quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Anvisa sabia que bactéria era resistente desde 2007


Alerta da agência sobre micobactéria, porém, só foi dado na última sexta-feira


Bactéria responsável pela maioria das infecções no país resistiu a 10 h de exposição a produto para desinfecção de equipamentos hospitalares

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL - FOLHA

Há pelo menos um ano a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem informações de que um dos produtos mais usados na desinfecção de equipamentos hospitalares não está sendo eficaz no combate ao tipo de micobactéria responsável pela maioria das infecções que ocorrem no país.
O principal estudo que trata do tema foi feito pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e mostrou que, mesmo após dez horas de exposição ao saneante (tempo recomendado pelo fabricante), o glutaraldeído a 2% não foi capaz de eliminar as cepas da bactéria M. massiliense. O produto destruiu duas cepas da micobactéria (bovis e smegmatis).
O alerta, porém, só foi dado na última sexta-feira. Em nota técnica, a Anvisa relata que há "indícios de resistência" da micobactéria massiliense em relação ao glutaraldeído a 2% e sugere que as unidades de saúde, por medida cautelar, esterilizem seus equipamentos com outros métodos.
Ontem à noite, o presidente da Anvisa, Dirceu Raposo de Mello, confirmou à Folha que a agência teve conhecimento desses estudos anteriormente, mas disse que não podia precisar a data porque está no Uruguai e só voltaria ao Brasil hoje.
Indagado se não houve demora da Anvisa no alerta e na falta de providências sobre a resistência da bactéria, Mello disse: "Não posso dizer se demorou ou não. Preciso chegar, sentar com a minha equipe, saber o que aconteceu e por que providências que poderiam ter sido tomadas não foram".
Na opinião de Mello, ainda que uma das cepas da bactéria permaneça resistente ao saneante, as investigações da Anvisa apontam que, nos locais dos surtos de infecção, houve falhas nos processos de limpeza, desinfecção e esterilização dos equipamentos.
Ontem, o ministro José Gomes Temporão (Saúde) classificou as infecções por micobactéria no país como "situações muito específicas, num contexto de milhões de cirurgias que o Brasil realiza no momento".
Na nota da última sexta, a situação foi descrita pela Anvisa como "emergência epidemiológica" nunca vista.
Até agora, há 2.025 casos de infecções por micobactérias- que causam perda de tecidos, nódulos e feridas que não cicatrizam- em 14 Estados brasileiros, a maioria após videocirurgias. Neste ano, foram 76 novos casos. Outros 153 estão sob investigação na Anvisa.
A Anvisa confirmou ontem que as três mulheres suspeitas de contraírem infecção por micobactéria após preenchimento de rugas eram pacientes de uma mesma clínica estética em Minas Gerais. Na avaliação de médicos, isso reforça a hipótese de que a contaminação tenha ocorrido na clínica, e não esteja relacionada ao produto.
Chamado Scupltra, o produto é fabricado pelo laboratório francês Sanofi-Aventis. A substância (ácido lático), um pó estéril, precisa ser dissolvida em água destilada e, depois, aplicada por meio de injeções na pele. O procedimento é feito em consultório médico.
Os casos surpreenderam médicos e pacientes porque foram os primeiros do país associados a esse procedimento, de amplo uso na medicina estética. Antes, a Anvisa havia registrado 40 casos de micobactéria relacionados à mesoterapia, procedimento que também envolve injeções no corpo, mas para dissolver gordura localizada.

Hipóteses
Para os médicos ouvidos pela Folha, quatro hipóteses explicariam a infecção durante os procedimentos estéticos: reúso de seringas para aspirar o produto do frasco e depois aplicá-lo na paciente, a utilização de um mesmo frasco do produto em várias pacientes, qualidade da água usada na diluição do produto ou falta de limpeza.
"É um caso isolado. Trabalho há mais de dez com essa substância e desconheço qualquer problema", afirmou Aloizio Faria Souza, presidente da SBME (Sociedade Brasileira de Medicina Estética).

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