domingo, 28 de setembro de 2008

Vergonha na USP

A Universidade de São Paulo, maior e melhor instituição pública de pesquisa e ensino superior do Brasil, faz 75 anos em 2009.
Quando ela ainda tinha 45 anos, formei-me em jornalismo na sua Escola de Comunicações e Artes, mas prossegui como aluno de filosofia (estudo que, infelizmente, nunca concluí).
Hoje me pergunto se ainda devo ter orgulho de ser ex-aluno da USP. No centro da preocupação com minha "alma mater" (mãe nutridora), como dizem os norte-americanos e os britânicos, está o caso de plágio em seu Instituto de Física.
Não pelo caso em si, que é menor, mesquinho mesmo. Briga de comadres por migalhas de micropoder institucional. Nem vem ao caso quem acusa quem, só que professores titulares admitem copiar trechos de artigos científicos de outros sem a devida referência bibliográfica.
Não só ex-alunos, mas todo contribuinte que sustenta a USP e qualquer pessoa que cultive valores intelectuais deve preocupar-se com o modo como o caso foi tratado pela reitoria. Se a instância máxima da universidade agiu com o propósito de resguardar seu prestígio, bem, escolheu a pior maneira de fazê-lo.
Causam perplexidade dois comunicados sobre o caso divulgados pela reitoria nos dias 22 e 23 deste mês (na internet: www.reitoria.usp.br/reitoria). O primeiro informava que a Comissão de Ética da USP havia concluído -uma semana antes...- "os trabalhos de apreciação do caso de suposto plágio envolvendo professores do Instituto de Física".
O qualificativo "suposto" indica a disposição clara de proteger os investigados, embora eles próprios tivessem admitido o deslize. O paternalismo corporativo (ou seria "maternalismo"?) vem explicitado a seguir: "Ressalte-se que o relatório da Comissão de Ética não é um documento público, uma vez que seu conteúdo envolve a avaliação de comportamento ético individual. Portanto, a divulgação de atos do processo só pode ser feita com a autorização dos investigados, conforme reza a Constituição Federal, em seu artigo 5º, [inciso] X".
Como assim? Se um professor e funcionário público foi investigado por má conduta acadêmica e inocentado, tem todo o interesse em que o relatório venha à luz. Se foi condenado, não tem cabimento dar-lhe o direito de veto sobre a divulgação.
A reitoria parece ter-se dado conta logo a seguir do atentado contra o princípio da publicidade, formulado por Immanuel Kant (1724-1804) em seu "Para a Paz Perpétua" (1795): "Todas as ações relativas ao direito de outros homens, cuja máxima não é suscetível de publicidade, são injustas".
Uma espécie de errata foi publicada pela reitoria no dia seguinte, com a satisfação negada ao público 30 horas antes: "Diante da conclusão dos trabalhos da Comissão de Sindicância e da Comissão de Ética, sobre a investigação de plágio, a Reitoria comunica que, no entendimento da Comissão de Ética, embora os trabalhos científicos, que foram objeto da investigação, contenham pesquisa original, houve um desvio ético na redação dos mesmos por uma inaceitável falta de zelo na preparação dos artigos publicados.
Isso resultou na consignação, pela Comissão, de uma moção de censura ética aos autores, pela não-observância dos preceitos éticos da Universidade".
Qual "desvio ético"? Que "preceitos éticos" deixaram de ser observados? É uma vergonha que a reitoria prossiga em sua recusa a dar uma explicação completa do caso.

MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br

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