OESP
Nestes tempos de fartura de apagões na vida nacional, que transformam a leitura dos jornais num exercício de melancolia, a notícia, no Estado da quarta-feira, dia 8, de um grande avanço brasileiro no setor de ponta do século 21- a biotecnologia - merece dupla comemoração: pela proeza científica, naturalmente, mas também por ela representar um mais do que bem-vindo contraponto ao relato das desventuras que o País experimenta em seqüência, vindas quase todas das instituições de governo. No entanto, como se verá adiante, trata-se de uma boa notícia ainda incompleta, dada a incerteza em relação aos seus desdobramentos. E essa incerteza deriva precisamente das tais desventuras em que o Brasil oficial é pródigo.
O fato informado é de aplaudir em cena aberta. Depois de 10 anos de pesquisa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com a multinacional alemã da área química Basf, criou a primeira variedade de soja transgênica tolerante a herbicidas made in Brasil. Essa é uma atividade amplamente dominada pelos gigantes mundiais da engenharia genética, a começar da americana Monsanto. Ela detém a patente da soja Roundup Ready (RR), o único produto alimentar do gênero liberado - a muitíssimo custo - para cultivo comercial e comercialização no País. O grão modificado pela Embrapa contém um gene de uma planta que o torna resistente aos herbicidas usados contra ervas daninhas.
Concorre diretamente, portanto, com a RR - cujos efeitos já não seriam tão potentes como de início. “Daí a importância de haver outros produtos”, assinala o gerente-geral da Embrapa Transferência de Tecnologia, José Roberto Rodrigues Peres. Ou, como prefere o diretor-executivo da Embrapa, José Geraldo Eugênio de França, “temos de ter uma segunda bala na agulha, para que o agricultor não dependa de uma única tecnologia”. Além disso, na linha dos estudos de vanguarda em biotecnologia em curso nos países desenvolvidos, a empresa trabalha para incorporar à sua soja propriedades medicinais, a fim de torná-la um insumo economicamente vantajoso à indústria farmacêutica. Nessa frente, a Embrapa se associou a universidades brasileiras e ao instituto nacional de saúde dos Estados Unidos.
Por aí se vê que as atividades da empresa no âmbito da transgenia são adultas. O problema é que se pode dizer tudo, menos isso, do desempenho da agência federal incumbida de avaliar os seus riscos para a saúde e o ambiente, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Não por culpa dos cientistas que a integram, diga-se desde logo, mas pelos seus membros que invocam o sensato princípio da precaução nas decisões a respeito apenas para impedir, na prática, a liberação comercial de qualquer transgênico. Têm aliados dentro do governo (a ministra do Meio Ambiente, o Ibama, a Anvisa) e fora dele (procuradores e juízes federais, entidades ambientalistas e de consumidores), cujos preconceitos contra a biotecnologia aplicada à agricultura parecem imunes às evidências empíricas de sua inocuidade e ao saber teórico que a fundamenta.
Eis a razão da incerteza apontada no início deste comentário. Primeiro, pelo retrospecto. O milho Liberty Link, da Bayer, o único transgênico aprovado para plantio comercial pela CTNBio desde a sua recriação, na vigência da atual Lei de Biossegurança, de 2005, depois de nove anos de idas e vindas, foi embargado por uma decisão judicial - e tudo voltou à estaca zero quando, sob pressão da Anvisa e do Ibama, o Conselho Nacional de Biossegurança, responsável pela liberação do produto, devolveu o processo à CTNBio. Segundo, porque a fronda do atraso recrudesceu. A mesma Anvisa decidiu que as empresas interessadas no cultivo de transgênicos deverão responder antes a um rol de 119 questões. Só a CTNBio poderia exigir isso.
O terceiro fator de incerteza está nos sinais de que o fato de ser “brasileiro” o invento da Embrapa não contará entre os medievais. Ao combater a liberação de transgênicos cuja segurança foi verificada em pesquisas no exterior, alegam que elas precisam ser repetidas no Brasil. Agora, nesse caso em que as pesquisas já são feitas em território nacional, dizem “nada muda”. A amarga ironia é que a nova soja poderá ser liberada em 20 países, porém aqui não.
domingo, 12 de agosto de 2007
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