sábado, 19 de julho de 2008

Para SBPC, empresas empacam inovação

Marco Raupp, presidente da entidade, diz que Brasil pode perder a liderança do etanol se iniciativa privada não ajudar

Matemático defende regra para desburocratizar pesquisa em biodiversidade e diz que briga por lei sobre cobaias não está ganha

Antônio Scarpinetti/Unicamp/Cortesia

Marco Raupp, presidente da SBPC, dá entrevista em Campinas

AFRA BALAZINA
RAFAEL GARCIA
ENVIADOS ESPECIAIS A CAMPINAS - FSP

Para o matemático Marco Antonio Raupp, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), o atraso do Brasil em inovação tecnológica é legado da cultura empresarial brasileira que mostra aversão a investimentos de retorno a longo prazo e dialoga mal com a academia. Ele não isenta as universidades de culpa, mas diz que quem tem de agir agora são as empresas.
Raupp coordenou nesta semana a 60ª reunião anual da entidade, que terminou ontem em Campinas com participação estimada de 12 mil pessoas. O evento reuniu diversos cientistas de primeira linha para discutir assuntos estratégicos para o Brasil. Em entrevista à Folha, Raupp fala sobre alguns deles:

FOLHA - Como o senhor avalia a inovação tecnológica no país?
MARCO ANTONIO RAUPP
- A academia está com desenvolvimento razoável no que se refere a seus aspectos acadêmicos, mas têm de também participar do processo de inovação na empresa.
Não significa que será responsável pela inovação em empresas, quem é responsável é a própria empresa. Mas a academia tem de dar a sua parte.

FOLHA - O Brasil tem poucas patentes...
RAUPP
- É, 0,2% da produção de patentes no mundo. E a participação de produtos de pesquisa básica é 2%. Então, olha a diferença. Temos que fazer um esforço brutal. Agora, isso não é responsabilidade da academia, quem tem que puxar são as empresas. Elas têm que adotar a inovação como mecanismo fundamental para se capacitarem para a competitividade. A lei de inovação permite a parceria entre empresas e pesquisadores e a SBPC estimula isso.

FOLHA - Mas a lei não parece estar funcionando bem.
RAUPP
- Porque não temos tradição. O diálogo ainda é difícil.

FOLHA - A empresa ter uma base dentro da universidade funciona?
RAUPP
- Sim, há vários mecanismos que se deve adotar. É preciso ter parques tecnológicos, por exemplo, que são locais neutros, nem na empresa nem na universidade, onde há essa aproximação para desenvolver projetos visando a inovação.

FOLHA - A SBPC discutiu muito a política para o etanol. Alguns vêem risco de o biocombustível começar a derrubar floresta. Outros acham que o país pode ficar para trás na pesquisa e perder a liderança no setor. Qual é sua opinião?
RAUPP
- É evidente que o risco maior é ficar para trás: não fazer nada e ficar sem agregar tecnologia cada vez mais intensivamente ao produto. A cana não faz pressão na mata hoje, ainda. A Embrapa mostra que a área disponível para cultura fora da floresta é grande.
Metade das áreas agricultáveis ainda está disponível no cerrado, na região da mata atlântica e áreas tradicionais.

FOLHA - O senhor critica as desigualdades regionais, principalmente a situação da Amazônia, onde faltam pesquisadores.
RAUPP
- Sim, um dos pontos nessa questão é a justiça federativa. Todos os cidadãos pagam impostos federais e eles têm de retornar para a sua região proporcionalmente. Então, se você olhar a participação dos Estados da Amazônia no PIB nacional, é algo da ordem de 8% a 9%. E quanto é que eles têm recebido? Na faixa de 2,5% dos investimentos federais em ciência e tecnologia.
Isso significa que a Amazônia está ajudando a financiar a ciência no resto do país. E essa situação não pode ser permanente, porque desenvolver a Amazônia é estratégico.

FOLHA - Cientistas reclamam da legislação burocrática para coletar material biológico. Farmacólogos dizem não conseguir trabalhar. Como está o diálogo com o governo?
RAUPP
- A SBPC participa da proposta de um projeto de lei que o governo ainda quer mandar para o Congresso. Temos um grupo de trabalho e fazemos propostas. O Ministério do Meio Ambiente já discutiu isso diretamente com a gente, mas é um processo complexo. O problema é que a medida provisória que existe [para regulamentar a coleta] trata muito mal os pesquisadores, trata-os como quem trata um pirata, um camarada que quer pegar uma coisa para uso comercial.

FOLHA - Mas o que pode ser feito para diminuir a burocracia?
RAUPP
- Nós queremos que o controle seja feito pelas instituições, que são normalmente instituições públicas e universidades públicas. Por que não atribuir a elas uma responsabilidade de controle da destinação desses produtos que eles estão coletando lá [nas florestas]? Assim como na experimentação animal, isso tem que ter uma regra geral, mas a distribuição de responsabilidade pelo controle sobre se a coisa está sendo feita de acordo com a lei tem que ser distribuída.

FOLHA - Mas a questão da experimentação animal está bem mais avançada, não é?
RAUPP
- Sim. Mas nunca se sabe. As coisas mudam de repente. A gente achava, por exemplo, que o Supremo fosse se manifestar muito mais decisivamente em favor da constitucionalidade da Lei de Biossegurança, mas foi pau a pau.

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