Diretor do hospital A. C. Camargo diz que, se metade dos cursos fossem fechados, ainda sobrariam médicos
O MÉDICO E EX-PROFESSOR da USP Ricardo Brentani, um dos diretores do hospital A. C. Camargo (antigo Hospital do Câncer), de São Paulo, diz que o Ministério da Educação deveria fechar imediatamente todas as faculdades de medicina que se saírem mal em avaliações como o Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes). Na semana passada, 17 cursos foram reprovados no exame, e as faculdades agora serão monitoradas pelo MEC.
Confira trechos da entrevista de Brentani à Folha. (RICARDO WESTIN)
FOLHA - Por que existem tantas escolas de medicina de qualidade duvidosa no país?
RICARDO BRENTANI - Todo mundo quer ser médico. Por causa dessa demanda, aparece uma porção de escolas de medicina ruins por aí, sem hospital-escola nem corpo docente qualificado, tomando dinheiro das pessoas. Nós ainda não entendemos que o diploma de médico não é um bem de consumo que fica disponível de acordo com a demanda. Não é porque você quer ser médico que você tem o direito de ser médico.
FOLHA - O Brasil deveria ter menos médicos?
BRENTANI - Recomenda-se que haja um médico para cada grupo de mil pessoas. No Brasil, se fizermos as contas, temos um médico para 600 habitantes. É praticamente o dobro do número necessário. Isso quer dizer que, se fecharmos metade das escolas médicas, não vai faltar médico no país.
FOLHA - Mas há regiões onde faltam médicos...
BRENTANI - Existe uma distribuição desigual. Isso tem a ver com remuneração, com dificuldade para chegar aos locais mais distantes, com segurança... Essa é outra questão. De qualquer forma, o número de médicos formados é mais do que suficiente. Nada justifica o Brasil ter mais de 170 escolas.
FOLHA - Há quem defenda a abertura de escolas de medicina nas regiões onde há poucos médicos.
BRENTANI - Tudo bem. Mas se vai ser aberta uma escola lá, alguma tem de ser fechada aqui.
FOLHA - Como o senhor, no hospital A. C. Camargo, sente a má formação dos médicos?
BRENTANI - Os médicos que chegam à residência do hospital são os melhores candidatos. Eles fizeram uma prova pública que é muito difícil. Mesmo assim, precisamos ensinar a eles os rudimentos, o bê-á-bá, coisas básicas que eles não aprenderam nem na escola nem em outra residência. Morre muito mais gente de câncer no Brasil do que no Primeiro Mundo.
Uma das razões é o médico sem formação, que não sabe fazer diagnóstico e não sabe tratar. O Ministério da Educação não deveria dar um ano de moratória às escolas de medicina ruins. Deveria fechá-las logo.
FOLHA - Isso resolve o problema?
BRENTANI - Resolve. As escolas boas vão continuar funcionado e formando o número adequado de médicos. Veja o que ocorre com as pessoas que se formam em direito. Só 10% ou 15% deles conseguem passar no exame de Ordem. Os outros 85%, que tiveram uma formação deficiente, não vão ser advogados. Vão ser balconistas, motoristas de táxi...
FOLHA - O sr. citou como problemas a ausência de hospital-escola próprio e a falta de qualificação dos professores...
BRENTANI - Várias vezes foi noticiado que essas faculdades particulares contratam professores com título de doutor às vésperas da avaliação do Ministério da Educação. Passada a avaliação, mandam todo mundo embora. Isso não pode acontecer. No caso do hospital-escola, está provado que os cursos de medicina com hospitais próprios são melhores. O aluno que vai para um hospital conveniado não tem a mesma formação. No hospital-escola, o corpo docente é o corpo clínico do hospital. A prioridade é o ensino, os pacientes são selecionados conforme a necessidade didática. Num hospital conveniado comum, o médico que está lá não é professor, não está preocupado em ensinar. E no hospital conveniado comum, a prioridade é atender aos pacientes. A estimativa é que metade das escolas médicas não tem hospital próprio. É uma aberração.
FOLHA - Por que ainda não foi tomada uma atitude concreta contra essas faculdades de medicina?
BRENTANI - O ensino particular tem um lobby muito forte. É um negócio. As escolas privadas cobram muito caro por um ensino de baixa qualidade e, pelo visto, não falta trouxa [disposto a pagar].
FOLHA - Os médicos podem se beneficiar com o fechamento das escolas ruins?
BRENTANI - A medicina é uma profissão mal remunerada, todo mundo sabe disso. Mas por quê? Porque há uma oferta enorme de médicos no mercado, sempre existe um médico disposto a trabalhar ganhando menos. Com menos médicos, o salário tende a melhorar. E, pelo fato de os salários serem baixos, os médicos precisam trabalhar em vários hospitais para ter uma vida decente. Isso não lhes deixa tempo para estudar.
FOLHA - Por que as escolas ruins ainda não foram fechadas?
BRENTANI - Não é um problema só deste governo. O Paulo Renato [ministro da Educação do governo Fernando Henrique Cardoso] inventou o sistema de avaliação [do ensino superior]. Fez avaliações, mas não passou disso. Não culpo este ou aquele governo. Não é uma questão política ou partidária. É evidente que fechar uma faculdade de medicina é uma situação politicamente espinhosa. Se você fecha a única faculdade de medicina que existe numa cidade ou num Estado, você perde eleitor.
BRENTANI - Nunca vi, mas adoraria ver.
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