quarta-feira, 5 de novembro de 2008
Formação docente e qualidade do ensino
Folha - Tendências/Debates
O DESENVOLVIMENTO econômico e social só se dá a partir do acesso universal da população a uma educação de qualidade que enfatize leitura, raciocínio matemático e uma mente investigativa. A realidade de países como Índia, Irlanda e Coréia do Sul ilustra bem essa tese, já que conquistaram avanços socioeconômicos mais acentuados nos últimos anos como resultado da efetiva implantação de uma política de valorização do ensino em todos os níveis.
Nesse contexto, o Brasil, por intermédio de agentes públicos e privados, rompeu a inércia de décadas passadas e passou a tratar, pelo menos parcialmente, a educação com maior prioridade. Os primeiros resultados práticos dessa atitude se materializaram na conquista da universalização do acesso ao ensino fundamental -meados dos anos 1990- e na introdução de uma cultura de avaliação periódica tanto das redes de ensino quanto do aprendizado das crianças e jovens.
Curiosamente, esse avanço trouxe à tona novos problemas. A escola não se preparou para receber esse afluxo de alunos cujas famílias não tinham acesso à cultura letrada. A universalização implicou um recrutamento acelerado de professores e uma pressão sobre os cursos de pedagogia, com a exigência (correta) de que todos tivessem nível de formação superior.
Esse cenário fez aflorar uma preocupante constatação: convivemos com a dificuldade das instituições de ensino superior de preparar professores para ensinar. No Brasil, muitos deles saem inseguros das faculdades, simplesmente não sabendo o que e como ensinar em sala de aula.
Uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas, feita a pedido da Fundação Victor Civita, mostra, por exemplo, o quanto a formação inicial para o ensino infantil e fundamental é deficiente ao constatar que as instituições de ensino superior não oferecem aos futuros professores os elementos necessários para se dar uma boa aula.
A pesquisa aponta, por exemplo, que os 71 cursos de pedagogia analisados no país concentram mais de 3.000 disciplinas, sendo praticamente dois terços delas totalmente distintas umas das outras. As instituições parecem, no fundo, distantes das reais necessidades das escolas. Dos cursos avaliados, apenas 5,3% da carga horária é dedicada ao ensino infantil, enquanto só 20,7% dizem respeito a didáticas específicas, metodologias e práticas de ensino.
Prevalecem conteúdos teóricos -disciplinas como sociologia, filosofia ou história da educação- importantes, mas que apresentam carga horária excessiva para alguém que vai atuar, sobretudo, em sala de aula. O mesmo ocorre com a legislação de educação e com a ênfase em sistemas educacionais. Alguém que domina a diferença entre Vygotsky e Piaget e conhece a fundo a Lei de Diretrizes e Bases não é necessariamente habilitado para ser um bom professor.
Além da formação que recebe na universidade, o professor também se beneficiaria de um estágio mais efetivo. A pesquisa encomendada pela FVC evidencia que os estágios acabam sendo pro forma, ou seja, os estudantes apenas observam aulas nas escolas, sem orientação adequada.
Nesse sentido, talvez ajudasse uma parceria entre a universidade e as redes estaduais e municipais de educação. O projeto de lei atualmente tramitando no Senado Federal que institui um programa de residência pedagógica, inspirado no que já ocorre com a carreira médica, pode também ajudar nessa direção.
Mas não basta formar bem o professor. Também é preciso escolher os melhores profissionais que vão atuar em sala de aula. Além da presença de muitos professores temporários, constata-se pela pesquisa que os conhecimentos demandados nos concursos públicos dão pouco valor à prática e à formação profissional específica. Muitos adotam, como algumas universidades, abordagem academicista e enfatizam legislação educacional, como se pessoas que dominam tais conteúdos pudessem ser os melhores para alfabetizar ou ensinar adição de frações.
Segundo dados do IBGE, dos 2,43 milhões de pessoas de sete a 14 anos que não sabem ler e escrever, a grande maioria (87,2%) está matriculada em alguma turma de ensino fundamental ou médio.
Por isso, é urgente a articulação entre governos, universidade e sociedade para a formulação, a gestão e o monitoramento de políticas públicas que privilegiem a formação e a seleção adequadas de professores, em prol de um ensino básico de qualidade para todos.
CLAUDIA COSTIN é vice-presidente da Fundação Victor Civita. Foi ministra da Administração Federal e Reforma do Estado (gestão FHC) e secretária da Cultura do Estado de São Paulo (governo Alckmin).
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