quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Serra e a busca do rumo

No domingo, no post “Política e cérebro emocional” comentei um artigo do Eduardo Graeff e sugeri que, ao contrário do que ele dizia, o caminho para o presidenciável do PSDB estaria em esquecer a herança fernandista, admitir os avanços do lulismo e dar um passo à frente: tornar-se um fundamentalista do desenvolvimento.

Terminava enfatizando a importância de um dos trechos do artigo do Graeff: “Também não basta ter valores. É preciso pregá-los sem medo de ser repetitivo e traduzi-los em declarações de princípio que mostrem ao eleitor que o candidato conhece seus problemas e sabe como enfrentá-los, mesmo sem entrar em detalhes”.

Em outro artigo, “O PSDB e o fundamentalismo” mostrava o erro fundamental de Nelson Rockefeller, de abandonar o discurso liberal justo na hora em que os ventos lhe eram favoráveis. Colocava um alerta: “O que está ocorrendo agora com o PSDB é essa mesma perda de rumo. É o partido quem está se apegando ao fundamentalismo, não o PT. Não tomem manifestações isoladas como sendo governo Lula. O segundo governo Lula está caminhando aceleradamente para a centro-esquerda, ocupando os espaços, dando seguimento a todas as idéias que FHC não teve vontade ou coragem de tocar”.

Em seu artigo de hoje no “Valor”, a excelente Maria Cristina Fernandes traz informações sobre a estratégia do presidenciável José Serra.

• Os batalhões do governador de São Paulo, José Serra, que aparece no topo da lista dos presidenciáveis da pesquisa CNT-Sensus, estarão aprisionados no PSDB, mas não necessariamente marcados a ferro e fogo por um discurso de oposição

• Nas declarações públicas sobre o leilão das rodovias federais, Serra não passou recibo das reiteiradas comparações em que o quilômetro rodado em São Paulo chega a ser até nove vezes maior do que o das novas estradas. Saudou o leilão como uma boa notícia e prepara-se para anunciar as novas regras as próximas licitações paulistas.

• Não é, portanto, uma candidatura de confronto que se arma. O discurso é o do desenvolvimento. O que, face à toada do PAC, é quase uma promessa de continuidade no estilo fazer mais e melhor. A aposta é que a recíproca também será verdadeira. E que Lula, apesar de melhor cabo eleitoral do que foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não se arriscaria a ter uma postura agressiva contra os candidatos de fora de sua base.

• A candidatura que se constrói nas colinas do Morumbi, é muito diferente daquela de 2002. Se naquele ano projetou-se em Lula o risco De La Rua, em 2010 é nas próprias hostes do governador paulista que se cultiva o 'risco Serra' - um candidato que vê a política monetária do governo Lula, como a de seu antecessor, excessivamente atrelada ao mercado financeiro e atribui a uma inexistente ameaça inflacionária o ritmo excessivamente lento da redução da taxa de juros. No baralho de 2010, Serra monta o jogo em busca de uma carta à esquerda do ás.

Serra começa a esboçar um movimento para se libertar da armadilha desse radicalismo maniqueísta e tolo praticado por parte relevante do partido e da mídia.



enviada por Luis Nassif

Dengue cresce, e ministro admite epidemia no País

Número de casos chegou a 481,3 mil até setembro, quase 50% a mais do que no mesmo período de 2006; Temporão anunciou campanha

Eduardo Kattah

O Brasil vive uma nova epidemia de dengue, com um aumento de 50% dos casos da doença registrados entre janeiro e setembro deste ano em comparação ao mesmo período de 2006. O alerta foi feito ontem pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que classificou a situação de “injustificável” e “inadmissível” durante o lançamento da campanha nacional de mobilização contra a doença. Temporão se referia também às 121 mortes registradas nos primeiros nove meses deste ano, número que só fica atrás dos 150 óbitos confirmados em 2002, o pior ano da doença no País.

Segundo Temporão, o alto índice representa deficiência no atendimento à forma hemorrágica da doença. Conforme dados do Ministério da Saúde, de janeiro a setembro, o País registrou 481,3 mil casos da doença. No ano passado, no mesmo período, foram 321,3 mil infectados.

O ministro informou que, do total de casos neste ano, 1.076 pessoas contraíram a dengue hemorrágica, principalmente nos Estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Maranhão. No quadro comparativo com 2006 do número de casos notificados, a região Sul foi a que apresentou maior curva ascendente (828,16 %), seguida por Centro-Oeste (99,95%), Norte (31,34%), Nordeste (30,43%) e Sudeste (19,81%).

Nesta última, o aumento de casos foi puxado pelo Rio (75,64%) e por São Paulo (20,75%) - com um total de 64.310 notificações até setembro contra 53.259 no mesmo período do ano passado. Minas e Espírito Santo apresentaram resultado negativo, -5,22% e -27,92%, respectivamente.

“É uma epidemia. E essa epidemia é preocupante”, disse Temporão, citando a dificuldade de combater o mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença, e o vírus por sua variedade de sorotipos, o que “coloca obstáculos” ao desenvolvimento de uma vacina. “Infelizmente, essa vacina não está no horizonte próximo”, destacou o ministro, que, antes de lançar a campanha, se reuniu com especialistas em Belo Horizonte.

A preocupação imediata do ministério será zerar o número de mortes. “O índice que nós alcançamos é inadmissível, o que demonstra problema de atendimento e fragilidade da organização do sistema de saúde.”

O biólogo Adriano Fernandes Ogera, da Coordenadoria de Vigilância em Saúde, vinculada à Secretaria da Saúde de São Paulo, disse que uma das maiores dificuldade enfrentadas no combate à dengue é a recusa de moradores em receber os agentes. “A maior parte dos moradores não se sente segura em recebê-los. Tentamos resolver o problema com parcerias, o que tem dado certo. Mas algumas pessoas oferecem resistência.”

INICIATIVAS

Ontem, o ministro anunciou iniciativas, como a distribuição de um caderno com informações sobre a dengue para todas as equipes do Programa Saúde da Família e uma parceria com a Associação Médica Brasileira e o Conselho Federal de Medicina para o envio de 300 mil CD-ROMs a médicos. Com o tema “Combater a dengue é um dever meu, seu e de todos. A dengue pode matar”, a campanha será veiculada de forma regionalizada, com jingles em ritmos diferentes. Começa em rádios e TVs do Sudeste e Centro-Oeste e vai até 24 de novembro. No Sul e no Norte será veiculada de 4 de novembro a 16 de dezembro e, no Nordeste, até março.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Salário não melhora ensino, diz secretária

Maria Helena, titular da pasta de Educação, diz que Estados com as melhores avaliações não pagam salários mais altos

José Serra afirma que São Paulo paga o que pode e considera sem cabimento comparação com salário do professor no Acre

FÁBIO TAKAHASHI
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A secretária estadual da Educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, afirmou ontem que qualidade de ensino não tem relação com salário dos professores.
A declaração foi feita em resposta à reportagem de ontem da Folha, que mostrou que o governo paulista paga R$ 8,05 por hora -39% menos que o Acre (R$ 13,16)- para professores em início de carreira e é apenas o oitavo melhor salário do país.
"O quadro mostra, com clareza, que não há uma relação direta entre salário e qualidade do ensino, embora a questão salarial seja fundamental para valorização dos professores", disse a titular da pasta do governo José Serra (PSDB).
Maria Helena cita o fato de Estados como Minas Gerais e Distrito Federal (governados por PSDB e DEM, respectivamente) estarem entre os três melhores desempenhos da quarta série no Saeb (exame do governo federal), embora não tenham os salários mais altos. Ficaram em 17º e 19º.
Questionada sobre o Acre, que é o campeão dos salários e aumentou 13,8 pontos no Saeb entre 2003 e 2005 (São Paulo avançou 1,1), ela disse que o Estado melhorou porque manteve a mesma política educacional desde o início dos anos 90.
Antonio Chizzotti, professor da Faculdade de Educação da PUC-SP, discorda: "Uma das questões fundamentais na qualidade de ensino é a remuneração do docente". Para ele, o professor precisa ter condições de estudar, comprar livros, ir ao teatro. "Tudo isso é formação", diz. "E não dá para cobrar bom trabalho de um funcionário a que se paga mal."
A declaração da secretária foi dada durante cerimônia no Palácio dos Bandeirantes, em que Serra sancionou seis projetos aprovados na Assembléia.
Serra considerou "sem cabimento" comparar São Paulo ao Acre, pois, disse, o Estado do Norte praticamente não gasta com aposentados e possui cerca de 70% a mais de recursos disponíveis por habitante (somando arrecadação estadual e transferências federais).
Serra reclamou também do fato de a reportagem não somar ao salário as gratificações pagas aos professores. A reportagem mostrou, porém, que o salário acreano (sem contabilizar a gratificação) é maior que a remuneração paga em São Paulo (incluindo gratificação).
Sobre o fato de Alagoas também pagar mais, Serra disse: "Viva Alagoas, está muito bom. No caso de São Paulo, não é possível. Aliás, o Estado de Alagoas quebrou por algum motivo. Não estou dizendo que foi especificamente esse assunto".
Após a entrevista coletiva, o governador afirmou à Folha que São Paulo paga "dentro das possibilidades do Estado hoje".
Entre as medidas apresentadas ontem estão a antecipação para este mês do bônus que seria pago em 2008; possibilidade de pagamento em dinheiro de parte da licença-prêmio; incorporação de gratificação que beneficiará os aposentados; e a seleção de 2.545 secretários de escola e de 12 mil professores coordenadores.
O ministro da Educação, Fernando Haddad, disse ontem que o piso salarial nacional para professores, aprovado na Câmara dos Deputados (R$ 950), pode ajudar a melhorar a situação dos docentes. "Mas, como professor, e no dia dos professores, não posso dizer que considero [o valor] ideal."

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Os indicadores de educação

Dois pontos centrais, nas modernas políticas públicas, são o uso intensivo de indicadores de acompanhamento; e processos de avaliação que permitam a remuneração variável, por desempenho.
Em geral existem bons bancos de dados nas áreas sociais, educação, saúde, famílias. Mas ainda há pouco uso adequado dos dados, para que sejam transformados em indicadores eficientes.
Uma das áreas mais complexas é a da educação. Primeiro, pela dificuldade em definir uma métrica que permita comparar desempenhos de diversas regiões. Depois, pelo fato de que muito do desempenho de uma escola depende do entorno, da situação social dos alunos.

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Esse é o desafio da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, Maria Helena Guimarães, responsável pelo grande avanço dos indicadores de educação na gestão Fernando Henrique Cardoso, na qualidade de presidente do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). E que assumiu há meses a Secretaria da Educação do estado.

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O sistema educacional paulista passou por uma razia na gestão Gabriel Chalita, um jovem delfim que privilegiou o marketing em detrimento de normas mínimas de avaliação e de gestão.

Um dos pontos centrais foi a questão da educação continuada, um método pedagógico que, segundo os especialistas, costuma ser eficaz quando bem aplicado. A idéia básica é a de que nem todos os alunos têm o mesmo ritmo de aprendizado. Então, abole-se a avaliação de aprovação a cada ano, ao mesmo tempo em que se montam sistemas de reforço para os alunos mais fracos.

O problema é que, principalmente a partir da gestão Chalita, desmontaram-se os sistemas de reforço. Apenas na 4ª e na 8ª séries (que reprovavam) tentava-se o reforço. Mas aí ocorria um déficit de aprendizado impossível de se tirar no curto prazo. E, pior, perdeu-se o referencial de avaliação e de comparação entre as escolas.

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A primeira mudança, pós-furacão Chalita, foi a revisão dos sistema de avaliação ao longo ao ano para as 5.400 escolas, todas obedecendo à escala de nota de 0 a 10 e notas a cada dos meses.
A segunda foi estabelecer sistemas externos de avaliação. No Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), o professor aplicava a prova a ele mesmo dava a nota. Era impossível uma avaliação isenta. Contratou-se, então, um sistema externo de avaliação, através da Fundação Carlos Chagas.

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O segundo ponto foi adaptar o Saresp à metodologia do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), o sistema nacional de avaliação, para permitir comparações. Essa avaliação, com metodologia consagrada internacionalmente, permite montar duas linhas gradativas de avaliação, para matemática e português. O SAEB é aplicado na Prova Brasil, da qual São Paulo não participou nos últimos anos.

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A partir daí, será possível avaliar escolas individualmente. A idéia será, a partir do Saresp 2005, definir um marco zero e premiar toda escola que conseguir avanços a cada ano. A premiação permitirá até 16 salários, a serem rateados por todos os funcionários e professores.

Mas falta definir melhor os critérios de gestão, que irão se somar aos pedagógicos.

Modelo pedagógico

O avanço final será a definição de um modelo pedagógico desenvolvido pela própria Secretaria. A Secretária anterior, Maria Lúcia Vasconcellos, encomendou o desenvolvimento desse material didático, contendo conteúdos curriculares básicos para 5ª a 8ª séries, com a assessoria de dois educadores renomados, Náercio Menezes, da USP, e Francisco Soares, da UFMG. Esses cursos nos substituirão os livros didáticos.

Interior e capital

O sistema educacional médio paulista tem 2,6 milhões de alunos na Grande São Paulo e 2,4 milhões no interior. A qualidade das escolas estaduais do interior é infinitamente melhor que na capital. No caso da capacidade de leitura escrita na 4ª série, por exemplo, a diferença de notas é de 5 para o interior contra 3 na Grande São Paulo. Umas das razões é a maior estabilidade do corpo docente e das famílias.
Critérios de avaliação

Na avaliação das escolas estaduais, o desempenho dos alunos responderá por 70 a 75% da avaliação. De 25% a 30% serão assiduidade dos professores, estabilidade das equipes e critérios de eficiência de gestão, que estão sendo preparados pela Secretaria da Fazenda. Mas há dificuldades. Como saber se o maior ou menor gasto com ar condicionado se deve às diferenças de temperatura ou a desperdício?

Luis Nassif

domingo, 14 de outubro de 2007

Expansão da ciência e tecnologia é maior no interior paulista

Concentração de mestres e doutores, produção de artigos e geração de empresas indicam vitalidade da região

Eduardo Nunomura

São Carlos, Campinas, Piracicaba, Bauru e Ribeirão Preto têm sozinhas mais mestres e doutores a cada 100 mil habitantes se comparados aos da capital. Nas cidades do entorno de Araraquara, há quatro vezes mais cientistas. O interior é responsável por um quarto da produção científica nacional e abocanha mais da metade dos financiamentos federais destinados ao Estado. Das universidades e dos institutos nesta região, sai o conhecimento que abastece e cria empresas tecnológicas. Três em cada quatro projetos de inovação aprovados pela Fapesp são de fábricas com sotaque caipira. Graças a esses números, São Paulo publica hoje tanto quanto Espanha, Austrália, Irlanda ou Canadá.

“A aprovação dos projetos é em função da demanda, o que indica uma vitalidade intensa do interior”, diz o diretor-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique de Brito Cruz. “O interior está bem articulado e competitivo em relação à capital”, acrescenta Marco Antonio Zago, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os dois são cientistas, um de Campinas e o outro de Ribeirão Preto.

Inovação é a palavra da vez nas pesquisas acadêmicas do interior. Inventos práticos, necessários e alguns com cheiro de revolução. No Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica, do Instituto de Física da USP São Carlos, um novo equipamento diagnostica tumores sem precisar de biópsia (o exame tradicional é doloroso e o resultado só sai em semanas). Um feixe de luz em contato com o órgão ou a pele diferencia um tecido normal de um doente. O aparelho já está em teste no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.

CONHECIMENTO

Com o mesmo princípio, surgem outros produtos de fototerapia dinâmica, como os semáforos à prova da falta de energia e o aparelho para detectar e tratar o HPV e alguns tipos de câncer. Por trás das invenções, está o dinâmico e versátil físico Vanderlei Salvador Bagnato e uma equipe de cem pesquisadores. Foram eles os primeiros latino-americanos a realizarem a condensação de Bose-Einstein. Um gás é esfriado, próximo do zero absoluto (0 Kelvin ou -273,15 graus Celsius), quando ocorre a condensação. Entender o que se passa nesse momento permitirá desvendar a natureza quântica da matéria.

“A sociedade me dá dinheiro para ver o átomo e tenho que mostrar para que serve isso. Serve para curar o câncer”, explica Bagnato. Nos últimos seis anos, seu laboratório produziu 28 patentes e destas, 12 viraram produtos. Qualquer experimento tem de mirar em educação ou saúde, mesmo que leve tempo. Os LEDs usados no semáforo antiblecaute ficaram prontos após seis anos. Outros projetos iam sendo tocados juntos para satisfazer à demanda por publicação de artigos, um dos fatores de avaliação dos pesquisadores. “O País tem de dar valor ao risco científico, senão vamos estudar só o conhecido e seremos apêndices dos outros.”

O físico Luís Alberto Vieira de Carvalho, de 37 anos, formado em São Carlos, com doutorado em Berkeley e pós-doutorado em Rochester, segue a linha do coordenador. Quer inovar naquilo que o Brasil não inova. Criou o campímetro portátil para exames de glaucoma nos rincões. O aparelho estrangeiro sai por R$ 80 mil. O nacional custa um décimo desse valor. Quando estudava no exterior, Carvalho trabalhou na produção de uma lente de contato customizada para a Bausch-Lomb (a empresa investia US$ 3 milhões por ano). No Brasil, faltam verbas. Assim, concentra-se na fabricação do Wave Front, aparelho para diagnosticar em alta resolução defeitos da visão. Será o primeiro da América Latina.

O Centro de Terapia Celular (CTC) de Ribeirão Preto, coordenado pelo médico Marco Antonio Zago, entrou na corrida mundial para deter o domínio das técnicas de manipulação das células-tronco. Quanto mais se souber como elas se diferenciam em órgãos do corpo humano e como são ativadas, maiores as chances de inúmeras doenças serem tratadas. Ou evitadas. As células-tronco mesenquimais, por exemplo, têm capacidade imunológica. Saber como agem pode evitar a rejeição de transplantes.

Em abril, o imunologista Júlio Cesar Voltarelli, do CTC, encheu de esperanças pacientes de diabete tipo 1 que são obrigados a injetar altas doses de insulina. Pela técnica, uma quimioterapia desliga o sistema imune do paciente, que por algum motivo ataca as células do pâncreas, produtoras de insulina. Células-tronco do próprio paciente são então reinseridas nele para recompor o sistema de defesa. O tratamento, já realizado com sucesso em uma dezena de adultos, deverá ser feito com adolescentes e para outras enfermidades, como a esclerose múltipla. Voltarelli, contudo, já reiterou que é cedo para afirmar que se trata da cura.

Mas não é só de futurologia, riscos e esperanças que vive a ciência e tecnologia do interior paulista. A bióloga Aparecida Maria Fortes lidera uma pesquisa em Ribeirão Preto para produzir o fator 8 e o 9 recombinantes, utilizados no tratamento de mais de 7 mil hemofílicos. Hoje, o Brasil tem de exportar o plasma sanguíneo para a França, onde é purificado e liofilizado (seco) para ser então importado. O problema, além do custo de R$ 100 milhões, é que vai e volta sangue contaminado. Por engenharia genética, o fator 8 e o 9 são livres desse risco.

“Já produzimos em plaquinhas, na cultura in vitro, mas queremos pensar no nível de biorreatores e depois no de escala industrial”, afirma Aparecida. A previsão é de que em um ou dois anos o Brasil fabrique o produto. Já há interesse da indústria farmacêutica. A pesquisa, que recebe apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), permitiu à equipe do CTC dominar a técnica que pode ser usada em outras moléculas para fins terapêuticos, como o fator de crescimento.

QUEBRA-CABEÇAS

No Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural (CBME), também na USP São Carlos, uma equipe multidisciplinar luta contra doenças tropicais, como leishmaniose, malária e esquistossomose. Ao isolarem a enzima GAPDH do Trypanosoma cruzi, o vetor da doença de Chagas, os pesquisadores detectaram a estrutura da proteína e, a partir dela, poderão procurar pequenas moléculas (potenciais remédios) que se encaixarão nela. Como num quebra-cabeça. “Cinco ou seis anos atrás, saíamos do nada. Hoje, um laboratório como o nosso realiza um forte desenvolvimento comparável aos melhores do mundo”, diz Adriano Andricopulo, de 35 anos, que fez pós-doutorado em Michigan.

O Instituto de Física da USP São Carlos capta R$ 10 milhões por ano, 40% desse total vindo de indústrias. Foi crescendo na base do puxadinho, com corredores virando salas para acomodar mais pesquisas. “Nosso grande salto ocorreu nos anos 80, com a expansão do quadro de professores, cuja regra era que todos fossem para o exterior fazer doutorado”, explica o diretor Glaucius Oliva, também coordenador do CBME.

Os três laboratórios acima fazem parte do programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fapesp. São 11 no total, 5 no interior paulista. Criados em 2000, eles desenvolvem pesquisas na chamada fronteira do conhecimento, viabilizam parcerias com empresas e governos para aplicação das tecnologias e, o que é raro na academia, dividem as descobertas com a população. Este último envolve desde a criação de jornais e programas de TV até a inclusão de jovens estudantes no desenvolvimento científico. É a ciência semeando ciência.