domingo, 13 de abril de 2008

A dívida do Supremo

Julgamento de pesquisa com embrião ainda está pendente

FSP

Muita gente no Brasil se mobilizou para acompanhar a sessão de 5 de março passado no Supremo Tribunal Federal (STF). Em pauta, a legalidade da pesquisa com embriões, um tema estratosférico, mas que mexe com o imaginário e as crenças de várias pessoas. Ficaram no ora-veja.
O STF, que tanta projeção conquistou nos últimos anos da vida política nacional, com alguma justiça, não esteve à altura de si mesmo naquele dia. Apesar dos esforços da então presidente Ellen Gracie Northfleet, o Supremo fez o que mais se faz no Judiciário nacional. Adiou a decisão.
A manobra tinha sido cantada em verso e prosa antes da sessão. Dava-se como certo que haveria pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, membro da União dos Juristas Católicos do Rio. Bingo.
Antes do pedido protelatório, a ação direta de inconstitucionalidade (Adin nº 3.510) havia sido recusada pelo relator. Carlos Ayres Britto discordou dos argumento da Procuradoria Geral da República contra a nova Lei de Biossegurança (nº 11.105/2005), na petição apresentada pelo então procurador-geral, Claudio Fonteles (outro eminente jurista católico). A Adin deu entrada no STF apenas dois meses depois de publicada a lei.
Em um documento de 13 páginas, Fonteles buscava dar base científica para o argumento de que a destruição de embriões congelados em clínicas de reprodução, para deles obter células-tronco, atentava contra o artigo 5º da Constituição, que garante "a inviolabilidade do direito à vida".
Ora, a biologia jamais poderá fornecer fatos para dirimir uma questão que é decisional, quer dizer, em grande medida arbitrária: quando começa a vida, ou melhor, quando o ser vivo pertencente à espécie humana é reconhecido como pessoa jurídica, titular de direitos (e quais direitos). Um dirá que é na fecundação, outro, na nidação (implantação no útero), outro ainda, na formação do sistema nervoso. Pode escolher.
Do ponto de vista jurídico, aquela inviolabilidade não chega a ser integral, pois a legislação brasileira admite o aborto, ainda que só em casos excepcionais (como risco de vida para a mãe). Diante disso, a conclusão de muitos é que Fonteles agiu movido por convicção religiosa.
Ayres Britto consumiu quase três anos para apresentar seu voto. Pode ser explicável, talvez pelo volume de processos que entulham a pauta do STF. Talvez.
Durante quase três anos a espada esteve sobre as cabeças dos pesquisadores. Era preciso ter peito para se ocupar desse que é um dos itens de investigação mais quentes na esfera competitiva da pesquisa científica, as células-tronco embrionárias humanas. De uma ora para outra, poderia tornar-se ilegal.
Veio enfim o voto. Foi elogiado por todos que defendem a pesquisa com embriões, pois manteve a permissão.
Restrita a embriões inviáveis, é bom lembrar, ou então aos congelados há mais de três anos nas clínicas.
Veio também, ato contínuo, o pedido de vista de Menezes Direito. Segundo a resolução nº 278 da presidência do STF, de 15 de dezembro de 2003, o ministro teria prazo máximo de 30 dias para devolver os autos. Não o fez. Não se sabe quando o fará.
O Supremo Tribunal Federal está em dívida com a comunidade científica brasileira e com todas as pessoas interessadas em ver a pesquisa seguir seu curso, quiçá criando terapias novas para males antigos. O talão de cheques e a caneta estão nas mãos do ministro Menezes Direito.


MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia ( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br

Nenhum comentário: