Renata Cafardo OESP
A França acredita que o Brasil pode ajudá-la a se desenvolver em áreas como ambiente, telecomunicações, engenharia. Mas André Siganos, diretor-geral da Agência CampusFrance, órgão do governo francês responsável pela divulgação sobre estudos no país, garante que a França não quer roubar cérebros brasileiros. “Os estudantes brasileiros que vão para a França regressarão ao País, com certeza. É uma maneira de acelerar um processo de cumplicidade científica e cultural”, diz, em entrevista ao Estado.
Na semana passada, ele esteve no País participando de um evento que organizou encontros entre brasileiros e representantes de universidades na França. Hoje são cerca de 5 mil alunos do Brasil no país europeu, 50% em acordos de duplo-diploma ou parcerias institucionais. Para aumentar esse número, a CampusFrance passou recentemente a facilitar processos, permitindo que estudantes se inscrevam nas universidades por meio da agência, recebendo documentos em português e ajudando na obtenção do visto.
Siganos garante que os brasileiros são mais do que bem-vindos: “Seria hipócrita dizer que todos os alunos estrangeiros são iguais e que os estabelecimentos franceses recebem da mesma maneira. Quer dizer, no discurso, sim. Mas preferem receber um aluno brasileiro do que de outro país que não tenha a mesma habilidade para perceber rapidamente a cultura francesa, a maneira de trabalhar à francesa.”
Existe um interesse especial da França em estudantes brasileiros?
Claro. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, ligada ao MEC) está dando bolsas para brasileiros irem para a França. Há áreas que os governos consideram estratégicas para os dois países: ambiente, desenvolvimento sustentável, telecomunicação, engenharia, certos campos da medicina. Estamos desenvolvendo uma série de duplo-diplomas, o melhor instrumento de intercâmbio científico e acadêmico, com grande igualdade. A França e o Brasil consideram o ensino superior como um bem público, não como um bem de mercado. A conseqüência disso é que não estabelecemos parcerias que não respeitem a igualdade do intercâmbio e não fazemos fuga de cérebros (brain drain). Os estudantes brasileiros que vão para a França vão regressar ao País, com certeza. E também os franceses, que vão conhecer bem o país do outro, a cultura, a língua, os valores. É uma maneira de acelerar um processo de cumplicidade científica e cultural.
Quantos estudantes brasileiros há na França atualmente?
Hoje há 2 mil bolsistas, em mestrado e doutorado, e um total de 5 mil estudantes brasileiros. Há 72 acordos de duplo-diploma com o Brasil. E há na USP cerca de cem franceses. Mas o interessante é que a porcentagem de estudantes brasileiros em acordos universitários, como duplo-diploma, é de 50%. Esse número é bem elevado - entre outros países o índice costuma ser de 10%. O restante dos alunos vai sem nenhum acordo. A porcentagem do Brasil é a meta que tentamos atingir para o resto do mundo em dez anos. A vantagem é que no Brasil tivemos há anos uma estruturação com a Capes, as relações são mais avançadas.
Entre estudantes internacionais, qual é a nacionalidade com o maior número de estudantes?
Se falarmos do estudante que não fica muito tempo, estuda seis meses e vai embora, os americanos são os mais numerosos, cerca de 10 mil. Eles vão para aprender francês, só uns mil alunos ficam e estudam seriamente. Já entre brasileiros são 2 mil. Mas o que mais temos são alunos de países europeus, principalmente alemães, além dos chineses, que já são 15 mil.
A França tem o mesmo tipo de política de educação com a China?
Não existe a mesma confiança entre França e China. Brasil e França trabalham na África, por exemplo, com a mesma filosofia. Há o respeito dos valores, do ambiente, da população. Os chineses não fazem isso, estão em busca de matéria-prima, para resolver os problemas deles. E eles não vêem o ensino superior como um bem público.
Todas as universidades francesas aceitam brasileiros?
O estudante brasileiro na França nunca teve nenhum problema. Seria hipócrita dizer que todos os alunos estrangeiros são iguais e que os estabelecimentos franceses recebem da mesma maneira. Quer dizer, no discurso, sim. Mas preferem receber aluno brasileiro do que de outro país que não tem a mesma habilidade para perceber rapidamente a cultura francesa, a maneira de trabalhar à francesa. Os brasileiros se acostumam rapidamente e vice-versa. Existe essa cumplicidade cultural. Nos sentimos bem mais perto dos brasileiros que dos americanos, por exemplo.
No que a CampusFrance pode ajudar os brasileiros?
É um espaço que pode dar todas as informações sobre instituições na França, da vida universitária, sobre como ingressar. Podem ser feitas pesquisas temáticas sobre o que querem estudar. Agora, também, antes de receber o visto, os alunos precisam mostrar para a CampusFrance o seu projeto acadêmico, dizer por que querem ir para a França, e a agência ajuda nisso. Todos os documentos que o aluno tem de oferecer são traduzidos. Isso tudo vai acelerar os processos no consulado para dar o visto o mais depressa possível. Esse sistema começou há três anos na China e agora está funcionando em 30 países considerados mais importantes para a França.
E o Brasil é um deles.
Sim, precisamos de acordos muito precisos com o Brasil. Há 10, 20 anos se fazia acordos muito gerais. Não vamos intercambiar estudantes de qualquer área, e sim seguir uma estratégia. Em certos campos científicos, o Brasil é melhor que nós - em telecomunicações, por exemplo. Em matemática, o Brasil já começa a ser um dos melhores do mundo. Em informática e química aplicada ao meio ambiente, também.
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