Causa da doença está em genes repetidos e apagados, não em mutações simples
Pesquisa americana explica por que genes causadores da doença nunca foram achados e aponta caminho para a busca de terapias
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL FSP
A esquizofrenia é um transtorno mental de influência genética extremamente forte: alguém com um irmão gêmeo univitelino esquizofrênico tem 50% de probabilidade de ter a doença também. Em mais de uma década de pesquisas, porém, geneticistas conseguiram pouco avanço no entendimento da doença. Um estudo publicado hoje na revista "Science" ajuda a explicar por quê.
Durante anos os cientistas procuraram variações genéticas simples -"letras" alteradas no DNA- que fossem comuns entre os portadores da doença. Pesquisadores da Universidade de Washington e do Laboratório de Cold Spring Harbor, ambos nos EUA, porém, mostram agora que o buraco pode ser mais embaixo -e maior.
Os cientistas chegaram ao resultado comparando o genoma de 150 esquizofrênicos com o de 268 pessoas sadias. O trabalho indica que a esquizofrenia pode ser causada por uma grande variedade de mutações, mas em outra escala: em vez de "letras" trocadas, "páginas" e "capítulos" inteiros do DNA que desaparecem ou são duplicados ajudam a explicar a doença.
Trocando em miúdos, o trabalho significa que uma mutação que desencadeie esquizofrenia em uma pessoa pode não causá-la em outra- depende do quanto o gene mutante foi copiado ou apagado. Isso é apenas o início, de certa forma, do entendimento de como essa doença complexa funciona. Mas a descoberta ajuda a chegar à lista de quais genes influenciam a doença, o que pode apontar um caminho para novas drogas contra o distúrbio.
Via de ataque
"Muitos desse genes se aglomeram em vias [conjuntos de genes ativados em seqüência] relacionados com o desenvolvimento cerebral", disse à Folha Jon McClellan, de Washington, um dos líderes do estudo. "Portanto, apesar de cada mutação e cada gene que causam a doença serem diferentes em cada pessoa, tratamentos podem ser desenvolvidos alvejando as vias envolvidas."
Diagnosticada por sintomas como alucinações, pensamentos confusos e emoções distorcidas, a esquizofrenia provoca enorme desgaste emocional e físico em seus portadores. Paranóias e devaneios são comuns nessas pessoas. Cerca de 1% da população global desenvolve a doença em algum grau.
Os mecanismos cerebrais da doença são parcialmente conhecidos e parecem envolver um comportamento anormal da dopamina (molécula que transmite impulsos nervosos) em áreas do cérebro ligadas ao raciocínio. Saber que as mutações que predispõem à doença atuam no desenvolvimento cerebral, porém, é fundamental.
"Isso sugere que há um componente genético forte", diz McClellan. "Contudo, mutações podem ocorrer em função da exposição a certos ambientes, então fatores ambientais ainda podem ter um papel, mesmo que a causa fundamental seja mais genética."
Apesar do avanço, um teste de DNA para o risco de esquizofrenia -semelhante aos que existem para certos tipos de câncer- ainda é uma realidade muito distante, diz o cientista, dada a natureza estatística do trabalho. "Não podemos provar que qualquer mutação tenha causado a doença."
Segundo Emmanuel Dias Neto, geneticista da USP que também estuda a esquizofrenia, o trabalho na "Science" ajuda a explicar por que nenhum grupo até agora tinha encontrado algo como um "gene da esquizofrenia". "Às vezes um grupo estuda um gene e diz que ele está envolvido, depois vem outro grupo diz que não encontrou nada", afirma. "Esse estudo agora ajuda a explicar essa discrepância dos dados e revela que há um grau de dificuldade imenso no processo."
Rare Structural Variants Disrupt Multiple Genes in Neurodevelopmental Pathways in Schizophrenia
Tom Walsh et al. Published Online March 27, 2008Science DOI: 10.1126/science.1155174
Schizophrenia is a devastating neurodevelopmental disorder whose genetic influences remain elusive. We hypothesize that individually rare structural variants contribute to the illness. Microdeletions and microduplications >100 kb were identified by microarray comparative genomic hybridization (CGH) of genomic DNA from 150 individuals with schizophrenia and 268 ancestry-matched controls. All variants were validated by high-resolution platforms. Novel deletions and duplications of genes were present in 5% of controls versus 15% of cases (P = 0.0008) and 20% of young onset cases (P = 0.0001). The association was independently replicated in patients with childhood-onset schizophrenia compared to their parents (P = 0.03). Mutations in cases disrupted genes disproportionately from signaling networks controlling neurodevelopment, including neuregulin and glutamate pathways. These results suggest that multiple, individually rare mutations impacting genes in neurodevelopmental pathways contribute to schizophrenia.
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