quarta-feira, 9 de abril de 2008

USP aumenta bônus para estudantes de escolas públicas

Com a mudança, estudantes poderão ter acréscimo de até 12% nas notas em cada uma das fases do vestibular da Fuvest

O programa da universidade, chamado de Inclusp, visa aumentar a presença dos estudantes das escolas públicas na instituição

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

Sem atingir a expectativa inicial de aumento na aprovação de estudantes de escola pública em seu vestibular, a USP decidiu ampliar seu programa de bonificação a alunos dessa rede no próximo exame.
Com a mudança, os estudantes do sistema público poderão ter acréscimo de até 12% em cada uma das duas fases do vestibular. Hoje, a bonificação é de 3%, também nas duas fases.
Lançado há dois anos, o programa da universidade, chamado de Inclusp, visa aumentar a presença dos estudantes das escolas públicas na instituição. Eles representam 85% das matrículas no Estado, mas são perto de 25% dos aprovados no vestibular da universidade.
Para se chegar aos 12% de bônus, haverá três tipos de benefício. O primeiro são os 3% já anunciados, que serão mantidos. O segundo será por meio de uma prova específica para a rede pública, a ser aplicada até outubro (inicialmente, apenas ao 3º ano do ensino médio).
Esse exame, chamado de avaliação seriada, poderá render outros 3% para o aluno, caso ele acerte todo o exame -a bonificação será proporcional ao desempenho. A prova será desenvolvida pela USP e custeada pela Secretaria da Educação.
A intenção é que o exame cubra apenas o conteúdo dos parâmetros curriculares nacionais. O vestibular da Fuvest chega a exigir conhecimentos além desses parâmetros, sob a argumentação de que é necessário selecionar os melhores entre uma concorrência muito grande pelas vagas.
Outro tipo de bonificação virá por meio da nota no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). A nota na prova do governo federal poderá render um acréscimo de até 6% no vestibular -a bonificação também será proporcional ao rendimento do estudante na prova.

Percentual
Segundo a universidade, 26,3% dos aprovados no vestibular para ingresso neste ano estudaram em escola pública. Antes do bônus, eram 24,7%.
No lançamento do Inclusp, a reitora Suely Vilela anunciou que a projeção era que a proporção de estudantes da rede pública aprovados chegasse a 30% -o que ainda não ocorreu.
Pela simulação da USP, caso não houvesse a bonificação, o percentual teria diminuído no período, pois têm caído as inscrições desses estudantes no vestibular (fato motivado, segundo a USP, pela maior oferta de vagas em instituições públicas e pelo ProUni).
"Os dados mostram a importância do programa. Aliado ao bom desempenho dos estudantes beneficiados nos cursos, sentimos segurança em ampliar a bonificação", disse a pró-reitora de graduação da USP, Selma Garrido Pimenta.
"A queda nas inscrições prejudicou. Desta vez, preferimos não divulgar uma meta. Mas temos certeza de que a proporção de aprovados vai aumentar. A avaliação seriada deverá aproximar a USP da escola pública", afirmou Pimenta.
"Os resultados, até o momento, são insuficientes. Praticamente não houve inclusão", disse a promotora Érika Pucci da Costa Leal, do grupo de inclusão social do Ministério Público Estadual, que investiga a eficácia do programa da USP.
Leal afirma que ainda não teve acesso às mudanças anunciadas pela universidade.
O coordenador-executivo do vestibular da Unicamp, Leandro Tessler, afirma que as alterações deverão surtir efeito positivo. "Com mais incentivo, a tendência é que mais estudantes da escola pública prestem o exame, o que deve ter impacto no resultado final."

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Dengue: incompetência e demagogia

PAULO CAPEL NARVAI


O mosquito "Aedes aegypti", diz a mídia, causa as mortes por dengue no Rio.
Mas não é o mosquito que mata. É a política



O MOSQUITO Aedes aegypti, diz a mídia, causa as mortes por dengue no Rio de Janeiro. Apenas os "idiotas da objetividade" acreditam nisso, diria Nelson Rodrigues. Não é o mosquito que mata, mas a política. No cenário carioca, a política de saúde é vítima da incompetência e da demagogia. Ingênuos ou mal-informados estão aceitando a tese da perda de controle sanitário da dengue por incompetência de "todos os governos". A tese pode ser simpática, parecer justa, razoável, mas é equivocada. E injusta, sobretudo com o ministro da Saúde. A suposta igualdade de responsabilidades não resiste aos fatos nem ao ordenamento institucional, pois são completamente distintas as atribuições dos governos federal, estadual e municipal. Não só no Rio, mas em todo o país. Tem sido assim desde a regulamentação, em 1990, dos artigos que criaram o SUS (Sistema Único de Saúde), na Constituição de 1988. Desde então, cabe aos municípios "comandar o SUS" no seu território, estendendo-se tal comando também aos órgãos de saúde estaduais, federais e às entidades particulares. Para que o comando municipal do SUS não fira a autonomia dos entes federativos, o sistema conta com órgãos colegiados de gestão nos quais estão representadas as três esferas de governo. Cabe, pois, aos municípios exercer esse comando. É o que vem acontecendo em milhares de municípios onde o SUS não só não está falido como tem prestado relevantes serviços. A um custo, vale assinalar, de cerca de R$ 1/dia/habitante. Nos EUA, apenas para comparar, o sistema de saúde custou em 2006, segundo o "New York Times" (8/1/08), R$ 34,5/dia/habitante. Nos últimos anos, além de realizar mais de 2 milhões de partos e 12 mil transplantes, o SUS evitou uma devastadora epidemia de cólera, eliminou a poliomielite e controlou o sarampo. Com tão poucos recursos, sobrevive graças aos baixos salários dos trabalhadores do setor e, paradoxalmente, à sua enorme dedicação. Ao contrário do resto do Brasil, no Rio tem imperado a tese de que as instituições de saúde não se misturam e cada um cuida só do que é seu. Prevalece ali um ambiente de verdadeiro separatismo sanitário que está na raiz dos problemas que a cidade vem enfrentando nos últimos anos. O líder separatista é o prefeito carioca. Com a cabeça na institucionalidade sanitária do século passado, Cesar Maia ignora completamente o SUS como uma política de Estado, que requer ações articuladas das três esferas de governo, e não deste ou daquele governo, deste ou daquele partido. Sua visão parece não alcançar além "dos hospitais municipais". Quem analisa o discurso sobre saúde do alcaide do Rio percebe que ele nada diz sobre o SUS e seus desafios na cidade. Ocupa-se, em geral lamuriento, dos "hospitais municipais", que distingue e separa dos "hospitais federais". Não é correto e não é justo, neste momento, pretender compartilhar iguais responsabilidades com outras esferas de governo. Qualquer criança bem informada sabe que, no caso da dengue, para a qual não há vacina nem medicamento específico para a cura, as ações de controle do mosquito são essenciais no enfrentamento da epidemia. E ninguém ignora que, no sistema de distribuição de responsabilidades do SUS, realizar essas ações cabe ao município. Não se deve tergiversar sobre isso com frases de efeito tais como "o mosquito não é nem federal, nem estadual, nem municipal". Funciona como gracejo, mas não explica nada. Além das mortes, dois aspectos preocupam nos acontecimentos do verão carioca. Primeiro: a atitude do prefeito é emblemática do modo como muitas autoridades públicas olham para a saúde: querem sempre tirar vantagens eleitorais e se livrar dos problemas ao primeiro sinal de dificuldade. Segundo: o apelo à hospitalização e aos especialistas, plenamente justificado dado o descontrole da epidemia, lamentavelmente reforça, até no plano simbólico, uma distorção do SUS. Em vez de investir a maior parte do orçamento nas ações primárias de saúde, os recursos do sistema seguem sendo drenados para os hospitais, que ficam com mais de 80% do dinheiro da saúde pública. E, vale assinalar, mais de dois terços dos leitos hospitalares no Brasil pertencem a organizações privadas. Neste 7 de abril, Dia Mundial da Saúde, muitas famílias brasileiras choram seus mortos, vítimas de um mosquito. De um mosquito? Não: vítimas de políticas públicas, incompetência e demagogia.


PAULO CAPEL NARVAI , 53, doutor em saúde pública, é professor associado da Faculdade de Saúde Pública da USP. Coordena o programa de pós-graduação em saúde pública da USP e representa a universidade no Conselho Municipal de Saúde de São Paulo.

Mais ensino técnico

Projeto do MEC pretende induzir ampliação de vagas no sistema S para formação profissional, gargalo do crescimento

FSP
O CHAMADO sistema S, composto pelos serviços sociais e de aprendizagem ligados a confederações setoriais, goza de merecido prestígio na sociedade. A face mais visível de sua contribuição se apresenta na política cultural, com o Sesc (Serviço Social do Comércio) à frente. Na aprendizagem técnica, porém, a estrutura pode ser mais bem ajustada às necessidades do país.
Chegou a tal ponto o gargalo nacional da mão-de-obra qualificada que empresas brasileiras articuladas com o mercado global já começam a recrutar no exterior. Os serviços nacionais de aprendizagem -Senai (indústria), Senac (comércio), Senar (setor rural), Senat (transportes) e Sescoop (cooperativismo)- deveriam dar uma ajuda substancial para desfazer esse nó.
O sistema S arrecada de empresas R$ 8 bilhões por ano, ou 2,5% da folha de pagamento dos respectivos setores. Cerca de R$ 3,2 bilhões (40%) são destinados à formação profissional; o restante (R$ 4,8 bilhões) vai para serviço social. O ministro da Educação, Fernando Haddad, propõe um modelo de financiamento para inverter tal relação e induzir a criação de até 2 milhões de vagas de ensino técnico.
Dentro de poucas semanas a idéia poderá materializar-se num projeto de lei para instituir cinco Fundos Nacionais de Formação Técnica e Profissional (Funtep), um para cada setor. Eles passariam a receber 60% daquela dotação, ou R$ 4,8 bilhões. Além disso, as entidades do sistema S seriam obrigadas por lei a destinar estes recursos à formação profissional em bases diversas das atuais.
Todas as vagas teriam de ser gratuitas e ocupadas por estudantes da rede pública ou bolsistas (não pagantes) da particular. Em lugar de cursos de curta duração, como os que hoje predominam, os serviços teriam de oferecer, de modo prioritário, currículos que complementassem os três anos regulares de ensino médio com um ano a mais, dedicado à formação técnica.
A grande inovação em exame pelo governo residiria no critério de distribuição dos recursos. Hoje os departamentos regionais dos cinco serviços recebem uma verba proporcional à arrecadação de sua base e a despendem como julgam melhor. Se vingar a proposta do MEC, pelo menos 80% dos R$ 4,8 bilhões projetados por ano seriam repassados de modo proporcional ao número de vagas gratuitas oferecidas.
O dispositivo, engenhoso, introduziria um elemento de competição hoje ausente. O serviço que conseguisse reduzir seus custos e aumentar a quantidade de alunos atendidos faria jus a uma parcela maior do fundo.
Na concepção de Haddad, o sistema de aprendizagem ganharia transparência. Tanto o custo por aluno quanto a avaliação da qualidade do ensino técnico oferecido seriam divulgados periodicamente. Haveria um ganho considerável para o sistema S.
A idéia passa ao largo da tentação sempre presente no governo de apropriar-se de recursos alheios para desperdiçá-los na reestatização de atividades que são mais eficientes se realizadas por organizações sociais. Cabe ao poder público apenas dar-lhes diretrizes claras e cobrar resultados -e o projeto dos Funteps aponta nessa direção.

domingo, 6 de abril de 2008

Um grande voto no julgamento do ProUni


O ministro Carlos Ayres Britto defendeu o programa com uma exaltação da igualdade social

Elio Gaspari FSP

BENDITA A HORA em que o DEM (ex-PFL) e a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino resolveram bater às portas do Supremo Tribunal Federal, sustentando a inconstitucionalidade dos atos que criaram o ProUni. Levaram para a Corte a discussão da legalidade de ações afirmativas baseadas em critérios de renda e de raça para o acesso ao ensino superior. Na semana passada, tomaram a primeira pancada, pelo voto do ministro-relator Carlos Ayres Britto.
O ProUni troca por bolsas de estudo as imunidades tributárias dadas às universidades particulares. Coisa como 10% das vagas disponíveis. O programa já atendeu 310 mil jovens oriundos da rede pública e neste ano formará a sua primeira turma, com 60 mil bolsistas. Há 100 mil estudantes pré-selecionados para a próxima rodada de matrículas. Para receber uma bolsa integral, a renda per capita familiar do candidato não pode ser superior a 1,5 salário mínimo. Por exemplo, um casal com dois filhos não pode ganhar mais de R$ 1.648. As vagas do ProUni também devem ser preenchidas favorecendo o acesso de candidatos afro-descendentes (quem não gosta da expressão pode chamá-los de "descendentes de escravos"). A concessão de bolsas deve acompanhar os percentuais de diversidade de cada Estado, conforme o censo do IBGE. Há um regime de bolsas parciais, que segue critérios semelhantes.
Segundo a Confenen e o DEM, esses critérios são inconstitucionais porque violam o princípio da igualdade entre os cidadãos. (Eles faziam outras restrições, também rejeitadas pelo relator.)
Britto julgou improcedente o pedido, argumentando em cima do nervo da questão: o que é a igualdade numa situação de desigualdade? Nas suas palavras: "Não há outro modo de concretizar o valor constitucional da igualdade senão pelo decidido combate aos fatores reais de desigualdade. (...) É como dizer: a lei existe para, diante dessa ou daquela desigualação que se revele densamente perturbadora da harmonia ou do equilíbrio social, impor outra desigualação compensatória".
Em vez de tentar derrubar quem está em cima, empurra-se quem está em baixo. Tome-se o caso de dois jovens reprovados nos rigorosos vestibulares das universidades públicas, gratuitas. Um, de família mais abonada, vai para uma faculdade particular, paga. O outro iria à lona, mas, com o ProUni, vai à aula.
Britto buscou uma parte de sua argumentação na Oração aos Moços, de Rui Barbosa: "A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. (...) Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real".
O voto de Britto trata só do Pro-Uni. Sua linha de raciocínio abre um guarda-chuva conceitual que antevê próximos julgamentos, quando o STF será chamado a decidir sobre a constitucionalidade do regime de cotas em inúmeras universidades públicas. Terminada a leitura, na quarta-feira, o processo do ProUni foi suspenso por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa e recomeçará em poucas semanas. Se o DEM e a Confenen não tivessem cutucado as togas com vara curta, essa bonita discussão não teria sido aberta.