ano que vem. Se der certo, a empresa poderá procurar aprovação comercial para a droga em 2011.
Christian Loucq, diretor da Iniciativa Path para Vacina Contra Malária, que organizou os testes, disse que os novos resultados "dão mais confiança de que estamos mais perto do que nunca" de uma vacina para as crianças africanas.
"Vários testes dessa vacina já foram feitos, e os resultados mostram uma proteção total consistente, de 30% a 50%", disse à Folha o imunologista brasileiro Victor Nussenzweig, 80, da Universidade de Nova York. Pesquisas feitas por sua mulher, Ruth, 80, e por ele com proteínas de plasmódio levaram à imunização. "Essa vacina não é a resposta final, mas é um grande feito." Nenhuma outra foi tão longe nos testes.
Um dos estudos envolveu 894 crianças de 5 a 17 meses nas zonas rurais do Quênia e da Tanzânia e teve eficácia de 53% na proteção dos bebês.
O outro, com 340 bebês da Tanzânia, teve eficácia de 65%.
Os resultados foram publicados ontem on-line na revista "New England Journal of Medicine" (www.nejm.org).

Efficacy of RTS,S/AS01E Vaccine against Malaria in Children 5 to 17 Months of Age

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Paulistas buscam gene oculto em tumor


Novo instituto estudará regiões do DNA que antes eram tidas como irrelevantes, mas podem estar por trás de doença


Estudo genético feito por novo centro de pesquisa paulista visa criar testes prognósticos para cânceres de próstata e de mama

Caio Guatelli - 16.mai.2007/Folha Imagem

O pesquisador Sergio Verjovski em seu laboratório na USP

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL FOLHA

As diferenças que o DNA tem de uma pessoa para a outra podem ajudar a entender melhoro o surgimento do câncer. Com base nessa premissa, e munidos de uma supermáquina, cientistas brasileiros começam a buscar um "perfil genético" dos cânceres de próstata e de mama.
Durante a próxima década, no mínimo, Sergio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo) estará reunido a Ricardo Brentani e Luis Paulo Kowalski (ambos do Hospital A.C. Camargo), além de vários colaboradores, no Incito (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Oncogenômica), para pesquisar o assunto. O centro de pesquisa é uma das 101 novas instituições criadas na semana passada.
"Nós já sabemos que os genes "não-codificadores" de proteínas são bastante específicos para determinados tecidos", disse Verjovski-Almeida à Folha.
Em palavras não-técnicas, isso significa que aquilo que era considerado lixo genético cinco anos atrás (pedaços de DNA que não participam da formação das proteínas), hoje é tido como importante para a regulação das atividades biológicas e podem sinalizar o grau de agressividade de um câncer.
Pesquisas feitas anteriormente na USP já demonstraram que em 74% de todos os genes humanos existe algum trecho de "DNA-lixo" útil. "Eles passam alguma mensagem que pode desligar ou ligar determinadas vias bioquímicas [processos biológicos]", afirma Verjovski-Almeida.
O grupo do Incito, com base nesses dados gerados nos últimos anos sobre a importância do DNA-lixo, vai vasculhar as regiões não-codificadoras de proteína do genoma humano justamente para achar quais delas regulam os cânceres de próstata e de mama.

Prognóstico
"Ao todo, vamos estudar a amostra de 400 pacientes que já desenvolveram a doença na próstata", diz o bioquímico da USP. Os tumores de próstata foram todos coletados no Hospital A.C. Camargo. Os de mama (mais 400) são de um hospital dos Açores, Portugal.
De acordo com Verjovski-Almeida, será possível, no fim do projeto, que deve durar pelo menos três anos, ter um perfil genético dos tumores estudados. Além dos genes já conhecidos envolvidos com a doença, os cientistas tentarão saber quais trechos do DNA-lixo participam da regulação dos dois tipos de câncer. "Teremos então um teste prognóstico", diz.
No caso de quem já desenvolveu a doença, o perfil genético pode servir para os médicos saberem não apenas o risco de a doença voltar, mas com qual grau de agressividade. "Será possível decidir qual tipo de tratamento é mais indicado."
Conhecer o DNA não-codificante é estudar "uma fração maior do universo", diz Verjovski-Almeida. O Incito será bancado por verbas do MCT (Ministério de Ciência e Tecnologia), que promete cobrar com rigor os resultados das pesquisas. O instituto também avaliará amostras de famílias com câncer hereditário. "Também neste caso vamos atrás da variabilidade, das alterações no número de cópias de genes", diz o cientista da USP.
Após descartar o fato de que os tumores apareceram em uma mesma família por causa de uma mutação já conhecida, os cientistas vão atrás de regiões de DNA que não-codificam proteínas mas que sejam suspeitas de controlar os tumores. As pessoas analisadas serão aquelas que não apresentam as mutações mais comuns associadas ao câncer de mama, mas que desenvolveram a doença.
No futuro, a existência de perfis genéticos de certos tipos de câncer poderá ajudar todas as pessoas. "A idéia é que os perfis possam serem usados em testes no próprio SUS", afirma o pesquisador da USP.

Supermáquina lê milhões de "letras" de DNA em horas

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma máquina ultra-rápida de seqüenciamento genético -uma das duas que existem em instituições públicas no país- opera a todo vapor desde segunda-feira no Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo).
Avaliado em R$ 1,4 milhão, o equipamento permite que 1,2 milhão de seqüências de DNA sejam analisadas em dez horas. Segundo os pesquisadores, essa tecnologia é essencial para obter bons resultados nos trabalhos -e aproveitar melhor o talento de bons cientistas.
"Sete anos atrás, no projeto genoma do câncer, foram necessários dois anos, 35 laboratórios e US$ 12 milhões para fazer o mesmo trabalho", afirma Sergio Verjovski-Almeida, que na semana passada mostrou, com vibração, seu novo laboratório à reportagem da Folha. "O custo de uma rodada de 10 horas, hoje, está em US$ 13 mil", diz o pesquisador da USP.
No novo CATG (Centro Avançado de Tecnologias em Genômica) não são apenas amostras de tumores que serão processadas nos próximos meses. Uma máquina desse porte pode fazer muito mais. Segundo Verjovski-Almeida, outros três projetos serão desenvolvidos em paralelo ao estudo dos perfis genéticos do câncer.
Haverá a análise de 8 milhões de seqüências de DNA de cana-de-açúcar, que buscará trechos de interesse agronômico do genoma da planta. Também serão estudadas 4 milhões de seqüências genéticas do parasitas humanos Schistosoma mansoni (causador da esquistossomose) e Leishmania braziliensis (leishmaniose).
Nos dois últimos casos, o objetivo dos grupos de pesquisa é obter novas informações genéticas que possam ajudar no controle das doenças causadas por esses patógenos. (EG)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Prevenção: uma chance ao futuro

GIOVANNI GUIDO CERRI

FOLHA
TENDÊNCIAS/DEBATES

NO INÍCIO deste mês, um dado divulgado pelo Ministério da Saúde no "Perfil de Mortalidade do Brasileiro" mostrou que os cânceres foram os responsáveis pelo maior número de mortes entre mulheres em idade fértil em 2005.
Atingindo 23% do total de óbitos entre a faixa etária que vai dos dez aos 49 anos, as neoplasias superaram inclusive as doenças cardiovasculares, que quase sempre reinaram absolutas no topo desse ranking.
A inquietante constatação pode ser explicada por uma série de razões, que vão do uso precoce de hormônios à postergação da maternidade. Mas o dado também traz à luz uma realidade para a qual o país apenas começa a despertar: as taxas de câncer estão crescendo porque os brasileiros estão mais longevos, especialmente nos Estados mais ricos da federação.
Estamos caminhando para um cenário já bem estabelecido em países desenvolvidos. Com o aumento dos índices de desenvolvimento e um acesso mais amplo à saúde e à educação, a população deixou de morrer por causa de doenças infecciosas símbolos da pobreza e do subdesenvolvimento e passou a sofrer de outras doenças, como as cardiovasculares e o câncer.
Se, por um lado, as taxas de morte por neoplasia refletem uma maior expectativa de vida entre o povo de um país, por outro, ampliam um fardo que custa, anualmente, milhões de reais aos cofres públicos.
Somente entre 2000 e 2005, os gastos do governo federal com assistência oncológica de alta complexidade aumentaram mais de 100%. No Estado, a Secretaria de Saúde gasta milhões, mensalmente, com o custeio de medicamentos para tratar casos de alta complexidade, entre os quais muitos tumores em estágio avançado.
Tratar câncer é sempre oneroso.
Lidar com a doença já em franca evolução, no entanto, sai muito mais caro. Isso não significa que o governo não deva investir no tratamento de casos de alta complexidade. Uma vida não tem preço, mesmo para quem precisa pensar em termos de política pública de saúde.
Pensando assim, o governo do Estado criou, em parceria com a Faculdade de Medicina da USP, o Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira, uma instituição especializada no tratamento integral do paciente com câncer. Com um orçamento anual estimado em R$ 200 milhões, o Icesp deve triplicar o número de vagas para o atendimento oncológico no Estado e já desponta como uma referência em assistência e pesquisa da doença.
Erguer hospitais para tratar quem tem câncer não é nem deve ser o único caminho. E grande parte da luta contra essa enfermidade que não faz distinção de classes passa pela conscientização da população. O conhecimento sobre como evitar o que pode favorecer o surgimento da doença tem um papel importante na redução do número de novos casos.
Não fumar, manter um peso adequado, evitar o sedentarismo e adotar hábitos saudáveis, como reduzir o consumo de álcool, ter uma alimentação balanceada e usar preservativo nas relações sexuais, são atitudes que ajudam a proteger contra o surgimento de diferentes tipos de câncer.
Ficar atento aos sintomas que podem indicar a enfermidade é outra medida que pode ajudar, já que há grandes chances de cura quando o câncer é descoberto na fase inicial.
Como fazer isso? Prestando atenção ao próprio corpo. Sangramento urinário ou anal podem ser sintomas de câncer de próstata ou de intestino.
Da mesma forma que secreção com sangue no mamilo pode ser um indício de câncer na mama. É preciso estar atento e procurar o serviço de saúde para detectar ou até descartar a presença do problema.
No Brasil, a despeito da evolução no diagnóstico e no tratamento da doença, a palavra câncer ainda é pronunciada envolta em temor. As pessoas não gostam de falar sobre o tema.
Com isso, evita-se a discussão e a propagação de informações que poderiam ser de grande ajuda para muitos. Não falar sobre câncer não vai extinguir os casos da doença. Ao contrário, contribuirá ainda mais para o aumento dos índices da enfermidade.
Quem discute o assunto sem preconceitos e procura orientação sobre como prevenir ou detectar precocemente o câncer está, de certa forma, mais protegido contra a doença. E também pode ajudar a mudar o preocupante futuro de uma nação que já não é tão jovem como antes.
Hospitais especializados em tratar o câncer são, sim, uma aposta no futuro. Mas esse futuro pode ser bem menos sombrio se parte do presente for dedicada à prevenção e à detecção precoce dessa enfermidade.

GIOVANNI GUIDO CERRI, 55, médico, é professor titular da Faculdade de Medicina da USP e diretor-geral do Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira.

domingo, 23 de novembro de 2008

O fim do mestrado...


NAOMAR DE ALMEIDA FILHO


Quais os antecedentes dessa invenção da burocracia acadêmica brasileira? A que fins serviu? Servirá no futuro?

FOLHA

...TAL COMO introduzido no Brasil, durante a ditadura militar, parece próximo.
Na atualidade, praticamente todos os países com maior desenvolvimento econômico e social têm mestrado como formação profissional.
Entre nós, o grau universitário chamado mestrado foi instituído em 1965 pelo famoso Parecer Sucupira, que definiu diretrizes para a pós-graduação brasileira. Nesse contexto, o título foi criado como habilitação à docência em nível superior.
Quarenta anos depois, tal definição só existe no Brasil e, em menor escala, em alguns países latino-americanos. Quais são os antecedentes dessa invenção da burocracia acadêmica brasileira? A que fins serviu? Servirá no futuro?
O termo "master", "meister" (daí o tratamento plebeu -"mister"- na língua inglesa), "maître", mestre, em português, tem raízes profissionais. Na Europa medieval, designava o artesão experiente que dominava seu ofício e, autorizado pelas corporações, estava apto a formar aprendizes.
A universidade formava então apenas "doctors", senhores da "doctrina". Só na era moderna começou a titular profissionais. A Reforma Humboldt, instituidora da universidade de pesquisa em 1810, manteve o doutorado como láurea acadêmica maior. Mas acolheu o mestrado como grau acadêmico intermediário, em suplemento à láurea menor, o bacharelado.
A partir do século 20, em toda a América do Norte e nos países da "commonwealth", o título de "master" tanto se refere à formação pré-doutoral quanto implica designação direta da área profissional.
O administrador recebe o título de MBA ["master of business administration"]; o pedagogo, M.Ed. ["master of education"]; o sanitarista, M.P.H. ["master of public health"]; o psicólogo, M.Psychol. ["master in psychology"]; e assim por diante. Exceções são algumas profissões que seguem o padrão da medicina, em que graduação [M.D. -"medical doctor"] é sempre doutorado. E, em muitas universidades, o curso de direito concede grau de J.D. ["juris doctor"].
Na tradição mediterrânea, raiz da universidade brasileira (através de Coimbra e depois pela influência da Sorbonne e das "écoles polytechniques"), o título mestre nunca foi utilizado. Preferia-se licenciado (modelo francês e espanhol) ou bacharel (modelo lusitano).
Com o Processo de Bolonha, a partir de 1999, unifica-se o mestrado como diploma do segundo ciclo na maioria das universidades européias. Em Portugal, Holanda e Suíça, por exemplo, médico é agora mestre em medicina.
Na França, Alemanha e Itália, cursos em complemento às láureas profissionais são igualmente referidos como mestrado.
Neste contexto de crescente internacionalização da universidade, vale a pena continuarmos sucupiranos? Faz sentido manter no Brasil uma exótica licenciatura para ensino superior chamada mestrado? Não seria interessante "masterizar" a formação profissional, com soluções criativas para impasses e limites dos modelos internacionais?
Respostas a essas questões podem ser dadas pelo Reuni, pelo menos no âmbito da rede federal de ensino superior. No plano nacional, a Andifes avança na construção do chamado "Reuni da pós", que deve contemplar ampliação maciça de vagas e propostas de reestruturação dos ciclos pós-profissionais. No plano local, várias universidades desenvolvem modelos de pós-graduação compatíveis internacionalmente.
Assim é que vimos implantando na UFBA o modelo conhecido como Universidade Nova, que, além dos bacharelados interdisciplinares, prevê expansão dos mestrados profissionais (devidamente redesenhados) e equivalência entre essa modalidade e cursos de especialização. No marco legal superado da pós-graduação brasileira, mestres formados no exterior em graduação profissional têm sido oficialmente credenciados por colegiados e câmaras como docentes de nível superior. Haverá certamente reação às mudanças entre os que se beneficiaram do equívoco regulatório.
Mas, para recriar a pós-graduação brasileira, contamos enfim com os órgãos normativos e de coordenação da educação superior. O Conselho Nacional de Educação poderia rever o Parecer Sucupira, e todo o marco legal derivado, à luz das mudanças em curso em praticamente todos os países do mundo desenvolvido. E a Capes, formada por representantes das comunidades acadêmicas, poderia elaborar diretrizes específicas para os mestrados profissionais, fomentando propostas capazes de tornar a universidade brasileira mais integrada às redes internacionais de produção e circulação de ciência, arte e cultura.


NAOMAR DE ALMEIDA FILHO , 56, doutor em epidemiologia, pesquisador do CNPq, é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva e reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Satiagraha e os podres poderes

Coluna Econômica - 20/11/2008

O caso Satiagraha é um marco na história institucional brasileira, talvez a maior prova de que o país caminha para a maturidade institucional.

Não pelas instituições em si. O caso revelou, de forma dramática, como um banqueiro que enveredou pelo caminho do crime, conseguiu cooptar vários setores relevantes da institucionalidade política brasileira.

***

A prova de maturidade não está no Supremo Tribunal Federal, depois de uma votação vergonhosa do habeas corpus de seu presidente Gilmar Mendes – na qual a maioria absoluta dos Ministros demonstrou sequer ter estudado o caso que competia a eles analisar.

Essa geração de Ministros conseguiu algo impensável: colocar o STF na relação das instituições sob suspeição da opinião pública.

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De sua parte, o Legislativo teve comportamento igualmente suspeito. A atuação da CPI dos Grampos, protegendo ostensivamente os criminosos e pressionando os investigadores, não apenas manchou a reputação de seus membros – deputado Marcelo Itagiba, Raul Jungmann e Nelson Pelegrino, cada qual de um partido, todos servindo à mesma causa – mas da instituição como um todo.

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Não escapou a cobertura da mídia, especialmente o estilo grosseiro, impiedoso e manipulador da revista Veja.

No início, a defesa intransigente de Daniel Dantas, por parte da revista Veja, tinha como álibi um suposto anti-lulismo. Quando Lula engrossou as críticas contra a atuação da Polícia Federal, desmontou o álibi da revista.

O que inspirava sua cobertura não era o anti-lulismo, mas a defesa intransigente de Daniel Dantas

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Graças à tenacidade de três ou quatro pessoas, a farsa da campanha contra a Satiagraha está sendo desmontada. Haverá ressaca no dia seguinte, quando cada poder envolvido tiver que acertar contas com seus fantasmas e com a mancha da suspeição.

Tudo foi isso foi possível porque, hoje em dia, existe uma opinião pública com amplo discernimento para impedir toda forma de poder abusivo – até o da mídia.



enviada por Luis Nassif

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Quem define prioridades em saúde pública?

ISAIAS RAW


Foi esse o desafio que enfrentei, sem que ele me fosse "dado" pela estrutura de poder, para reerger o combalido Butantan
FOLHA

É UM paradoxo, para quem mal freqüentou as aulas e o treinamento clínico no curso médico, migrar do laboratório para a saúde pública num mundo em que cada um se torna um monoultra-especialista e se outorga a autoridade de definir políticas para pesquisa e saúde pública.
Na bancada do laboratório desde minha juventude, aprendi a valorizar as pesquisas com as moscas da fruteira (drosófilas) e o desenvolvimento dos ovos de sapo. Meio século mais tarde, é graças a essas pesquisas que entendemos a natureza do câncer e de doenças neurodegenerativas. Investigando o levedo das cervejarias, chegamos a entender em grande detalhe o metabolismo e os seus desvios, causa do diabetes e da arteriosclerose.
O fantástico avanço da imunologia tornou o especialista em saúde publica e o clínico um leigo, que dificilmente acompanha as principais perspectivas do fim da vida de cada um e as promessas de aumentar as expectativas de sobreviver mais, eventualmente pagando um preço -em recursos e sofrimento- difícil de aceitar.
Num momento de minha vida profissional, entendi que o futuro do país, que pagou para que eu aprendesse a aprender e financiou minha pesquisa fundamental, tinha que encontrar ações para sair do subdesenvolvimento que punia a grande maioria.
Dividi meu tempo entre o laboratório e a melhoria da formação científica dos jovens -produzir kits e equipamentos para escolas, me juntar a outros amigos para criar equipamentos médicos eletrônicos inexistentes em hospitais que atendiam ao cidadão mais modesto. Não tendo cartorialmente o "direito" definido em leis que outorgam profissões (e dias de folga remunerada), fui banido.
Voltando ao Brasil após uma década de exílio, reavaliei meu papel numa sociedade que me permitiu pesquisar, publicar artigos e escrever livros.
O que faltava não eram pesquisas de bancada nem patentes inúteis que não encontram mercados. O que faltava era a iniciativa de encontrar soluções para atender à sociedade, em vez de limitar o atendimento a quem pode comprar esse benefício.
Foi esse o desafio que enfrentei, sem que ele me fosse "dado" pela estrutura de poder, para reerger o combalido Instituto Butantan, criando tecnologia "transladada" numa indústria que supre 82% das vacinas produzidas no Brasil e que, oferecidas a baixo custo para o Ministério da Saúde, estão disponíveis gratuitamente para a população, protegendo-a como um todo.
Até 2010, esperamos produzir, entre outras, a vacina de dengue e rotavírus, bloquear a leishmaniose e a raiva transmitida pelos cães e atender à demanda de hemoderivados. O desafio não é introduzir vacinas importadas, de custo inacessível para os recursos da União, mas criar uma vacina pentavalente, uma vacina contra a pneumonia e baixar o custo da vacinação da influenza para cobrir as crianças da escola primária, com custo total igual à verba que hoje temos, dominando e criando tecnologia.
O Instituto Butantan de hoje, graças a um grupo de pesquisadores e funcionários, tem o respeito nacional e internacional.
Desde os anos 1950, sempre fui ao poder político -nunca para reivindicar, mas para propor soluções. Como disse Kennedy: "Não pergunte o que seu país pode fazer por você; pergunte o que você pode fazer por seu país".
Todavia isso exige, além de esforço, uma contundente posição: temos a solução que oferece o produto compatível com os recursos de que dispomos. Às vezes temos que tolerar cinco anos de boicote, como foi a produção e introdução da vacina contra a hepatite B, confrontando o poder e não infreqüentemente o interesse de fornecedores e seus intermediários.
Dizer aos pediatras que a vacina DTP acelular não tinha um retorno justificável e o desenvolvimento de uma alternativa não esperaram que o poder central encomendasse, nem mesmo financiasse. A criação das vacinas da maternidade (BCG-hepatite B e BCG-coqueluche-hepatite B) surgiu no Butantan. Evitar a morte por sufocamento de 300 bebes recém-nascidos por dia foi, mais uma vez, iniciativa do Butantan, com apoio da Sadia, e aguarda há dois anos a aprovação da Anvisa. Evitar o gasto de US$ 7 milhões/ano com a toxina botulínica para uso estético e terapêutico ainda aguarda um pequeno empurrão.
Essas são atitudes diametralmente opostas ao usual -escrever artigos ou participar de reuniões sem tomar posições, pôr a culpa no governo e na sociedade, refugiando-se no pseudodever cumprido, sem de fato nada fazer.
Enfrentar a crise atual é um desafio extra para entregar o país às novas gerações, que não podem se esconder, como crianças, na omissão, esperando que o governo encontre soluções.


ISAIAS RAW, 82, professor emérito da Faculdade de Medicina da USP, é presidente da Fundação Butantan.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Droga evita ganho de peso em roedores

Composto experimental aumenta gasto de energia e resistência aeróbica, diz estudo

Substância imita ação do resveratrol, encontrado no vinho tinto e considerado benéfico à saúde; efeito só é observado em altas doses

DA REDAÇÃO Folha


Uma droga ainda em fase de desenvolvimento que imita um composto benéfico à saúde presente no vinho tinto pode ser uma arma no futuro contra a obesidade e o diabetes tipo 2, afirmam cientistas europeus.
Em um estudo publicado ontem, eles mostram como o medicamento, inspirado em uma molécula chamada resveratrol, transformou camundongos de laboratório em campeões de maratona e protegeu-os contra obesidade -mesmo quando submetidos a uma dieta calórica, rica em gorduras.
O estudo, publicado ontem no periódico científico "Cell Metabolism", mostrou que a droga SRT1720, da GlaxoSmithKline, é mil vezes mais eficaz que o resveratrol em ativar a SIRT1, uma enzima que ajuda os animais a queimar mais energia e a baixar seus níveis de insulina e de glicose.
A SIRT1, ou sirtuína 1, ajuda os animais a viverem mais ao reduzir a oxidação e outros processos metabólicos. Geralmente ela é ativada por restrição calórica, mas nos últimos anos os cientistas têm tentado ativá-la quimicamente.
No estudo, camundongos que recebiam uma dieta gordurosa e tomavam a SRT1720 tinham seu organismo enganado quimicamente. O corpo achava que a comida era escassa mesmo quando ela era abundante, e passava a queimar gordura mais depressa. Normalmente, essa queima acelerada de calorias no corpo acontece quando os níveis de energia são baixos.
Além de aumentar a queima de gordura, a droga aumentou a resistência aeróbica dos animais, fazendo-os correr duas vezes mais quando forçados.
"Nós estamos ativando as mesmas enzimas que são ativadas quando as pessoas fazem exercício", disse Peter Elliott, vice-presidente da Sirtris Pharmaceuticals, uma unidade da Glaxo que trabalha no desenvolvimento da droga.
O resveratrol é encontrado em abundância no vinho tinto e nas uvas, e acredita-se que ele confira um grande número de benefícios à saúde. Um estudo anterior do mesmo grupo de pesquisas mostrou que o composto baixava a insulina e os níveis de glicose em diabéticos.
Apesar de ele também agir na sirtuína, sua ação em outros fatores do metabolismo havia deixado margem a dúvidas sobre como ele funcionava, afirmou a "Cell Metabolism" em comunicado à imprensa.
"Havia muita controvérsia no campo", disse Johan Auwerx, da Escola Politécnica Federal de Lausanne (Suíça), co-autor do estudo. "Nós descobrimos que a maior parte da biologia do resveratrol pode ser associada à SIRT1."

Interesse comercial
Apesar de trazer aparentemente poucos efeitos colaterais, a SRT1720 tem um problema: só funciona em altas doses. Auwerx diz esperar que novas versões da droga consigam superar esse obstáculo para poderem chegar ao mercado.
A Glaxo, no entanto, aposta no futuro do tratamento: neste ano, pagou US$ 720 milhões pela Sirtris, ganhando no pacote várias drogas experimentais desenvolvidas pela empresa, sediada em Cambridge, EUA.
Um estudo clínico de fase 1 com uma molécula que simula o resveratrol já foi feito e mostrou que o tratamento é seguro.

Specific SIRT1 Activation Mimics Low Energy Levels and Protects against Diet-Induced Metabolic Disorders by Enhancing Fat Oxidation

Formação docente e qualidade do ensino


Folha - Tendências/Debates

O DESENVOLVIMENTO econômico e social só se dá a partir do acesso universal da população a uma educação de qualidade que enfatize leitura, raciocínio matemático e uma mente investigativa. A realidade de países como Índia, Irlanda e Coréia do Sul ilustra bem essa tese, já que conquistaram avanços socioeconômicos mais acentuados nos últimos anos como resultado da efetiva implantação de uma política de valorização do ensino em todos os níveis.
Nesse contexto, o Brasil, por intermédio de agentes públicos e privados, rompeu a inércia de décadas passadas e passou a tratar, pelo menos parcialmente, a educação com maior prioridade. Os primeiros resultados práticos dessa atitude se materializaram na conquista da universalização do acesso ao ensino fundamental -meados dos anos 1990- e na introdução de uma cultura de avaliação periódica tanto das redes de ensino quanto do aprendizado das crianças e jovens.
Curiosamente, esse avanço trouxe à tona novos problemas. A escola não se preparou para receber esse afluxo de alunos cujas famílias não tinham acesso à cultura letrada. A universalização implicou um recrutamento acelerado de professores e uma pressão sobre os cursos de pedagogia, com a exigência (correta) de que todos tivessem nível de formação superior.
Esse cenário fez aflorar uma preocupante constatação: convivemos com a dificuldade das instituições de ensino superior de preparar professores para ensinar. No Brasil, muitos deles saem inseguros das faculdades, simplesmente não sabendo o que e como ensinar em sala de aula.
Uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas, feita a pedido da Fundação Victor Civita, mostra, por exemplo, o quanto a formação inicial para o ensino infantil e fundamental é deficiente ao constatar que as instituições de ensino superior não oferecem aos futuros professores os elementos necessários para se dar uma boa aula.
A pesquisa aponta, por exemplo, que os 71 cursos de pedagogia analisados no país concentram mais de 3.000 disciplinas, sendo praticamente dois terços delas totalmente distintas umas das outras. As instituições parecem, no fundo, distantes das reais necessidades das escolas. Dos cursos avaliados, apenas 5,3% da carga horária é dedicada ao ensino infantil, enquanto só 20,7% dizem respeito a didáticas específicas, metodologias e práticas de ensino.
Prevalecem conteúdos teóricos -disciplinas como sociologia, filosofia ou história da educação- importantes, mas que apresentam carga horária excessiva para alguém que vai atuar, sobretudo, em sala de aula. O mesmo ocorre com a legislação de educação e com a ênfase em sistemas educacionais. Alguém que domina a diferença entre Vygotsky e Piaget e conhece a fundo a Lei de Diretrizes e Bases não é necessariamente habilitado para ser um bom professor.
Além da formação que recebe na universidade, o professor também se beneficiaria de um estágio mais efetivo. A pesquisa encomendada pela FVC evidencia que os estágios acabam sendo pro forma, ou seja, os estudantes apenas observam aulas nas escolas, sem orientação adequada.
Nesse sentido, talvez ajudasse uma parceria entre a universidade e as redes estaduais e municipais de educação. O projeto de lei atualmente tramitando no Senado Federal que institui um programa de residência pedagógica, inspirado no que já ocorre com a carreira médica, pode também ajudar nessa direção.
Mas não basta formar bem o professor. Também é preciso escolher os melhores profissionais que vão atuar em sala de aula. Além da presença de muitos professores temporários, constata-se pela pesquisa que os conhecimentos demandados nos concursos públicos dão pouco valor à prática e à formação profissional específica. Muitos adotam, como algumas universidades, abordagem academicista e enfatizam legislação educacional, como se pessoas que dominam tais conteúdos pudessem ser os melhores para alfabetizar ou ensinar adição de frações.
Segundo dados do IBGE, dos 2,43 milhões de pessoas de sete a 14 anos que não sabem ler e escrever, a grande maioria (87,2%) está matriculada em alguma turma de ensino fundamental ou médio.
Por isso, é urgente a articulação entre governos, universidade e sociedade para a formulação, a gestão e o monitoramento de políticas públicas que privilegiem a formação e a seleção adequadas de professores, em prol de um ensino básico de qualidade para todos.

CLAUDIA COSTIN é vice-presidente da Fundação Victor Civita. Foi ministra da Administração Federal e Reforma do Estado (gestão FHC) e secretária da Cultura do Estado de São Paulo (governo Alckmin).

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Proteína luminosa dá Nobel de Química a biólogos dos EUA



Extraída de água-viva, a GFP virou uma das ferramentas mais úteis da biologia, permitindo ver a atividade de genes

Para comitê do prêmio, descoberta de trio teve impacto comparável ao da invenção do microscópio sobre o avanço da ciência

Sam Yeh/France Presse

Peixes transgênicos fluorescentes foram feitos com inserção de gene que produz a proteína GFP

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

O Prêmio Nobel de Química de 2008 foi concedido ontem a uma idéia literalmente brilhante. Seus ganhadores são três cientistas dos EUA que transformaram uma água-viva esmagada na ferramenta de escolha de dez em cada dez laboratórios de biologia molecular -uma proteína fluorescente que revolucionou o estudo dos genes e das células.
O japonês Osamu Shimomura, pesquisador aposentado do Laboratório de Biologia Marinha, em Woods Hole, e os americanos Martin Chalfie, da Universidade Columbia (Nova York) e Roger Tsien, da Universidade da Califórnia em San Diego, compartilharão o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (cerca de US$ 1,4 milhão) e a glória por terem descoberto e aplicado à biologia a GFP, sigla em inglês para proteína verde fluorescente.
Só mesmo dinheiro e glória, porque a gratidão eterna dos biólogos eles já tinham: afinal, o uso da GFP como sinalizador molecular, que tem a capacidade de iluminar só as células escolhidas, permitiu enxergar processos dentro do organismo que até então eram invisíveis.
Graças à GFP, os cientistas conseguem hoje ver onde e quando no organismo um gene ou um conjunto de genes se ativa; conseguem iluminar o crescimento de um tumor; acompanhar a migração de células individuais num embrião em desenvolvimento; e enxergar até mesmo processos que ocorrem dentro da célula, para ajudar no desenvolvimento de drogas.
O uso da proteína fluorescente ultrapassou até mesmo os laboratórios de biologia. Invadiu o mundo dos bichos de estimação, com a produção de peixes de aquário transgênicos brilhantes, e as artes plásticas, com a criação, no começo do século, de uma coelha verde fluorescente, Alba, pelo artista brasileiro Eduardo Kac.
O comitê do Nobel comparou o feito do trio à invenção do microscópio, no século 17, pela dimensão do novo universo que se abriu. Shimomura, porém, afirma que não imaginava que seu trabalho ganharia tanta projeção, quando conseguiu isolar a GFP de águas-vivas. Em 1962, ele publicou um trabalho revelando que a proteína emitia um forte brilho verde quando submetida à luz ultravioleta.
Quem deu o salto conceitual, porém, foi Chalfie, que em 1992 inventou uma maneira de ligar o gene da proteína a genes específicos de outros organismos. Amostras de tecido e animais geneticamente alterados poderiam ser usados para estudar fenômenos escolhidos a dedo.
Se o gene escolhido para observação produzisse uma proteína ligada ao câncer, por exemplo, era possível ver onde e quando ela surgia no organismo de uma cobaia. Uma idéia tão versátil não levou muito tempo para se tornar uma ferramenta popular em toda a biologia celular e molecular.

Cores bonitas
A técnica se tornou ainda mais poderosa quando Tsien, 56, elaborou em 1996 uma maneira de ampliar a paleta de cores de proteínas usadas na técnica. Além do verde surgiram proteínas azuis, depois vermelhas, e outros cientistas estenderam a técnica para todas outras tonalidades. Uma técnica nova chamada "brainbow" já usa todas as cores do arco-íris para diferenciar neurônios.
Tsien diz que ainda não teve tempo de pensar sobre o impacto do Nobel em sua vida. "Fundamentalmente, não sou mais esperto hoje do que eu era ontem", disse o cientista, que confessa ter sido atraído pelo lado lúdico da GFP. "Eu gosto de cores bonitas, e essa era uma boa oportunidade."
"Merecidíssimo", diz o biólogo brasileiro Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego. Ele mesmo recorreu à GFP para iluminar genes saltadores no cérebro de mamíferos, em 2005, e usa a proteína no dia-a-dia.
"A visualização é tão importante quanto a descoberta dos fenômenos biológicos." Muotri, que por pouco não foi trabalhar com Chalfie em Columbia ("Ele queria muito que eu fosse para Nova York") , cita o exemplo da estrutura do DNA, elucidada por Francis Crick e James Watson em 1953 -usando imagens de raio-X. "Só se acreditou na teoria quando montaram um modelo onde todos "viram" o que estava acontecendo."

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O empresário Gilmar


Leia a íntegra da denúncia que CartaCapital fez sobre os negócios de Gilmar Mendes, o presidente do Supremo

Descobertas de vírus da Aids e de câncer dão Nobel a europeus

Alemão que isolou HPV, causador de tumor cervical, fica com metade do prêmio; franceses que acharam o HIV dividem o resto

Premiação chega 25 anos depois do trabalho original de Françoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier sobre o agente da doença do século

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

A ligação entre dois tipos de vírus e duas das maiores pragas da humanidade, a Aids e o câncer, rendeu ontem a três cientistas europeus o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina.
O alemão Harald zur Hausen, 72, e os franceses Luc Montagnier, 76, e Françoise Barré-Sinoussi, 61, dividirão a bolada de 10 milhões de coroas suecas (US$ 1,4 milhão). O primeiro ficará com metade do dinheiro, pela descoberta de que o papilomavírus humano (o HPV) causa o câncer de colo de útero. Os outros dois ratearão o restante, pela descoberta, há 25 anos, do vírus da imunodeficiência humana, o HIV.
Segundo o Comitê do Nobel, o trabalho de Montagnier e Barré-Sinoussi foi "essencial para a compreensão atual da biologia da doença e para seu tratamento". O de Zur Hausen levou à caracterização da história natural da infecção pelo HPV e ao desenvolvimento de vacinas profiláticas contra o câncer induzido pelo vírus -o segundo tumor que mais ataca mulheres, com 500 mil novos casos e 250 mil mortes por ano.
Apesar de se tratarem de duas pesquisas com vírus, os trabalhos premiados têm mais diferenças do que semelhanças. Dividir um prêmio entre duas descobertas diferentes é prática pouco comum no Nobel.
O vírus da Aids, 25 anos depois de sua descoberta, continua desafiando os cientistas. Apesar de o trabalho da dupla francesa ter aberto as portas para a criação do coquetel de remédios que deu chance de vida aos portadores de HIV -nos anos 1980, ser soropositivo era uma sentença de morte-, todas as tentativas de criar uma vacina contra ele falharam.
A Aids, reconhecida como pandemia em 1981, já matou pelo menos 25 milhões de pessoas, sobretudo na África. Estima-se que 1% da população mundial seja afetada por ela.
Já o HPV encontrou o seu algoz. O trabalho iniciado nos anos 1970 por Zur Hausen no Centro Alemão de Pesquisa do Câncer, em Heidelberg, seria coroado em 2006 com a entrada no mercado da primeira vacina anticâncer já desenvolvida. O medicamento, batizado Gardasil, previne infecção pelas variedades de HPV que causam 70% dos casos de câncer cervical, o HPV-16 e o HPV-18.
"Não estou preparado para isso", disse Zur Hausen ontem pela manhã, emocionado com a notícia do prêmio.
Montagnier, que participa de uma conferência na Costa do Marfim, dedicou o prêmio aos doentes de Aids e disse que o Nobel "nos dá coragem para continuar até atingirmos o nosso objetivo" -a cura da doença.
Barré-Sinoussi, que estava o Camboja, também foi pega de surpresa. "Confesso que estava muito longe de esperar por isso", declarou a francesa.

domingo, 28 de setembro de 2008

Vergonha na USP

A Universidade de São Paulo, maior e melhor instituição pública de pesquisa e ensino superior do Brasil, faz 75 anos em 2009.
Quando ela ainda tinha 45 anos, formei-me em jornalismo na sua Escola de Comunicações e Artes, mas prossegui como aluno de filosofia (estudo que, infelizmente, nunca concluí).
Hoje me pergunto se ainda devo ter orgulho de ser ex-aluno da USP. No centro da preocupação com minha "alma mater" (mãe nutridora), como dizem os norte-americanos e os britânicos, está o caso de plágio em seu Instituto de Física.
Não pelo caso em si, que é menor, mesquinho mesmo. Briga de comadres por migalhas de micropoder institucional. Nem vem ao caso quem acusa quem, só que professores titulares admitem copiar trechos de artigos científicos de outros sem a devida referência bibliográfica.
Não só ex-alunos, mas todo contribuinte que sustenta a USP e qualquer pessoa que cultive valores intelectuais deve preocupar-se com o modo como o caso foi tratado pela reitoria. Se a instância máxima da universidade agiu com o propósito de resguardar seu prestígio, bem, escolheu a pior maneira de fazê-lo.
Causam perplexidade dois comunicados sobre o caso divulgados pela reitoria nos dias 22 e 23 deste mês (na internet: www.reitoria.usp.br/reitoria). O primeiro informava que a Comissão de Ética da USP havia concluído -uma semana antes...- "os trabalhos de apreciação do caso de suposto plágio envolvendo professores do Instituto de Física".
O qualificativo "suposto" indica a disposição clara de proteger os investigados, embora eles próprios tivessem admitido o deslize. O paternalismo corporativo (ou seria "maternalismo"?) vem explicitado a seguir: "Ressalte-se que o relatório da Comissão de Ética não é um documento público, uma vez que seu conteúdo envolve a avaliação de comportamento ético individual. Portanto, a divulgação de atos do processo só pode ser feita com a autorização dos investigados, conforme reza a Constituição Federal, em seu artigo 5º, [inciso] X".
Como assim? Se um professor e funcionário público foi investigado por má conduta acadêmica e inocentado, tem todo o interesse em que o relatório venha à luz. Se foi condenado, não tem cabimento dar-lhe o direito de veto sobre a divulgação.
A reitoria parece ter-se dado conta logo a seguir do atentado contra o princípio da publicidade, formulado por Immanuel Kant (1724-1804) em seu "Para a Paz Perpétua" (1795): "Todas as ações relativas ao direito de outros homens, cuja máxima não é suscetível de publicidade, são injustas".
Uma espécie de errata foi publicada pela reitoria no dia seguinte, com a satisfação negada ao público 30 horas antes: "Diante da conclusão dos trabalhos da Comissão de Sindicância e da Comissão de Ética, sobre a investigação de plágio, a Reitoria comunica que, no entendimento da Comissão de Ética, embora os trabalhos científicos, que foram objeto da investigação, contenham pesquisa original, houve um desvio ético na redação dos mesmos por uma inaceitável falta de zelo na preparação dos artigos publicados.
Isso resultou na consignação, pela Comissão, de uma moção de censura ética aos autores, pela não-observância dos preceitos éticos da Universidade".
Qual "desvio ético"? Que "preceitos éticos" deixaram de ser observados? É uma vergonha que a reitoria prossiga em sua recusa a dar uma explicação completa do caso.

MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

SUS: novos modelos são a solução?

FOLHA
NO ÚLTIMO dia 9/9, reportagem da Folha trouxe a notícia de que a "Justiça Federal determinou que a Prefeitura de São Paulo acabe com a contratação de entidades privadas para gerir suas unidades de saúde". Para a juíza, a legislação municipal é inconstitucional.
Para a prefeitura, "esse modelo de gestão agiliza o atendimento e melhora a qualidade do serviço".
No ano passado, o governo federal enviou projeto de lei ao Congresso que cria as fundações estatais (Folha,13/7/07), cujo objetivo é garantir maior autonomia gerencial e orçamentária aos hospitais públicos, flexibilizar as relações trabalhistas e regras de licitações, premiar o servidor com bom desempenho e condicionar o repasse de recursos ao cumprimento de metas de gestão, dando maior agilidade à gestão pública.
Em agosto deste ano, a FGV promoveu o "Debate GV Saúde: Alternativas de Gestão Pública", com a participação de renomados especialistas na área, em que foram discutidas novas formas de organização na saúde.
Nesse debate ficou evidente que várias alternativas existiram ou existem no sentido de tornar os serviços de saúde mais ágeis e com maior autonomia: empresas públicas, consórcios públicos, sociedades anônimas, serviços sociais autônomos, fundações, autarquias de regime especial e, recentemente, as chamadas Oscips ou OSs.
É conhecido de todos que a saúde pública se debate com um problema crônico de caráter organizacional, financeiro e de gestão, com implicações importantes na qualidade da assistência prestada ao seu usuário.
Há um reconhecimento generalizado da inadequação e rigidez do modelo de administração pública direta e autárquica, com autonomia limitada, excesso de burocracia, morosidade e questionamentos de ordem jurídica e administrativa que terminam por expor dirigentes a ações e processos judiciais, além de dificultar a gestão.
Por outro lado, as soluções apontadas são pautadas pelo imediatismo do "apagar incêndios" com provimento de recursos extras e tentativas isoladas de modernização gerencial, muitas das quais questionáveis constitucionalmente.
O SUS, um dos mais avançados e modernos serviços de saúde pública do mundo, não pode continuar vítima desse modelo. Precisa se modernizar e aperfeiçoar, preservando os princípios fundamentais e constitucionais de universalidade, gratuidade, integralidade, eqüidade e controle social.
Sem perder de vista tais princípios, a necessária ampliação da capacidade do Estado de prover e regular os serviços de saúde passa pela implantação de novos modelos de gestão que levem à autonomia e a eliminar ilegalidades e corrupção, com maior transparência e garantia de institucionalidade e sustentabilidade do sistema.
Outro aspecto importante quando se discutem novos modelos para o SUS é a questão da qualificação profissional. É preciso investir na melhoria da formação médica e dos demais profissionais de saúde; inovar nas relações dos gestores com os profissionais de saúde quanto a política salarial, avaliação de desempenho, planos de carreira, condições de trabalho e garantias constitucionais.
Assim, independentemente do modelo a ser definido legal e constitucionalmente, um choque de gestão, em que se pactuam metas e serviços com qualidade e eficiência, deve ser um objetivo a ser perseguido, ao lado do uso mais eficiente dos recursos públicos, com a estabilidade política, econômica e jurídica necessária a um melhor desempenho organizacional.
Vivemos num país em que são péssimas as condições de vida e saúde da grande maioria da população. Nosso padrão de morbi-mortalidade combina doenças decorrentes dessas condições com outras de países desenvolvidos e relacionadas a padrões alimentares, de consumo, violência urbana e aumento da expectativa de vida.
Segundo o IBGE (2005), a proporção de pobres em nossa população é de 33,43%, de idosos, 9,2%, e a esperança de vida ao nascer, 72 anos, com tendência de aumento.
Esses desafios não podem ser resolvidos apenas enfocando o lado da assistência médica. São necessárias ações de impacto no sentido de reduzir as grandes desigualdades sociais e de melhoria das condições de vida da maioria da população.
O SUS é um importante instrumento de desenvolvimento econômico, social e modelo de políticas públicas.
Aperfeiçoá-lo significa assegurar financiamento adequado, melhoria da estrutura, implantar novos mecanismos de gestão e valorização profissional, tudo com o objetivo maior de melhorar o atendimento e a saúde dos brasileiros.

CARLOS FREDERICO DANTAS ANJOS, 52, médico, doutorando em medicina pela USP, é diretor clínico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

SP limita programa de bônus da USP para escola pública

Gestão Serra diz que prova que dá pontos extras será experimental e ocorrerá só no 3º ano

Aumento no número de estudantes da rede pública matriculados na USP é uma das principais bandeiras da reitora Suely Vilela

FÁBIO TAKAHASHI
FERNANDA CALGARO

DA REPORTAGEM LOCAL FOLHA

A Secretaria Estadual de Educação de São Paulo limitou um programa da USP que prevê bônus (pontos extras) no vestibular aos alunos provenientes das escolas públicas.
O programa anunciado pela USP previa a aplicação de provas aos alunos nos três anos do ensino médio público (avaliação seriada), que, somadas, renderiam bônus de até 3% na nota aos alunos no vestibular. A implantação seria gradativa até 2011, começando neste ano pelos alunos do 3º ano do ensino médio (antigo 3º colegial).
A gestão José Serra (PSDB), porém, decidiu que a edição deste ano será "experimental", ou seja, o programa poderá não se repetir já em 2009. Além disso, limitou o exame ao 3º ano.
Segundo a Folha apurou, a secretaria considerou apressada a forma como a universidade anunciou o programa -sem que estivesse totalmente definido com a pasta. Também houve discordância com relação a questões pedagógicas.
A divulgação foi feita em abril deste ano, mas a proposta só foi formalmente encaminhada à secretaria em julho.
A decisão do governo de não aplicar a prova nos três anos do ensino médio é apoiada pelo Conselho Estadual de Educação. Parecer do órgão elaborado pela professora da USP Eunice Durham diz que "a principal objeção (...) reside no fato de que fortalece a tendência a se organizar todo o ensino médio em função do vestibular, ignorando sua função de formação geral para a vida".
O parecer fala ainda em "tramitação tumultuada" da USP. O texto, aprovado no último dia 3, diz que as "iniciativas resultaram em grande pressão para a rápida tramitação do projeto, a fim de se convalidarem as iniciativas que já vinham sendo tomadas".
Procurada para comentar o assunto, a secretária da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, disse, por meio de sua assessoria, apenas que o programa será realizado em "caráter experimental".

"Quase insignificante"
O aumento da proporção de alunos de escolas públicas aprovados no vestibular é uma das principais bandeiras da reitora da USP, Suely Vilela. A rede estadual representa 85% das matrículas, mas menos de 26% dos aprovados no exame.
O argumento da USP para propor exames para o bônus nos três anos do ensino médio é o de diluir a pressão para a aprovação no vestibular.
A implantação do projeto de bônus, da forma como foi aprovado pelo governo, custará R$ 1,760 milhão, metade para o Estado, metade para a USP. À secretaria também caberá ceder as salas para aplicar a prova.
Apesar da decisão do governo de fazer a prova só neste ano, até ontem o site da USP sobre o programa dizia que "a partir de 2010 e 2011, o Pasusp [nome do programa] será implantado progressivamente nas outras séries [do ensino médio]".
O parecer do conselho de educação critica também a eficácia das medidas já implantadas pela USP para aumentar os egressos da rede pública na universidade, como um outro bônus, também de 3%, automático para todos da rede pública.
Segundo o relatório, 0,67% dos formados no ensino médio público foram aprovados no vestibular 2006/2007 da USP, proporção que caiu para 0,66% no ano seguinte. O texto diz que "a contribuição da USP para absorção do ensino médio público é quase insignificante".

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Lula, Satiagraha e a Real Politik

Atenção, um novo capítulo se abre para o caso Satiagraha.

O governo Lula acertou um acordo com a Editora Abril – e, por extensão, com Daniel Dantas – para anular a Operação Satiagraha. O acordo foi montado da seguinte maneira:

1. É impossível interferir nos trabalhos em andamento do Ministério Público Federal e do juiz De Sanctis. A ofensiva de Gilmar Mendes foi um tiro no pé.

2. A estratégia acertada consistirá em tentar anular o inquérito de Protógenes, no âmbito da Polícia Federal. A versão preparada é que o inquérito continha irregularidades que precisariam ser sanadas. E a Polícia Federal colocou seus homens de ouro para “salvar” o inquérito. O trabalho dos “homens de ouro, na verdade, será o de garantir a anulação do inquérito.

3. Ao mesmo tempo, o governo aproveitará o factóide dos 52 funcionários da ABIN que participaram da operação - uma ação de colaboração já prevista pelo Sistema Brasileiro de Inteligência - para consumar a degola de Paulo Lacerda. A matéria do Estadão de domingo, o da "demissão em off" estava correta. Sabe-se, internamente no governo, que a operação foi normal. Assim como se tem plena convicção de que o tal “grampo” entre Gilmar Mendes e Demóstenes Torres foi uma armação. Mas Lula se curvou à real politik.

4. De sua parte, jornais e jornalistas mais envolvidos com o jogo estão reforçando essa versão do “inquérito ilegal” e do messianismo do delegado Protógenes. A armação, agora, terá o reforço da concordância tácita do Palácio.

5. O pacto foi referendado pela Ministra-Chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. O Ministro Tarso Genro foi o que se mostrou mais constrangido com a operação, mas acabou se curvando à força dos fatos. Com essa operação, Lula e Dilma passam a ser aceitos no grande salão nobre, pavimentando a candidatura da Ministra para as próximas eleições.

6. O seu principal adversário, José Serra, já é outro aliado que entrou à reboque da Editora Abril. Está pagando um preço caro, com a descaracterização do seu discurso político.

7. A bola, agora, está com o Ministério Público e o Juiz De Sanctis, que terão que trabalhar com essa nova peça do jogo: a intenção de se anular o inquérito.

Não sei por que, mas o evento da Abril me lembrou aquela cena épica de Francis Ford Copolla, o fecho do filme. Enquanto todos estão na grande ópera, os inimigos são fuzilados na calada da noite.

Na grande festa foram selados os destinos do delegado Protógenes e Paulo Lacerda, dois funcionários públicos cumpridores da lei. Anotem os nomes deles e os repassem para seus filhos e netos: foram dois brasileiros dignos, sacrificados por um jogo sujo.

É o fim da grande batalha pela instituição da legalidade no país? Longe disso. É apenas um novo capítulo. Tanto assim, que integrantes próximos ao jogo estão completamente incomodados, assim como vários colegas jornalistas, que entenderam que esse jogo de cena foi longe demais e está comprometendo a imagem da categoria como um todo.

Com tanta testemunha, tanto conflito de consciência, julgam ser possível varrer o elefante para debaixo do tapete? É muita falta de fé no estágio atual de desenvolvimento do país.

Luis Nassif

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O crime organizado

Por João Vergílio

O crime organizado veio para ficar. Não é mais franja, efeito colateral, exceção. Está no centro de todo o sistema. O caso Daniel Dantas está apenas mostrando que a extensão do domínio é muito maior do que imaginávamos. Não porque todos os jornalistas, empresários, juízes e parlamentares que hoje estão, em coro, construindo a absolvição de Dantas estejam diretamente vinculados a ele.

Nem todos estão. Mas, indiretamente, qualquer brecha que torne longínquamente provável o desvendamento de crimes de colarinho branco atinge a todos eles. Estão todos com medo. Ninguém sabe se os "seus" próprios telefonemas foram grampeados.

A própria atitude do Ministro Gilmar Mendes de trocar de celular todas as semanas é sintomática da paranóia que se apossou dos centros de poder. O que é mais estarrecedor é não ver, nessa hora, nada além de atitudes isoladas no parlamento. Fica claro que não há espaço para a constituição de um movimento articulado de resistência no centro do poder. Lá, está tudo dominado, e de maneira irreversível.

Resta saber se nós, aqui da arquibancada, temos alguma capacidade de articulação e reação. Eu duvido que tenhamos. Reina a sensação de que nada mais pode ser feito, de que só nos resta assistir passivamente a esse desfile interminável de vitórias do crime organizado.

Estou convencido de que esta sensação é planemente justificada. Não se pode fazer abolutamente nada, mesmo. Falamos para não enlouquecer. Mas é só isso. A democracia já era. Sobrou só o discurso. Oco.

enviada por Luis Nassif

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Tumores usam rede de genes para matar

Mapa detalhado de tumor de cérebro mostra 60 mutações ativas na doença, o que afasta ainda mais esperança de cura

Estudo internacional com participação da USP sugere, no entanto, que ataque ao mal pode ser feito mirando grupos de reações celulares

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Todos os caminhos levam ao câncer. O mais detalhado mapa genético do glioblastoma (tumor agressivo que ataca o cérebro), publicado hoje, revela que a doença pode brotar de pelo menos 60 mutações genéticas -o que torna, em princípio, muito mais árdua a tarefa de derrotar o problema.
Para dar uma idéia do desafio, a principal droga existente hoje contra esse tipo de tumor, que é incurável e mata em poucos meses, atua em uma única mutação. É o Glivec, que já foi chamado de "revolução" no tratamento da doença.
Toda essa complexidade do câncer também apareceu no mapa dos tumores de pâncreas, onde pelo menos 63 alterações de genes disparam a proliferação de células malignas.
Os dois estudos, que investigaram 20.661 genes de 46 pacientes, estão publicados no periódico científico "Science". A Faculdade de Medicina da USP participou do trabalho sobre o câncer de cérebro.
"Agora, muito por causa do avanço tecnológico, eles conseguiram olhar para a genética dos tumores em uma escala muito mais detalhada", disse Sandro de Souza, pesquisador do Instituto Ludwig de São Paulo, que não participou das pesquisas. Os dois grupos principais que assinam os trabalhos são do Centro de Câncer Johns Hopkins Kimmel (EUA).
De acordo com Bert Vogelstein, co-autor dos trabalhos, os mapas genéticos devem mudar a visão que se tem do câncer.
"Os dados sugerem que talvez não devamos mais olhar os genes individuais, mas sim focar a maneira como esses genes operam", disse o cientista.

Nova abordagem
A boa notícia do estudo pode estar exatamente nos caminhos genéticos usados para deflagrar o tumor. Se no caso do câncer de pâncreas ocorrem mutações em 63 genes, o número de vias usadas por essas alterações -ou seja, as cascatas bioquímicas por meio das quais cada gene defeituoso adoece a célula- está ao redor de 12.
Algumas dessas vias são comuns, como a regulação da apoptose, o "suicídio" cometido por células anormais.
Isso tem implicações importantes no desenho de novos tratamentos contra o câncer, concorda Souza, que também trabalha em seu laboratório garimpado alterações genéticas relacionadas com vários tipos de tumores humanos.
Os mapas também revelaram que alguns genes individuais ainda podem ajudar os cientistas. É o caso do IDH1, presente no glioblastoma- tumor que ataca as células glias, responsáveis, entre outras coisas, pela sustentação dos neurônios.
A pesquisa mostrou que os portadores de mutação no IDH1 que desenvolveram a doença tiveram uma sobrevida maior sobre os que não tinham a mutação. E essa alteração genética também aparece com mais freqüência em indivíduos jovens, ao redor dos 33 anos.
Todos esses mapas genéticos tumorais - os mesmos grupos apresentaram no ano passado o detalhamento genético do câncer de cólon e de mama- serão cada vez mais freqüentes daqui para frente, afirma Souza.
"As máquinas de seqüenciamento genético utilizadas agora são bastante potentes."
Segundo Souza, um desses supercomputadores pode seqüenciar todo o genoma humano em apenas um ou dois dias.
"Todo o seqüenciamento do Projeto Genoma do Câncer [do Brasil] demorou ao redor de dois anos. Com uma dessas máquinas usadas agora seria possível gerar os mesmos resultados em menos de dez dias."

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Vacina antigripe não salva idoso, diz estudo

Pesquisa afirma que efeito de imunização na redução do número de mortes é desprezível e que vida saudável é fator protetor

Outra análise, feita nos EUA, aponta que vacina não reduz casos de pneumonia; médico diz, no entanto, que vacinação tem de continuar


France Presse - 26.out.05

Enfermeira aplica vacina antigripe em morador de Los Angeles, onde imunização de idosos é gratuita

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA FOLHA

Vacinar idosos contra a gripe pode não ser uma forma eficiente de prevenir pneumonia e morte, afinal. Dois estudos independentes publicados nas últimas semanas sugerem que o benefício da imunização que vem sendo observado nos pacientes é resultado de outros fatores -e não da vacina em si.
Os trabalhos, um americano e um canadense, foram os primeiros a avaliar o histórico de pacientes vacinados e não vacinados que deram entrada em hospitais com pneumonia. Em idosos, esse mal geralmente evolui a partir da gripe.
Ambos concluem que os idosos vacinados de fato adoecem e morrem menos. No entanto, esses pacientes também têm melhor nível socioeconômico e educacional -portanto, tendem a uma vida mais saudável.
Os novos resultados adicionam polêmica a um campo até agora incontroverso das políticas de saúde pública. Há pelo menos 15 anos a vacinação contra a gripe é amplamente recomendada para idosos, com base em uma série de estudos que mostravam uma redução na mortalidade dos vacinados.
Alguns países, como o Brasil, têm programas de vacinação gratuita. Só o Brasil gastou em 2006 R$ 118,6 milhões na compra de 18,6 milhões de doses da vacina. Em sua página na internet, o Ministério da Saúde faz coro: "Estimativas de estudos internacionais indicam que a vacina contra a gripe provoca redução da mortalidade em até 50% entre a população idosa".
O problema é que, até agora, as pesquisas que mostram benefício na imunização foram baseadas apenas em observações de pacientes, sem nenhum controle de outros fatores.
"Nós estamos numa caverna escura e não sabemos ainda o que acontece lá dentro", disse à Folha o epidemiologista Sumit Majumdar, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Alberta, no Canadá.
Na última edição do periódico "American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine", Majumdar e colegas começaram a iluminar a caverna.
Para testar se o benefício da vacina era real, o grupo canadense resolveu tentar responder à seguinte pergunta: qual é o efeito da vacina de gripe sobre a mortalidade de idosos no verão, época do ano em que não há vírus influenza circulando entre a população?

Usuário saudável
O estudo acompanhou de 2000 a 2002 um conjunto de 704 idosos internados no sistema hospitalar de Alberta com pneumonia. Metade dos pacientes havia recebido a vacina no inverno anterior, metade não. Mesmo sem exposição ao vírus, 8% dos vacinados morreram contra 15% dos não vacinados. Uma redução na mortalidade de 51%. Ou seja, o benefício aparece mesmo sem o vírus.
Os pacientes selecionados para o estudo também eram avaliados quanto a condições prévias de saúde e alguns hábitos -se andavam sozinhos ou se fumavam, por exemplo. No total, 36 variáveis que poderiam afetar a saúde foram consideradas. Quando os resultados do estudo foram reavaliados à luz dessas diferenças, a equipe constatou que o real efeito protetor era desprezível.
"O que nós descobrimos é que as pessoas que se vacinam são mais ricas e mais instruídas. Quando você soma isso tudo, não há um grande benefício", disse Majumdar. "Não estamos dizendo que a vacina mata as pessoas, mas que nós temos exagerado enormemente seus benefícios."
O outro estudo, conduzido por um grupo da Universidade de Washington (EUA) e publicado em agosto no periódico "The Lancet", chegou à mesma conclusão ao tentar medir o efeito da imunização na redução de casos de pneumonia num grupo de 1.173 pacientes. "Depois de ajustarmos para a presença e severidade de comorbidades [outras doenças] (...) a vacina contra influenza não foi associada a risco reduzido", afirmam os médicos, liderados por Michael L. Jackson.
Majumdar diz que os programas de vacinação são necessários, mas insuficientes. E que a única maneira de saber qual é o real benefício da vacina é conduzir estudos clínicos, algo que os governos se recusam a fazer por razões éticas -já que nesse tipo de estudo alguns voluntários não recebem a droga, para comparar sua eficiência. "Todo mundo sempre achou que o benefício era tão evidente que ninguém poderia negar a vacina a um grupo", diz Majumdar.
O Ministério da Saúde, procurado pela Folha, disse estar analisando a validade do estudo canadense.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

As avaliações escolares

Entrevista da Folha com José Francisco Soares, do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) sobre um tema relevante. A educação precisa de indicadores. Mas precisa também de educadores que saibam avaliar os índices e tirar lições para a melhoria do ensino (clique aqui).

É uma avaliação não dogmática dos mitos escolares.

Um dos sofismas mais utilizados é sobre salários de professores:

1. Tem escolas que pagam menos para professores e têm melhor desempenho.

2. Logo o salário do professor não é relevante.

É a típica correlação malandra. É evidente que o fator que levou ao melhor desempenho não foi a redução do salário do professor. E é evidente que um professor melhor remunerado (e mais exigido) vai render mais do que um professor sub-remunerado.

Soares passa muito bem por esses mitos, assim como sobre o mito de que indicadores não são relevantes.
Escolas não aproveitam bem a avaliação de desempenho
Análise da atuação das instituições deve se tornar mais relevante do ponto de vista pedagógico, diz pesquisador

DA ALFABETIZAÇÃO ao ensino médio, o Ministério da Educação criou e aprimorou nos últimos 15 anos vários instrumentos de diagnóstico da qualidade do ensino. Essas avaliações fornecem um importante retrato da educação brasileira, mas seus resultados não estão chegando adequadamente às escolas e ajudando diretores a tomar decisões em seu dia-a-dia.Esta é a opinião de José Francisco Soares, do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que acaba de lançar, em parceria com Nigel Brooke -outro pesquisador de ponta na área-, o livro "Pesquisa em Eficácia Escolar" (Editora UFMG). (ANTÔNIO GOIS, da Sucursal do Rio)

O pesquisador alerta também que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), um dos instrumentos mais utilizados pelos pais para avaliar as escolas, esconde deficiências ao não relacionar a média final com o nível socioeconômico dos alunos. Com isso, escolas particulares se destacam em relação às públicas pelo fato de terem alunos de famílias de maior renda e escolaridade. Porém, na opinião de Soares, elas também não cumprem bem sua função. No livro recém-lançado, ele e Brooke reúnem os principais estudos empíricos que, desde a década de 60, tentam responder a uma questão que até hoje aflige gestores e pesquisadores: o que torna uma escola eficaz? É esse o tema que perpassa a entrevista com Soares.

Trechos:

JOSÉ FRANCISCO SOARES - Esse foi um dilema histórico que retratamos no livro. Logo após a publicação do relatório de James Coleman [de 1966, feito para o governo norte-americano e apontado como estudo pioneiro sobre o tema], duas visões pessimistas surgiram sobre o papel da escola.
Uma era de direita e influenciada pelas conclusões do próprio relatório [que mostrava que o nível socioeconômico dos alunos era o mais importante fator]. Outra, de esquerda e com maior repercussão no Brasil, era inspirada no sociólogo francês Pierre Bourdieu, que via a escola como reprodutora das desigualdades sociais.

Houve, depois, uma reação a essas visões pessimistas em estudos que procuraram demonstrar que a escola pode ser eficaz e fazer diferença para o aluno.

Hoje, já aceitamos o fato de que a escola, sozinha, não vai mudar drasticamente as condições de todos os alunos que chegam com nível socioeconômico muito baixo. É bobagem achar que a exclusão cultural a que uma criança é submetida não vai impactá-la, mas isso não pode significar que essa criança não é educável.

Se você tem um aluno de nível socioeconômico baixo, mas que está matriculado numa escola que o desafia, ele vai avançar mais do que se estivesse em outro ambiente. Temos vários exemplos de escolas que, na mesma rede de ensino, com iguais recursos e atendendo alunos com perfil semelhante, têm resultados fantasticamente diferentes em avaliações.

FOLHA - Quais evidências são consensuais nos estudos sobre o que torna uma escola eficaz?

SOARES - Há uma série de fatores, mas, se eu tiver que citar um único, diria que o mais importante é ter uma rotina pedagógica. Cada professor tem que ter clareza do que e de como ensinar. Onde estão os melhores resultados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em 2007? No interior de São Paulo, onde várias redes utilizam sistemas de ensino que, infelizmente ou felizmente, são externos.

Eles compram [de grupos privados] material pedagógico que coloca na mão do professor um cronograma bem definido do que vai ser ensinado, quando e como.

Não acho que um país como o Brasil deva ter apenas um método pedagógico. Defendo que cada escola possa escolher um sistema, mas o que não dá é para não ter nenhum, o que, infelizmente, é o padrão no nosso caso.

FOLHA - Quando as avaliações começaram a ser utilizadas no Brasil, houve resistência em aceitar suas conclusões?

SOARES - As faculdades de educação tinham um discurso pronto. Primeiro diziam que vivíamos numa ditadura e, por isso, não tinha como a escola funcionar. Depois foi o neoliberalismo.

Com a implementação em 1995 do Saeb [Sistema de Avaliação da Educação Básica], passamos a ter dados para comparar escolas e, com humildade, buscar respostas a partir dos dados. Projetos pedagógicos que eram tidos como revolucionários se mostraram pouco eficazes.

A avaliação também teve o efeito importante de mostrar para todos que o que buscamos é a criança aprender. A idéia de resultados é estranha para o professor. O discurso das faculdades sempre foi centrado no professor, mas as avaliações ajudaram a reforçar a idéia de que é o aluno o mais importante e é direito dele aprender.

FOLHA - Por outro lado, muitos educadores se queixam de pesquisas que, a partir de análises estatísticas, chegam com fórmulas prontas a serem aplicadas pelas escolas.

SOARES - Esse é realmente um problema sério. Muitos resultados de avaliações passaram a ser utilizados de forma pouco produtiva.

A escola é feita de uma interação de muitos fatores que se correlacionam e cuja evidência empírica não é tão sólida, por exemplo, como a que explica um fato econômico. Não dá para fazer com a escola a mesma análise que se faz na economia.

Há estudos empíricos que mostram, por exemplo, que o tamanho das turmas e o salário dos professores não têm impacto significativo no desempenho dos alunos. Com base nisso, vamos então falar para a sociedade pagar R$ 500 ao professor e montar turmas com 40 alunos?

FOLHA - Mas o senhor concorda que salário ou o tamanho da turma não faz tanta diferença?

SOARES - No caso brasileiro, não dá para defender turmas com 40 alunos. Dá até para dizer que baixar de 25 para 12 não fará tanta diferença, pois, se você reduzir drasticamente o tamanho das turmas, terá que contratar mais professores, e esses novos professores provavelmente não serão tão preparados.
Com isso, os resultados não serão os esperados. Não se deve pegar um fator isolado a partir de um estudo e daí criar uma política pública.

Também é preciso considerar que nas periferias de grandes cidades é importante ter turmas e escolas menores, pois é preciso, sim, um atendimento mais individualizado, de preferência em tempo integral.
Se você pega um aluno com problemas de comportamento e joga numa escola com 2.500 alunos e turmas grandes, será muito mais difícil trabalhar com ele.

Sobre salário, há vários exemplos de escolas ou cidades que, mesmo pagando menos, apresentam resultados melhores. Defendo, no entanto, que o salário aumente para podermos recrutar melhor quem vai dar aula.

Mas concordo com a idéia de que não dá para pagar mais com o tipo de organização e legislação que existe hoje na escola pública. A educação precisa de mais recursos para remunerar melhor seus profissionais, mas vamos ter que incluir nessa negociação a exigência de que a criança aprenda.


enviada por Luis Nassif

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Célula-tronco trata fraqueza muscular


Material celular humano retirado de gordura é usado com sucesso para reverter doença genética em camundongos


Roedor que recebeu injeção com "coquetel" celular recuperou a força e teve um desempenho físico 15% melhor nos testes

Feng Zhao/College of Engineering (EUA)

Células-tronco humanas crescem sobre estrutura artificia

IGOR ZOLNERKEVIC
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quando a bióloga Natássia Vieira decidiu fazer uma lipoaspiração em 2002, não imaginava que seis anos depois ela assinaria um artigo científico no periódico "Stem Cells" com dez pesquisadores, incluindo Vanessa Brandalise, a sua cirurgiã plástica.
Na época, ao ler sobre o tema, a pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo) descobriu que a gordura que seria retirada dela era rica em células-tronco-material celular capaz de se transformar em diferentes tecidos do corpo humano.
Ao lado da orientadora Mayana Zatz, e com a gordura doada por outras 20 pacientes da cirurgiã, Vieira decidiu, então, começar um estudo com o objetivo de criar a longo prazo uma terapia para tratar as distrofias musculares progressivas, grupo de doença genética que causa fraqueza muscular.
Os resultados divulgados agora mostram que as células-tronco da gordura, ao serem injetadas na corrente sangüínea de camundongos, produzem proteínas importantes para o combate da distrofia.
"As células-tronco foram para o músculo e produziram todas as proteínas musculares, independentemente da que estava faltando", explica Vieira. "Isso é importante porque, para muitos dos pacientes, a gente não consegue achar a mutação genética [que causa a ausência de proteína que provoca a fraqueza muscular]."
Outra descoberta que fez os pesquisadores comemorarem foi que o organismo dos roedores aceitou as células-tronco sem nenhuma reação imune. "Não usamos [remédios] imunossupresores. Foi inesperado", conta Vieira. Parece que as próprias células-tronco produzem imunosupressores.
O que mais animou Vieira e seus colaboradores, porém, foi a "performance" dos camundongos nos testes de força física, após as injeções. "Os injetados foram 15% melhor nos testes em relação aos não injetados", diz Vieira. Houve melhora clínica mesmo com o músculo recuperado parcialmente.

Mistura celular
Antes de injetar as células-tronco direto nos roedores, Vieira resolveu saber o que aconteceria quando células de lipoaspiração se encontrassem com células musculares de pacientes com distrofia muscular. Era o primeiro indício de que os resultados seriam positivos.
Os dois tipos celulares foram cultivados juntos, no mesmo recipiente. Após 45 dias, as células se transformaram e deram origem a estruturas semelhantes a tubos, encontrados nas fibras musculares.
Segundo Vieira, os resultados obtidos nos cultivos celulares no laboratório e nos camundongos permitem afirmar que o grupo está no caminho certo.
Tanto nos animais de laboratório quanto nos seres humanos a distrofia aparece com as mesmas características.

Cintura enfraquecida
No homem, a falta de uma das proteínas provoca uma fraqueza maior nos músculos da cintura e dos ombros. "Alguns pacientes não conseguem nem levantar os braços", disse a cientista. Nos camundongos, a situação é semelhante.
"Quando você ergue um camundongo normal pelo rabo, ele faz força para segurar a sua mão e não ficar de ponta-cabeça. O camundongo doente não consegue. Ele fica parado, com as patas encolhidas."
Apesar da semelhança entre roedor e ser humano existem ainda outros estágios em que o estudo precisa passar, segundo a pesquisadora da USP.
""O próximo desafio é crescer um número de células-tronco suficiente para injetar em um animal maior, mais parecido em tamanho com um ser humano, como um cachorro." A distrofia nos cachorros, segundo a pesquisadora, é muito mais severa que nos camundongos. "Vamos ver se conseguimos o mesmo resultado."

Sjl Dystrophic Mice Express A Significant Amount Of Human Muscle Proteins Following Systemic Delivery Of Human Adipose-Derived Stromal Cells Without Immunosupression (Stem cells)

sábado, 23 de agosto de 2008

Bactérias cometem suicídio para ajudar as companheiras


Comportamento visa eliminar micróbios concorrentes e facilitar infecção


EurekAlert.org

Bactérias Salmonella (em vermelho) atacam tecido humano

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL FOLHA

Sacrificar-se pelo bem comum pode ser um conceito humano, mas essa forma extrema de altruísmo também existe em bactérias: algumas delas se matam para facilitar a infecção pelo resto da colônia. Cientistas no Canadá e na Suíça explicaram agora como isso é possível.
O fenômeno biológico é conhecido como "cooperação autodestrutiva". Para que esse comportamento esteja codificado nos genes dos seres vivos é preciso que apenas uma parte dos portadores resolva se matar pelo bem dos outros. Os pesquisadores chamam o mecanismo capaz de mediar essa diferenciação entre duas populações de "barulho fenotípico".
O genótipo de um ser vivo é o seu conjunto de genes; já o seu fenótipo são suas características determinadas tanto pelo genótipo quanto pelo ambiente em que ele vive.
"Nós usamos expressão barulho fenotípico para nos referirmos à observação de que organismos geneticamente idênticos vivendo no mesmo ambiente às vezes mostram variações fortes nas suas propriedades biológicas", disse à Folha o chefe do estudo, Martin Ackermann, do Instituto de Biologia Integrativa, de Zurique, Suíça.
"Essa variação é presumivelmente uma conseqüência de processos celulares ao acaso que têm um papel em determinar a expressão dos traços biológicos", acrescentou o pesquisador suíço.
Se há um traço no genótipo dos seres vivos que a seleção natural, motor da evolução biológica, tenderia a fazer desaparecer é a predisposição ao suicídio. No entanto, há vários casos de seres vivos -mesmo mamíferos- que se sacrificam ou cooperam para o bem comum da colônia apesar de não reproduzirem.

Genes autodestrutivos
"Um dos pontos principais do nosso artigo é identificar as condições nas quais os genes para o auto-sacrifício voltado à produção do bem comum podem persistir e não serem eliminadas pela seleção natural", disse o pesquisador.
A equipe demonstrou experimentalmente o papel do "barulho fenotípico" em camundongos infectados com a bactéria Salmonella typhimurium.
A presença de outros micróbios no intestino do camundongo atrapalha a infecção pela bactéria. Para eliminar a concorrência, parte das bactérias ataca o tecido intestinal e causa uma inflamação -morrendo no processo.
"Para resumir, nós identificamos duas principais condições. Primeiro, há indivíduos que carregam esses genes, mas não expressam o comportamento autodestrutivo. E, em segundo lugar, esses indivíduos portadores do gene e que não expressam o comportamento precisam se beneficiar mais do bem comum do que indivíduos sem esses genes", disse.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Ouro nas Olimpíadas

Maurren Maggi conquista a primeira medalha de ouro do atletismo feminino brasileiro nas Olimpíadas.


Do blog do nassif

Andre Araujo
Perdemos a oportunidade de ter tido uma outra medalha de ouro quando a excelente Fabiana Murer foi surpreendida com a absurda falta de seu instrumento fundamental, a vara de salto, algo inconcebivel em uma Olimpiada. A atleta teve que protestar, discutir,entrar em choque com o juri, o que evidentemente a desestabillizou e ainda teve que saltar com outra vara e não aquela com a qual tinha feito todo seu treinamento. Seria como se na prova de Hipismo trocassem o cavalo do Rodrigo Pessoa.
E aonde estava o COB nessa hora, a quem caberia o protesto ou requerer o adiamento da prova? Não era a atleta quem deveria brigar, era o comando da nossa delegação. Esse COB consegue ser pior que a CBF, ineficiente, inutil, carissimo, arrogante, nunca está presente quando deve, são meros desfrutadores de mordomias a um custo estratosférico para o País. Com uma pequena fração do que gasta esse COB, que conseguiu multiplicar por dez o orçamento do PAN, quantas vocações de atletas no vasto Brasil são seriam incentivadas?
O patrocinio privado dá conta de atletas já destacados mas muitas crianças e adolescentes poderiam despontar se tivessem o apoio inicial, muitos não tem nem o dinheiro da condução para treinar. O episódio da Fabiana Maurer foi chocante e não se viu qualquer perturbação do COB, parece que não estão nem ai, a preocupação deles é com as verbas e com as conexões politicas em Brasilia.