segunda-feira, 2 de junho de 2008

'Distrações digitais' emburrecem a juventude, afirma especialista

Professor dos EUA diz que muitas horas de Orkut e MSN levam jovens a só conviverem entre si

Patrícia Campos Mello, WASHINGTON

Uma série de pesquisas realizadas nos últimos anos mostra que a ignorância dos jovens americanos é epidêmica. Em levantamento de 2002, 52% dos jovens escolheram Japão, Alemanha ou Itália como aliados dos Estados Unidos na 2ª Guerra Mundial. Em uma pesquisa de 1998, só 41% sabiam apontar os três poderes do governo (Executivo, Legislativo e Judiciário), enquanto 59% sabiam identificar os Três Patetas pelo nome. Mais de 64% sabiam o nome do último vencedor do American Idol, mas só 10% sabiam o nome da presidente da Câmara dos EUA. E 25% não sabiam que Dick Cheney é o vice-presidente do país.

Para Mark Bauerlein, professor da Universidade Emory, em Atlanta, e ex-diretor de Pesquisa e Análise na Fundação Nacional para as Artes, são as “distrações digitais” como mensagens instantâneas, sites de relacionamento como Orkut, MySpace e Facebook, e mensagens de texto pelo celular que estão emburrecendo a juventude. Em seu livro The dumbest generation: How the digital age stupefies young americans and jeopardizes our future (A mais burra das gerações: como a era digital esta emburrecendo jovens americanos e ameaçando nosso futuro), que acaba de ser lançado e vem causando polêmica, Bauerlein argumenta que o excesso das chamadas “distrações digitais” está por trás da crescente falta de cultura dos jovens.

“Os jovens de hoje são tão mentalmente competentes quanto os de 20 anos atrás, e têm muito mais oportunidades de adquirir conhecimentos, mas eles estão deixando de lado os hábitos intelectuais e se dedicando cada vez mais à comunicações ‘peer to peer’ (compartilhamento de arquivos online)”, disse Bauerlein ao Estado. “Se você entra no quarto de um jovem de 15 anos vai encontrar o iPod, TV, computador, videogame, e tudo isso vem antes do livro na escala de prioridades.”

De acordo com o Panorama de Aplicação dos Estudantes, 55% dos alunos de ensino médio estudam ou lêem menos de uma hora por semana. Em contrapartida, passam nove horas navegando em sites de relacionamento. Estudo de 2005 da Kaiser Foundation mostra que, em um dia, em média, jovens de 8 a 18 anos assistem à TV durante 3 horas e 4 minutos, passam 48 minutos navegando na internet, 14 minutos lendo revistas, 23 minutos lendo livro, 49 minutos jogando videogame, 32 minutos assistindo a DVD. “Eles tiraram toda sua concentração de livros, revistas, jornais ou museus e transferiram para diversões virtuais.”

Mas será que todos esses instrumentos digitais não trazem conhecimento também? “Se eles usassem a internet para entrar no site da Galeria Nacional de Artes, seria maravilhoso; mas nove dos dez endereços de internet mais visitados por jovens são de sites de relacionamento, segundo a Nielsen.”

O problema, alerta Bauerlein, não é a tecnologia, mas o uso que se faz dela. “Os adolescentes de 15 anos só se importam com o que outros adolescentes pensam. Isso sempre foi assim. Mas hoje a tecnologia permite que os adolescentes estejam em contato entre eles, excluindo os adultos, 24 horas por dia.” Os jovens ficam em contato o dia inteiro, por meio do celular, páginas da internet, mensagens instantâneas. “A tecnologia ligou os jovens de uma forma tão intensa que os relacionamentos com adultos estão diminuindo. Eles estão cada vez menos maduros, prolongando a adolescência até os 30 anos.”

E como lidar com essa onipresença de distrações digitais? “Não se trata de eliminar esses instrumentos da vida dos jovens, não se pode fazer isso; mas é preciso chegar a um equilíbrio”, diz. “Os pais deveriam estabelecer um determinado período, por exemplo, uma hora por dia, em que jovens e adultos precisam estar totalmente desconectados de qualquer coisa, e se dedicam a ler.”

E nada de fazer mais de uma tarefa ao mesmo tempo - falar no celular e mandar e-mail, ouvir música e navegar. Para ele, essa é uma das pragas modernas. “Uma pessoa não consegue ler enquanto faz outra coisa.”

domingo, 1 de junho de 2008

Droga que mudou comportamentos completa 1 década

Viagra é considerado uma das 5 descobertas mais importantes da história da indústria farmacêutica

Simone Iwasso OESP

A pílula azul que se tornou mais conhecida - e mais vendida - do que a Aspirina completa hoje dez anos. Uma das cinco drogas mais importantes da história da indústria farmacêutica, ao lado da penicilina e da pílula anticoncepcional, o Viagra mudou comportamentos, devolveu a vida sexual a casais, alavancou boa parte das pesquisas de medicamentos nos anos 90 e fez com que a disfunção erétil acabasse se tornando um indicador de saúde do coração.

“É como se o pênis fosse a janela do coração”, resume a cardiologista Gisele Rodrigues, médica do Incor e chefe do Centro de Referência do Idoso da zona norte de São Paulo. “A disfunção erétil tem o componente psicológico,pois muitas vezes o homem pára de achar que é capaz, e o vascular, que são as alterações circulatórias”, explica ela.

Não por acaso, mais de 70% dos homens com dificuldades para ter ereção apresentam colesterol alto, diabete, hipertensão, síndrome metabólica ou algum outro problema. E os que ainda não apresentaram nenhuma doença do tipo, têm o dobro de chance de desenvolvê-las no futuro, segundo pesquisas.

É simples de entender o motivo: o endotélio, um tecido que recobre os vasos sanguíneos de todo o corpo, está também nas artérias do pênis. Quando o homem recebe um estímulo sexual, o cérebro envia uma mensagem ao organismo para que libere óxido nítrico, o que relaxa o tecido e permite a expansão dos vasos.

Então, um grande volume de sangue entra no pênis e ele aumenta de tamanho. Até poucos anos, quando havia um número menor de pesquisas sobre a disfunção erétil (chamada, até 1992, de impotência), os mecanismos envolvidos nesse processo ainda eram pouco conhecidos.

Quando o homem tem algum problema no endotélio, os vasos sanguíneos do pênis são os primeiros a serem danificados, pois são muito pequenos e bastante frágeis. “É problema médico. Sintoma de que alguma coisa não está bem”, diz Luiz Otávio Torres, presidente da Sociedade Latino Americana para Estudo da Impotência e Sexualidade.

Por isso, segundo ele, quando o homem compra o remédio na farmácia sem consultar um médico pode até resolver provisoriamente a dificuldade de ereção, mas vai continuar sem identificar a origem do problema. “Uma hora o remédio vai parar de fazer efeito, é tratar o sintoma sem tratar a causa”, sintetiza a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). “Esses medicamentos nos ajudaram a entender que o homem começa a cuidar do coração cuidando do pênis.”

Além disso, os remédios trouxeram a sexualidade para dentro dos consultórios. “Há dez anos não me lembro de perguntar aos meus pacientes sobre a vida sexual. Hoje, junto com as perguntas sobre hábitos, fumo, doenças, pergunto se eles têm problemas para ter ereções”, afirma Carlos Da Ros, da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

NOVO PARADIGMA

Foi em 1998 que a Pfizer lançou o Viagra no mercado, após 13 anos de pesquisas - originalmente, a substância era estudada para angina e ereções eram um efeito relatado pelos pacientes em teste. Com uma campanha agressiva de marketing, divulgação pela mídia e entre os médicos, o remédio, com poucas contra-indicações e fácil uso, logo virou líder de vendas. Reinou sozinho por cinco anos até que a Eli Lilly surgiu com o Cialis - que tem a diferença de ter efeito por até 36 horas desde que haja estímulo sexual. Pouco depois, a Bayer desenvolveu o seu, chamado Levitra - que começa a funcionar em 15 minutos e tem duração de até 8 horas. No Brasil, a Cristália desenvolveu o Helleva, que também está à venda no mercado brasileiro.

Perfil genético melhora combate ao câncer

Biomarcadores identificam caracteristicas específicas de tumor para usar medicamento de maior eficácia no tratamento

Precisão sobre tumor e tratamento com terapias-alvo auxiliam médicos a escolher quais pacientes podem ser beneficiados

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL FSP

O tratamento do câncer está se tornando cada dia mais individualizado, tendo como base o perfil genético de cada tumor e de cada paciente. A chave para essa nova realidade está no desenvolvimento de biomarcadores -agentes que reconhecem substâncias ou características específicas do tumor e se ligam a ele- já disponíveis no Brasil.
Esses testes, associados a drogas chamadas de terapias-alvo -que permitem que apenas as células cancerígenas sejam alvo do remédio- estão tornando os tratamentos mais eficazes, e a expectativa dos médicos é que sua utilização também tenha impacto no custo social dessas novas terapias.
Na prática, em vez de usar drogas oncológicas caras -que chegam a custar R$ 30 mil mensais- para todos os pacientes com um determinado tipo de tumor, os médicos terão ferramentas para escolher quais pacientes vão se beneficiar com o tratamento e descartar o uso nos demais.
"Em vez de utilizar um remédio em cem pessoas para que só dez delas se beneficiem, você vai usar apenas nas dez em que ele funciona", diz o médico Auro Del Giglio, coordenador do programa de oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein.
"As terapias-alvo são caríssimas e a alternativa mais esperta é definir o perfil de quem deva recebê-las", diz Giglio.
Estudos que serão divulgados hoje em um congresso mundial de câncer em Chicago (EUA) vão mostrar que a presença da mutação de um gene (K-ras) em um grupo de pacientes com câncer de colorretal provoca resistência ao uso de uma dessas terapias-alvo, o cetuximabe (Erbitux).
"Você não expõe metade dos pacientes que receberia a medicação sem benefício. Você tem uma economia financeira e de efeitos colaterais em alguém que tomaria o remédio sem chances de benefícios", diz Paulo Hoff, que dirige áreas de oncologia do Hospital Sírio Libanês e do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Segundo ele, o K-ras como biomarcador está sendo utilizado experimentalmente no Brasil. Outros testes, para tumores de mama e do sistema gastrointestinal, já são usados como rotina em centros oncológicos de ponta do país.
Conhecer o perfil genético do tumor é importante porque um mesmo tipo de câncer pode se comportar e reagir aos tratamentos de modo diferente. Além disso, o câncer é mutável e pode fazer o paciente deixar de responder a uma terapia.
As terapias-alvo têm ação específica: algumas, por exemplo, agem nas moléculas responsáveis pela divisão das células cancerosas, impedindo que elas se multipliquem de forma desordenada, e outras agem para o tumor parar de crescer.

Custo
Grande parte dessas terapias-alvo não está disponível no SUS e nem é coberta pelos planos de saúde. O recurso cada vez mais freqüente para a aquisição dessas drogas tem sido ações judiciais, que comprometem o orçamento da saúde de Estados e municípios.
O cirurgião oncologista Benedito Mauro Rossi, do Hospital AC Camargo, diz que em razão do custo e da alta especificidade desses tratamentos, a indicação deve ser restrita a casos com comprovação do benefício. "Não podemos perder o foco no custo-benefício e nas evidências científicas publicadas."
Auro Del Giglio, do Einstein, cita um exemplo de dilema sofrido no serviço público -ele também atua no setor de oncologia da Faculdade de Medicina do ABC.
"Eu, com R$ 100 mil, consigo pagar a quimioterapia ambulatorial de todas as crianças que a gente trata. Aí a gente tem um teste [genético do tumor] que custa R$ 5.000. Eu faço 20 testes e não dou quimioterapia para as crianças?", questiona.

E vamos nessa

RIO DE JANEIRO - A decisão do Supremo sobre pesquisas com embriões mantém a Lei de Biossegurança e está sendo encarada como um passo importante para a ciência. Não serei eu que ficarei à beira do cais do Restelo amaldiçoando as caravelas que partiam com o grande Vasco em busca de novos caminhos para a humanidade.
Mas faço parte daqueles que, como alguns ministros do STF, mesmo votando a favor das pesquisas, fizeram algumas restrições. Nada entendo de genética, mas entendo o pessimismo que não leva a nada, mas sempre acende dentro de nós aquela luzinha vermelha de que alguma coisa pode ser inútil ou dar errado.
Lembro um debate na Câmara Municipal ao tempo em que o Rio era ainda Distrito Federal. Na tribuna, um vereador, Manuel Blasques, dono de uma rede de lojas de ferragens, fazia um discurso sobre não lembro mais o quê. O vereador R. Magalhães Jr., um intelectual, acadêmico, aparteou-o com alguma ferocidade, classificando o orador de "taylorista".
Manuel Blasques estancou. Olhou para cima, para os lados, para dentro de si mesmo, e com voz pausada, educadíssima, respondeu: "Vossa Excelência me chama de alguma coisa que não entendo. Se isso é um elogio, eu agradeço e retribuo. Se é uma ofensa, fique sabendo que isso é a mãe de Vossa Excelência!".
Penso sempre nesta sábia resposta do Manuel Blasques quando não estou muito seguro das coisas -o que é freqüente e, no meu caso, bastante antigo. Penso nos aviões se houvesse lei proibindo as tentativas dos pioneiros. Leonardo foi quase condenado por dissecar corpos para compreender a anatomia que o tornou o maior escultor da história.
Não ficarei como o velho do cais do Restelo, amaldiçoando aquele que colocou uma vela num frágil lenho.
CARLOS HEITOR CONY

Estudos feitos com embrião são só uma "aposta", diz biólogo

Para Stevens Rehen, país tem de seguir tendência mundial de pesquisa em células-tronco, mas sucesso não é certeza

Pesquisadores brasileiros têm de colaborar mais entre si, afirma neurocientista, que critica a "sonegação de informação científica"

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL FSP

Com a anuência do Supremo Tribunal Federal, o Brasil pode agora, enfim, "apostar" nos estudos com células-tronco embrionárias. Essa é perspectiva para grupos de pesquisa nacionais de biologia molecular, diz o neurocientista Stevens Rehen, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ele é um dos dois pesquisadores que tentam, dentro do país, cultivar células-tronco retiradas de embriões humanos.
Não há certeza ainda, porém, de que elas renderão novas terapias. "É uma aposta, mas uma aposta fundamentada. E pode ser que todo mundo dê com os burros n'água daqui a alguns anos", disse o pesquisador à Folha. De acordo com Rehen, depois de o Supremo ter validado a Lei de Biossegurança, o que vem agora chega até a "assustar", por ser muito novo.
"Mas a ciência avança assim. Que bom que podemos apostar nisso. O Brasil sempre fica a reboque, como ocorreu com o Projeto Genoma, quando entramos tarde no processo", diz o cientista, que calcula que o Brasil terá sua linhagem de células próprias em até dois anos.
O fato de as pesquisas com células embrionárias estarem liberadas para embriões congelados antes de 2005 traz um certo alívio, mas está muito longe de resolver o problema. Segundo o cientista carioca, esse material congelado há alguns anos, "falando friamente", não é o ideal. "Não quer dizer que seja impossível [retirar as células desses embriões], mas o desafio passa a ser maior".
Além das complicações intramuros na bancada dos laboratórios, diz Rehen, no campo político o Brasil tem de escolher um modelo estratégico que não desperdice recursos financeiros para gerar os insumos de pesquisa necessários.
"Não precisamos de 50 laboratórios no Brasil produzindo células-tronco embrionárias. Se tivermos um ou dois que gerem linhagens celulares suficientes para pesquisadores de qualquer parte do Brasil está bom", afirma. "Não dá para querer gerar um cultura de célula em cada esquina."
Em paralelo à ação orquestrada do governo, o neurocientista da UFRJ também defende uma postura diferente da própria comunidade científica.

Gente em falta
Para Rehen, os cientistas brasileiros precisam colaborar mais. "Não tem de ter sonegação de informação científica. É o momento de abrirmos as portas do laboratório para que mais pessoas possam trabalhar. Se não houver um esforço coletivo, nada vai avançar", diz.
O número relativamente reduzido de cientistas atualmente no Brasil, apesar de muitos dos biólogos serem bem qualificados, é outro gargalo que precisa ser resolvido, diz o neurocientista. Rehen trabalha especificamente tentando fazer com que o material celular embrionário possa ser diferenciado em neurônios. As células dele vieram dos EUA.
"O mais importante agora, também, é formar mais gente. Nem adianta fazer como a Califórnia, investir até US$ 3 bilhões em projetos de pesquisa, porque não teremos grupos para usar todos esses recursos".
Segundo Rehen, os R$ 21 milhões anunciados pelo governo federal para todos os estudos com células-tronco, inclusive as adultas, é razoável. "A idéia do trabalho em rede é boa porque permite investir com profissionalismo", diz.
Mesmo ainda sem muitos grupos envolvidos diretamente com as células-tronco embrionárias - projetos de ponta existem em locais como a UFRJ, USP (Universidade de São Paulo), Unesp (Universidade Estadual Paulista) e UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)- o Brasil, segundo Rehen, não pode ser rotulado como atrasado. "Principalmente se formos comparar com todo o hemisfério Sul, com exceção da Austrália", diz.
O atraso em relação aos EUA e a alguns países da Europa, como a Inglaterra, é histórico, afirma o pesquisador.
No Reino Unido, por exemplo, a discussão nos tribunais também está mais avançada. A Corte, lá, acaba de liberar o uso de embriões híbridos, que têm material humano e de vaca. "Aqui nós estamos discutindo coisas anteriores ainda", diz Rehen, que já antecipa uma dor de cabeça legal que pode surgir no futuro para os ministros do STF resolverem.
"Imagine se nessas pesquisas com células reprogramáveis um material de pele se transformar em um espermatozóide. Será possível gerar um filho sem que o pai saiba, ou seja, a partir da pele de alguém."
No caso brasileiro, Rehen não tem dúvida de que o componente religioso e conservador surgiu nos debates do STF pois no imaginário coletivo existe uma ligação entre as células-tronco e o aborto. "Diretamente, não tem nada a ver."
Para resolver isso, diz o cientista da UFRJ, a solução é aumentar a cultura científica da população. "É mais uma questão de formação básica mesmo, que precisa melhorar."