Fernando Reinach* OESP
Desde que o homem deixou de ser caçado pelos leões nas estepes africanas, três grupos de seres vivos passaram a nos caçar na cidade e no campo: vírus, bactérias e parasitas. As cidades, a agricultura e a domesticação dos animais nos tornaram presas difíceis para os grandes carnívoros, mas facilitaram o ataque desses inimigos.
No século 19 e 20, o ser humano conseguiu contra-atacar. Desenvolvemos vacinas para combater vírus, antibióticos para matar bactérias e compostos químicos capazes de curar infecções por parasitas. Mas a guerra continua. Além de ainda existirem vírus para os quais não fomos capazes de desenvolver vacinas (HIV) e parasitas que ainda matam milhões (malária), surgiram bactérias resistentes à maioria dos antibióticos e parasitas resistentes às drogas. Na corrida armamentista, os cientistas tentam desenvolver drogas e os parasitas desenvolvem genes de resistência.
No caso dos vermes, tudo indicava que estávamos perdendo a guerra. Faz mais de 25 anos que nenhuma nova família de vermífugos é descoberta. Mas, este mês, parece que temos uma chance de virar o jogo. Um grupo de cientistas descobriu uma família de compostos capazes de matar vermes.
O trabalho, resultado da colaboração entre cientistas de um grande laboratório farmacêutico, empresas de biotecnologia, universidades européias e cientistas da Costa do Marfim, é um exemplo de como se desenvolve um novo medicamento.
Com base em um derivado de uma amino-acetonitrila (AAD) capaz de matar parasitas quando administrado em altas doses, os cientistas sintetizaram 600 diferentes derivados de AADs e testaram cada um em larvas de diversos parasitas. Selecionaram os dez compostos mais ativos.
Em seguida, testaram esses compostos em roedores, ovelhas e vacas infectadas com parasitas resistentes a todos os outros vermífugos e selecionaram os compostos que poderiam ser administrados por via oral e que permaneciam mais tempo no sangue.
Para finalizar, os cientistas usaram o verme C. elegans, cujo genoma já foi seqüenciado, para determinar o mecanismo de ação das AADs. Primeiro, obtiveram vermes mutantes resistentes à AADs e, analisando seu genoma, descobriram que a resistência tinha ocorrido quando o verme alterava um de seus receptores de acetilcolina. Isso demonstra que as AADs atuam sobre esses receptores, matando os vermes.
Uma comparação com o genoma humano demonstrou que nós não possuímos esse receptor, o que sugere que a droga provavelmente poderá ser usada para tratar seres humanos. Esse único uso do genoma do C. elegans provavelmente compensa todo custo e esforço do seqüenciamento.
Nos próximos anos, os derivados de AAD devem ser comercializados, primeiro como vermífugos para animais e depois para humanos. Parece que após 25 anos, ganhamos mais uma batalha, mas no dia que os AADs chegarem aos consumidores os vermes iniciarão a contra-ofensiva e inevitavelmente surgirão vermes resistentes aos AADs.
*Biólogo - fernando@reinach.com
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