Grupo olha para as assinaturas genéticas das epidemias
Em 1990, o Brasil ainda apresentava mais de 60 mil casos confirmados de sarampo e quase 500 mortes. Cinco anos depois, eram menos de mil casos, graças à vacinação, e só uma dezena de óbitos. Aí, em 1997, a casa caiu.
Depois de um aumento suspeito no ano anterior, para 3.372 casos, veio a explosão: 53.664, em 1997, com 60 mortes. Mais de 42 mil desses casos pipocaram no Estado de São Paulo.
Amostras foram enviadas para os Centros de Controle de Doenças em Atlanta (EUA), famosos pela sigla CDC. Era a praxe epidemiológica da época, quando havia vírus na parada. Demorou três anos para especialistas brasileiros ficarem sabendo que muitos dos casos haviam sido causados por vírus revertidos de vacinas. Ou seja, partículas "ressuscitadas" pelo remédio para combater a própria doença. Um exemplo proverbial de tiro saído pela culatra.
Hoje em dia essa demora seria impensável, afirma o virologista Paolo Zanotto, da USP. Graças a uma rede de laboratórios que começou a nascer naquele pânico de 1997, o país pode hoje fazer centenas de análises simultâneas para identificar a variante do vírus envolvido numa epidemia.
Como tantas iniciativas fomentadas pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), esta também foi batizada em inglês: Viral Genetic Diversity Network (VGDN).
Em bom português, Rede de Diversidade Genética de Vírus. A VGDN ganhou no mês passado as páginas do periódico científico "PLoS Biology" (biology.plosjournals.org). Sob o título "Acelerando a Virologia no Brasil", o artigo vem assinado por Zanotto e mais sete cientistas. Entre eles o físico José Fernando Perez, incluído por ter sido decisivo no surgimento da rede, quando atuava como diretor científico da Fapesp (Perez hoje atua como empresário).
A Fapesp não economizou dinheiro para pôr de pé esse setor de inteligência antivírus. Após um investimento inicial de US$ 2 milhões, outros US$ 7,5 milhões foram despejados para montar e aparelhar a rede com cinco laboratórios principais e 17 laboratórios-satélites, a partir de 2001.
Metade da verba foi para a construção de sete laboratórios com nível de segurança 3 (segundo mais alto na escala). São salas herméticas, das quais o ar só sai depois de filtrado, para evitar escape de agentes infecciosos. A primeira do Brasil foi inaugurada em 2003 no Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
Tanto cuidado é necessário para a VGDN obter o que mais interessa: informação genética. É dos genes do vírus que se obtém sua identidade e, muitas vezes, a chance de compreender como atua uma determinada variante em seu confronto com a espécie humana.
"Em vez de olhar a epidemia pelo lado humano, invertemos a posição", explica Zanotto. "Olhamos para as assinaturas genéticas e nos sentamos no lugar do vírus, encarando a epidemia de sua perspectiva."
O pesquisador promete novidades para breve sobre vários vírus, de estudos realizados graças ao banco de dados da VGDN. Entre eles a variante Araraquara do hantavírus, agente misterioso que se infiltra entre roedores silvestres e passou a atacar humanos a partir do rio Hantan, durante a Guerra da Coréia (1950-1953).
O hantavírus causa hemorragias graves. Houve meio milhar de casos no Brasil, em duas décadas. Quase metade dos infectados morre.
Por aqui, de falência de coração e pulmões (na Ásia, dos rins). A unidade de inteligência VGDN já começa a desvendar como e por quê.
MARCELO LEITE FSP
domingo, 16 de março de 2008
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