A prioridade no Brasil deve ser adotar práticas gerenciais privadas a fim de melhorar o desempenho de escolas públicas, ao invés de mudar a estrutura.
No Brasil, os dados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB) mostram que os alunos das escolas privadas têm desempenho 18% superior ao dos alunos das escolas públicas em exames de matemática da 4ª série do ensino fundamental, mesmo após levarmos em conta todas as diferenças familiares e sócio-econômicas entre estes estudantes. Com base nisto, uma política educacional que é freqüentemente aventada para melhorar a qualidade da educação pública no Brasil é permitir o surgimento de escolas mistas, ou seja, escolas geridas por entidades privadas com financiamento e controle público. Será que isto daria certo? |
Para podermos discutir essa proposta com mais fundamento, é sempre bom olhar as evidências internacionais, para que não tenhamos que começar o debate da estaca zero. Uma experiência que tem despertado muita atenção é o surgimento das escolas "charter" nos Estados Unidos. A primeira lei que permitiu o aparecimento deste tipo de escola foi promulgada em Minnesota em 1991 e desde então seu número vem aumentando continuamente, de tal forma que em 2006 havia cerca de 4000 escolas "charter" naquele país, atendendo cerca de um milhão de alunos, ou seja, 2% de todos os alunos em escolas públicas americanas. Como estas escolas funcionam? |
As escolas "charter" são construídas e geridas por entidades privadas, mas as matrículas e mensalidades de seus alunos são pagas pelos Estados, que são responsáveis por monitorar seu desempenho. No Texas, por exemplo, cada aluno que se transfere de uma escola pública para uma escola "charter" acarreta uma transferência de recursos no mesmo montante do distrito em que o aluno estudava para esta escola. Para ser admitida como "charter", os responsáveis pela escola têm que desenvolver um projeto educacional (charter) e atrair um número suficiente de alunos para que a escola seja economicamente viável. Os pais podem escolher livremente em que escola "charter" matricular seus filhos, ao contrário das escolas públicas tradicionais, cujo acesso depende do local de moradia. Se houver excesso de demanda por estas escolas, a escolha é feita por sorteio, de forma que as escolas não podem selecionar seus alunos, ao contrário da experiência chilena que analisamos recentemente neste espaço. |
Os defensores desta política argumentam que, como a receita das escolas "charter" depende do seu número de alunos, elas se esforçarão mais para melhorar a qualidade do seu ensino e, desta forma, atrair mais alunos. Além disto, estas escolas estão isentas de todas as leis e normas que regem o funcionamento das escolas públicas normais, como admissão somente por concurso público, estabilidade na profissão, salários iguais para todos os professores etc. Assim, estas escolas têm tanto a liberdade como o incentivo para promover um ensino de melhor qualidade, que leve em conta as características específicas de seu público, além de usar os recursos públicos de forma mais eficiente. |
Qual não foi a surpresa de todos quando os resultados do National Assessment of Education Progress (NAEP) realizado em 2003 mostraram que os alunos das escolas "charter" tiveram um desempenho pior em matemática e leitura do que os alunos das escolas públicas tradicionais, mesmo quando a amostra era estratificada por cor, região e renda (New York Times, 18/08/04). A reação da opinião pública foi de condenar esta política como uma forma errada de melhorar a qualidade da educação dos Estados Unidos, que só provocava uma diminuição dos recursos e da auto-estima das escolas públicas e que, portanto, deveria ser eliminada. |
Nos dois últimos anos, no entanto, foram publicados quatro artigos acadêmicos importantes, usando dados sofisticados para avaliar melhor a experiência das escolas "charter" nos Estados do Texas, Carolina do Norte e Flórida (Journal of Public Economics 2007 e Education Finance and Policy, 2006). O objetivo destes artigos é verificar em que medida os alunos destas escolas realmente têm um desempenho pior do que os alunos das escolas públicas tradicionais. Estes estudos usaram dados longitudinais, ou seja, acompanharam os mesmos alunos ao longo do tempo, à medida em que eles entravam, permaneciam e saiam das escolas "charter", ao invés de simplesmente comparar o desempenho dos alunos dos dois tipos de escola em um dado momento do tempo. E qual a conclusão desses estudos? |
Os resultados dos quatro estudos foram bastante parecidos, apesar de analisarem Estados diferentes. As escolas "charter" parecem ter muitas dificuldades no seu início. Assim, os alunos que mudam para escolas recém-abertas realmente têm uma queda no seu rendimento, com relação ao que conseguiriam nas escolas públicas tradicionais. Entretanto, esta diferença de rendimento tende a diminuir à medida que as escolas "charter" ficam mais tempo funcionando. No Texas, por exemplo, não há diferenças entre as escolas "charter" e as públicas a partir do quinto ano de operação das primeiras. Na Flórida, após o quinto ano em funcionamento, os alunos das escolas charter têm um desempenho superior |
Quais as lições da experiência americana então? A meu ver, os resultados mostram que é preciso ter muito cuidado antes de fazer uma experiência deste tipo no Brasil. Os resultados mostram que estas escolas tendem a passar por momentos difíceis no seu início, principalmente devido à inexperiência dos seus fundadores em lidar com educação. Além disto, a rotatividade dos alunos nas escolas "charter" é maior que nas escolas públicas tradicionais, principalmente porque elas estão funcionando há menos tempo, o que também provoca queda de desempenho. A prioridade no Brasil a meu ver deve ser melhorar o desempenho das escolas públicas, através da adoção de práticas gerenciais privadas, ao invés de mudar radicalmente a estrutura de funcionamento destas escolas. |
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