quarta-feira, 5 de setembro de 2007

A verdadeira elite brasileira

A entrevista do ex-Ministro da Saúde Adib Jatene ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, na última segunda-feira, foi uma aula inesquecível de brasilidade.

Nos últimos anos consolidou-se uma falsa idéia de elite no país, associada aos miliardários dos fundos “off-shore”, aos neo-ricos do mercado financeiro, aos deslumbrados da Daslu e do Cansei.

Esse elitismo inculto e basbaque acabou jogando para segundo plano uma elite primorosa, que luta e resiste e que, assim que se esgotar esse ciclo de financeirização da economia, retomará a luta civilizatória.

São médicos renomados, membro do poder judiciário, cientistas, empresários responsáveis e discretos, intelectuais, grupos que não perderam a identidade nacional.

Jatene é o representante máximo dessa elite responsável. Na entrevista, relatou como pediu demissão do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, depois de ter conseguido a criação da CPMF (Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira) e ver a Fazenda desviar da Saúde mais do que tudo o que a nova contribuição estava arrecadando.

Mostrou como a parcela da Saúde no orçamento federal foi decaindo dos 23% no governo FHC até chegar a míseros 13% no governo Lula. Analisou o preço dos procedimentos médicos, sem reajuste desde 1996. Denunciou a crise que se alastra pelo setor. E defendeu com todo vigor dos seus 78 anos o papel civilizatório do SUS (Sistema Único de Saúde).

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Quando o presidente da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) Paulo Skaf apareceu, em vídeo, criticando a CPMF e os altos tributos, Jatene bateu duro: sem os tributos, quem vai garantir a saúde da população? Desmontou cirurgicamente sofismas dos cabeças-de-planilha, tipo “a saúde tem o maior orçamento do país e ainda reclama”. Ora, tem o maior orçamento e o maior desafio. A pergunta a ser feita é: “os recursos são suficientes ou não para o atendimento?”.

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Não faltaram críticas contundentes à formação do médico. Nas últimas décadas, multiplicaram-se as especializações médicas. Os cursos de medicina deveriam passar para os alunos noções básicas de cada especialização, mas para aplicação imediata em ambulatórios e atendimentos de emergência. Em vez disso, proliferaram faculdades sem dispor sequer de um hospital de apoio.

Os médicos tornaram-se cada vez mais escravos de uma automação violenta e desnecessária. Admitiu que nunca os diagnósticos foram tão precisos. Mas poderia se chegar ao mesmo resultado com uma formação mais completa dos médicos. Principalmente com um modelo que remunerasse melhor os médicos, permitindo-lhes cursos, aperfeiçoamentos, mais tempo para conhecer e analisar o paciente.

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O importante é que, apesar da ditadura da Fazenda em três governos – os dois de FHC, um de Lula -, apesar da DRU (Desvinculação de Recursos da União), maneira perversa de tirar dos mais necessitados, o SUS (Sistema Único de Saúde) resiste. Capengando, cheio de dívidas, cheio de problemas, mas resiste. Continua sendo o maior programa social do mundo, um orgulho para o país.

Luis Nassif

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