domingo, 19 de agosto de 2007

Espírito empreendedor ganha força nas universidades públicas

Instituições forçam mudança cultural e incentivam parceria com o setor privado para estimular a inovação

Herton Escobar

Pesquisadores e empresários convivem tranqüilamente nos corredores, cafeterias e laboratórios do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), uma das mais importantes, ricas e produtivas universidades do planeta. De fato, em muitos casos, eles são a mesma pessoa. Ao contrário do que ocorre tradicionalmente nas universidades brasileiras, em que os negócios da ciência pública e da iniciativa privada ainda dificilmente se misturam, o empreendedorismo faz parte da alma acadêmica nas grandes instituições americanas.

Em lugares como o MIT, Harvard e Stanford é difícil encontrar um pesquisador que não trabalhe em parceria com o setor privado e/ou que não tenha empresa própria de desenvolvimento tecnológico. Mais do que bem-vista, a interação público-privada é incentivada fortemente pelas instituições. No MIT, cada professor tem um dia livre por semana para fazer o que quiser. “Se ele quiser ir pescar, ficar em casa assistindo TV, fazer consultoria ou abrir uma empresa, a opção é dele”, diz o brasileiro Tony Knopp, representante do Programa de Ligação Industrial do MIT. “O DNA aqui é empreendedor; esse é o diferencial. Todo mundo quer criar alguma coisa nova, e a parceria com o setor privado é essencial para isso.”

No Brasil, o espírito empreendedor ainda aparece transparente diante do poderio científico e econômico dos países mais desenvolvidos, mas vem ganhando força nos últimos anos com a criação de escritórios de patentes e uma perceptível mudança na cultura acadêmica voltada para a inovação.

Lideranças científicas repetem à exaustão o fato de que “o Brasil produz muito conhecimento, mas transforma pouco dele em riqueza”. O que significa que muitos projetos de pesquisa saem dos laboratórios para as revistas científicas, mas poucas inovações tecnológicas saem da indústria para as mãos dos consumidores - sejam elas um novo remédio, um kit diagnóstico ou uma máquina de fazer sorvete.

Um dos principais mitos dessa transformação, segundo Knopp, é a idéia de que a universidade cria um produto e entrega-o para a indústria, que simplesmente faz um monte de cópias e coloca no mercado para ganhar dinheiro. Quando, na verdade, a maior parte do desenvolvimento tecnológico (e portanto do custo e do risco) cabe ao setor privado.

“É fácil ter uma idéia para um novo produto. Não é nada fácil convencer 1 milhão de pessoas a comprar esse produto”, afirma Knopp. “O custo de botar um iPod no bolso de todo mundo é muito maior do que o custo de desenvolver o iPod. Quem faz o trabalho pesado é a indústria.”

Parte do problema no Brasil é que as empresas ainda investem pouco em pesquisa, e a academia brasileira ainda pensa pouco em inovação. Salvo exceções, cada lado trabalha com sua própria vocação, sem interagir com as competências da outra. Nas últimas três décadas, segundo especialistas, a atenção das universidades no Brasil esteve voltada quase que exclusivamente para a formação de alunos e a produção de conhecimento, sem muita preocupação com a transferência desses resultados para o setor produtivo.

“Estávamos tão ocupados com a pós-graduação que nos distraímos na hora de promover a transformação do conhecimento”, diz o físico Oswaldo Massambani, diretor da Agência USP de Inovação. “Não basta o pesquisador publicar e ter seu orgulho aumentado por causa disso; a ciência estimulada pelo mercado também é importante. Temos que premiar o professor que obtém uma patente, reconhecendo que isso também é produção de conhecimento.”

O presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique de Brito Cruz, cobra um maior envolvimento do setor privado: “A principal restrição à colaboração universidade-empresa é o fato de haver poucos pesquisadores trabalhando nas empresas”, diz. “Para que a cooperação flua é preciso haver pesquisadores dos dois lados.”

Apesar da cultura acadêmica já ser mais favorável, diz Brito Cruz, ainda há uma série de entraves legais e burocráticos que também dificulta a parceria. “A Lei de Inovação (de 2004) ajudou, abriu possibilidades. Mas, até que essas possibilidades sejam concretizadas, há muitos obstáculos reais e imaginários que precisam ser vencidos.”

A lei, por exemplo, permite conciliar atividades acadêmicas e empresariais. Para isso, porém, muitos professores precisariam abrir mão da dedicação exclusiva, com redução significativa de salário. “O pesquisador não pode ser penalizado por tentar ser inovador”, compara o cientista Bob Langer, do MIT.

PROTEÇÃO INTELECTUAL

Para ajudar os cientistas a vencer esses obstáculos, muitas das grandes universidades e institutos de pesquisa do País já criaram ou estão criando escritórios voltados para a proteção do conhecimento e a interação com o setor privado. A Agência USP de Inovação, criada em 2005, é um dos exemplos mais recentes.

A Universidade de São Paulo é a maior produtora de conhecimento do País, com mais de 4.600 trabalhos publicados só no ano passado. Em mais de 70 anos, porém, registrou menos de 550 patentes - das quais aproximadamente 250 já foram ou estão sendo regularizadas pela agência.

“A quantidade de professores que têm nos procurado cresceu significativamente”, diz Massambani. O próximo passo é encontrar parceiros no setor produtivo interessados em licenciar as patentes e desenvolver novas tecnologias a partir delas - com pagamento de royalties para a universidade e os pesquisadores.

Nesse momento, a universidade trabalha com um portfólio de 30 patentes, incluindo um antibiótico de esponjas marinhas, um extrato de copaíba contra cálculos renais, uma técnica para produção de biodiesel e outra para despoluição de águas contaminadas.

A campeã de propriedade intelectual é a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com 460 patentes registradas e 45 licenciadas em dez anos (1996-2006).

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