Já estudantes de instituições bem avaliadas costumam ser mais críticos em relação a currículo, instalações e projeto pedagógico
Para professor, análise está ligada à expectativa sobre o curso; "nas privadas, como a expectativa é menor, avaliam bem o que é oferecido", diz
Silva Junior/Folha Imagem |
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL FSP
Alunos de medicina que estão em cursos "sem condições de funcionamento" (segundo o próprio MEC) avaliam mais positivamente suas instituições do que os de escolas consideradas como "referência".
O levantamento, tabulado pela Folha a partir de questionário respondido pelos estudantes no Enade (antigo Provão), mostra que os estudantes de cursos com conceitos 1 e 2 têm uma opinião melhor sobre o currículo, as instalações e o projeto pedagógico do que aqueles de instituições com nota 5 (o nível mais alto).
No quesito currículo, por exemplo, a média de aprovação dos alunos no grupo de escolas com piores notas foi de 56%, ante 47,5% nas "tops".
"O que verificamos é que o nível de satisfação dos estudantes está muito ligado ao fato de ele ser de instituição pública ou privada", afirmou o presidente do Inep (instituto do MEC que aplica a prova), Reynaldo Fernandes.
"Ainda não sabemos por que, mas o aluno da escola pública avalia pior seus cursos, mesmo que tenham melhores notas nos exames", disse Fernandes -os quatro cursos de referência em medicina são públicos.
Para João Cardoso Palma Filho, membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e professor da Unesp, os dados devem estar ligados ao nível de expectativa dos estudantes. "Aquele que entrou em uma universidade pública precisou se esforçar muito para passar no vestibular. Por isso, espera muito do curso, mas a expectativa nem sempre é correspondida", diz Palma Filho.
"Nas privadas, como a expectativa é menor, avaliam bem o que é oferecido. O problema é que o aluno só percebe que fez um curso ruim quando vai para o mercado de trabalho ou faz o Enade. A pressão para melhorar as escolas terá de vir do MEC, porque os alunos parecem não saber o que cobrar."
Já o membro do Conselho Nacional de Educação, Edson Nunes, afirma que o resultado do levantamento pode indicar problemas nos dados utilizados pelo MEC para construir o tal conceito preliminar, indicador criado pelo governo federal para avaliar os cursos.
O conceito preliminar é resultado da nota obtida pelos alunos no Enade, o questionário respondido pelos estudantes na provas e o perfil do corpo docente (titulação etc). O item que possui o maior peso é o resultado da prova (40%).
"Deveria haver uma forte correlação entre o desempenho dos alunos e suas avaliações dos cursos. Como os pesquisadores não tiveram acesso a todos os dados, não é possível identificar com precisão o que ocorreu", disse Nunes, que também é pró-reitor da Universidade Candido Mendes, no Rio -que não foi avaliada nessa edição do Enade.
Em resposta, o presidente do Inep afirmou que os especialistas receberão os dados assim que fizerem o pedido e que foram feitos estudos para identificar quais variáveis eram relevantes estatisticamente para se utilizar no conceito preliminar.
No questionário do Enade, o universitário responde, por exemplo, se considera o currículo de seu curso "bem integrado e com clara vinculação entre as disciplinas".
Vistorias
Pelos dados divulgados na semana passada, 25% dos cursos avaliados tiveram conceito 1 ou 2 ("sem condições" de funcionar). O governo diz que fará vistorias e, depois disso, poderá abrir processos que podem levar ao fechamento dos cursos.
Alunos da Unaerp dizem que colegas boicotaram e até já pediram desculpas
LUCAS REIS
DA FOLHA RIBEIRÃO
Boicote. Essa é a explicação dos alunos de medicina da Unaerp (Universidade de Ribeirão Preto) para a aparente contradição entre o conceito 2 atribuído pelo MEC ao curso e a opinião positiva sobre a instituição expressada pelos estudantes que fizeram a prova do Enade. O currículo da escola recebeu aprovação de 67% dos estudantes, enquanto o planejamento do curso foi bem avaliado por 51%. "A boa avaliação do currículo e do planejamento do curso, feita pelos próprios alunos [no Enade], prova que houve o boicote", disse ontem Adriana de Oliveira, 22, aluna do terceiro ano. "Não há do que reclamar quanto à estrutura do curso. Os laboratórios e os professores são bons. Os estudantes do último ano, mesmo boicotando a prova, admitem isso. E já até pediram desculpas pelo boicote", afirmou Florence Rosa, 24, do quinto ano. Segundo as alunas, o boicote aconteceu porque os estudantes que fizeram a prova do Enade se revoltaram contra a mudança do método de ensino utilizado pela faculdade. "Eles disseram que boicotaram porque passaram por uma época de transição de curso. Eles são da última turma que se formou sob o sistema antigo", disse Florence. "Pelo preço [da mensalidade] que a gente paga, se não estivéssemos satisfeitos, é óbvio que pediríamos transferência. A gente vê que aqui tem resultado", disse Flávia. Os calouros, que freqüentam a universidade há apenas uma semana, também defendem o curso. "Nós sabemos que o curso não é perfeito, mas essa nota [CPC] não condiz com a realidade. Se a infra-estrutura é boa, os professores são bons, o desempenho dos alunos do Enade deveria ser melhor. Ou seja: houve boicote", disse Álvaro Moreira da Luz, 20.
Mudança curricular
Na Fundação Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre, que alcançou a nota máxima (5), a visão crítica dos alunos ocorreu devido às mudanças nas diretrizes curriculares nos último cinco anos, dizem alguns estudantes ouvidos pela Folha. Entre os alunos que fizeram o Enade, 42,9% aprovavam o currículo e 37,1% concordavam com o planejamento do curso. A exceção está na infra-estrutura: a maioria (90%) a considera satisfatória.
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