sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Os temas de Ciência & Tecnologia

Dois bons temas de ciência e tecnologia para discutir (clique aqui).

O primeiro, a questão do direito de patente. Há quem julgue que a patente é do instituto de pesquisa; há quem defenda que é do pesquisador.

Há alguns pontos a se considerar.

O primeiro, é que os institutos bancam as verbas, os laboratórios e têm direito à sua parte na descoberta. O segundo, é que os pesquisadores têm enormes dificuldades em negociar com as empresas. Além disso, sendo pessoa física, cria uma instabilidade natural nas negociações: pessoas morrem, parentes brigam por herança etc.

A minha opinião é que o ideal é uma agência da Universidade - ou o financiador, como a FAPESP - serem titulares da patente; o cientista ter a justa participação

O segundo ponto é a velha discussão sobre a repartição das verbas do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa). Há os que defendam que o melhor aproveitamento se dá onde há maior massa crítica de pesquisadores. E os que defendem a distribuição das verbas, para poder gerar mais centros de excelência.

No caso de verbas fartas, não haveria discussão. Mas na casa onde falta pão…

Enviado por: luisnassif

Lei afasta inventor da posse de patentes


Empresas e investidores preferem tratar só com pessoas jurídicas; cientistas inovadores dizem temer perda de direitos


Pesquisador defende que invento fique nas mãos de cientistas, mas iniciativa privada evita contratos que envolvem pessoas físicas

Carol Guedes/Folha Imagem

Pesquisador Antonio Carlos de Camargo, nas alamedas do Instituto Butantan, em São Paulo

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

A questão cultural, mais do que a jurídica, é um dos grandes gargalos do sistema de inovação nacional, apesar de não ser o único. Se os recursos para transformar conhecimento em produtos existem, como gosta de alardear o ministro Sergio Rezende (Ciência e Tecnologia), é fácil perceber quais engrenagens estão emperradas.
Um exemplo cristalino vem do centenário Instituto Butantan, em São Paulo. No local, funciona o CAT (Centro de Toxinologia Aplicada) e também um dos Cepids (centros de pesquisa, inovação e difusão) da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Sob comando do médico Antonio Camargo, o grupo trabalha isolando moléculas do veneno de serpentes para depois tentar transformá-las em importantes medicamentos.
Ao todo, explica Camargo, o CAT já depositou 13 patentes desde 2001. Nenhuma delas, porém, obteve ainda concessão dos órgãos nacionais ou internacionais que analisam esses pedidos. Aqui, é que o imbróglio cultural começa.
"Nas patentes mais antigas todo mundo fez aquilo que achou que era o mais promissor em termos de proteção do conhecimento gerado com recursos públicos. Em alguns casos [como os do CAT], os pesquisadores foram colocados como co-titulares das patentes", diz Cristina Assimakopoulos, especialista em patentes da Fapesp. A instituição pública, que investiu milhões de dólares no processo, é também uma das titulares das patentes do CAT.
A evolução da legislação mudou o cenário. O Brasil já havia editado uma Lei de Propriedade Industrial, em 1996, e a Lei da Inovação Tecnológica fez algumas alterações em 2004. Tudo, em tese, deve ser tratado entre pessoas jurídicas. No caso específico, entre o Butantan, a Fapesp e o setor privado.
É exatamente esse o ponto que o professor Camargo quer discutir. "Os pesquisadores, legítimos co-proprietários da propriedade intelectual, não concordam com a usurpação desse direito", afirma ele à Folha. O caso do CAT não é o único. Levantamento feito pela pesquisadora Isabel Drummond, que trabalha para a Fundação Biominas, mostra que entre 1998 e 2000, só na área de biotecnologia, 16% das patentes pedidas tinham o inventor como titular do processo. "É um número alto", afirma a pesquisadora. Para ela, hoje, essa porcentagem continua válida.
Do lado do setor privado, patentes frutos de pesquisas lideradas por Camargo foram negociadas com a Coinfar -parceria que reúne as empresas Biolab, Aché e União Química.

Divórcio de intenções
Segundo William Marandola, representante da Coinfar, a legislação é clara. "Numa instituição de pesquisa, a patente pertence à instituição. Não ao pesquisador." Pela lei, diz o executivo, uma coisa é a figura do inventor e outra é a do titular da patente, "o dono do ativo representado pela patente". Marandola afirma que nenhuma empresa vai investir em projetos que estejam com uma pessoa física. "E se ocorre uma morte? Um divórcio?", diz. Ninguém quer patentes retidas num inventário em disputa.
No caso do Butantan, há outra peculiaridade. Para a assinatura de um contrato de licenciamento de patente, a legislação estadual obriga que tudo seja aprovado pela Assembléia Legislativa. Isso só aumenta o risco, na visão das empresas.
De acordo com o diretor do Butantan, Otávio Mercandante, a instituição está se modernizando para se adequar à nova realidade das patentes.
Escritórios especializados em propriedade intelectual, como a Clarke, Modet & C, foram ouvidos pela Folha, além de cientistas autores de invenções. Eles recomendam que os pesquisadores de instituições públicas renegociem seus contratos tendo dois objetivos em mente: sair da titularidade da patente, mas não sem negociar um quinhão do dinheiro que pode vir da invenção -um lucro, aliás, que tem sido mais a exceção do que a regra.

A crise e a pesquisa industrial


LUIZ EUGENIO ARAÚJO DE MORAES MELLO


Os cortes de curto prazo das indústrias no Brasil deveriam ser acompanhados de uma revisão nas suas estratégias de C&T no longo prazo

FOLHA

POUCOS SABEM , mas Basf e AGFA tem "anilina" no nome. Ambas surgiram como produtoras de corantes à base de anilina durante a revolução industrial, que teve origem no final do século 19 e que fomentou pela primeira vez no mundo a pesquisa na indústria.
No entanto, apesar de "anilina" constar do nome de ambas, é pouco provável que alguém que esteja lendo este texto tenha comprado anilina desses fabricantes. Como muitas outras indústrias, ao longo do tempo, Basf e AGFA se adaptaram aos novos mercados. Modificaram seu leque de produtos em consonância com as necessidades dos mercados e dos novos tempos.
Pesquisa industrial por si só não é garantia de sobrevivência para nenhuma empresa no mundo moderno. Mesmo ampla em termos de aporte financeiro e da qualificação de cientistas envolvidos, a pesquisa industrial feita pela RCA e pela Westinghouse não impediu que ambas fossem deslocadas por companhias mais eficientes e competitivas. Por outro lado, não foi a presença da pesquisa nessas empresas que as eliminou do mercado.
Já a ausência de pesquisa industrial parece ter sido um componente importante para a extinção da indústria siderúrgica norte-americana.
Em 1960, convidado a falar em uma reunião anual da indústria siderúrgica norte-americana, o assessor cientifico da Presidência dos Estados Unidos vaticinou: "Não entendo por que vocês me convidaram para falar sobre pesquisa, tendo em vista que vocês não fazem nada nesse sentido" (referindo-se a pesquisas de relevância).
"No ritmo atual e caso não ocorram mudanças, vocês estarão fora do negócio em 20 anos".
De fato, no início da década de 1980, cerca de 320 mil funcionários das companhias siderúrgicas norte-americanas (75% do total) haviam perdido seus empregos.
Não é fácil para uma empresa, entre ações de efeitos imediatos e palpáveis e investimentos em um futuro aparentemente incerto, decidir-se pelo último cenário.
Os cortes anunciados pelas diversas empresas no Brasil e no mundo são certamente uma parte necessária do ajuste essencial para sobrevivência em um cenário de diferentes níveis de demandas, preços e taxas de câmbio.
Ainda no caso norte-americano, não deixa de ser notável que uma das promessas da General Motors para se habilitar a novo aporte de recurso do governo dos EUA seja um carro híbrido elétrico/gasolina.
Nesse caso, fica claro que o fiador do empréstimo de US$ 25 bilhões é, em última análise, fruto do investimento da companhia em ciência e tecnologia (C&T) realizado em anos anteriores.
O investimento empresarial em ciência e tecnologia empreendido no Japão, na Coréia, em Cingapura e nos Estados Unidos é sempre significativamente maior que o investimento governamental. No Brasil, essa situação é invertida.
Aqui, como porcentagem do PIB, esse montante é três vezes menor que em Cingapura e quase sete vezes menor que no Japão.
Em virtude disso, não é estranho estarmos tão distantes em depósitos de patentes nos EUA quando comparados com esses países. Mesmo na sempre surpreendente China, o setor empresarial investe mais que o dobro em C&T do que o governo chinês.
Investir em C&T não é a garantia de sobrevivência para nenhum empreendimento. Não investir em C&T é certamente uma sentença de morte para qualquer empreendimento que pretenda manter-se ativo em longo prazo.
Os cortes de curto prazo das indústrias no Brasil deveriam ser acompanhados de uma revisão nas suas estratégias de C&T no longo prazo. As profecias do assessor científico de J. F. Kennedy parecem ser tão válidas hoje como há quase 50 anos.


LUIZ EUGENIO ARAÚJO DE MORAES MELLO , 51, graduado em medicina, mestre e doutor em biologia molecular, com pós-doutorado em neurofisiologia pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), é pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), presidente da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE) e membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Vacina antimalária tem sucesso em teste


Droga inspirada em pesquisa de casal de brasileiros teve até 65% de eficácia na proteção de bebês na África

DA REDAÇÃO FOLHA

Uma vacina experimental contra malária desenvolvida a partir do trabalho de dois cientistas brasileiros teve eficácia de mais de 50% na proteção de bebês, afirmam dois estudos.
Testes independentes na Tanzânia e no Quênia mostraram que duas variedades da vacina RTS,S, da GlaxoSmithKline, não só barram a infecção pelo plasmódio (o causador da doença) em crianças como também podem impedir as já infectadas de desenvolverem a enfermidade, que mata quase 1 milhão de pessoas por ano.
Um teste clínico com um número maior de voluntários (fase 3) deve ser feito no ano que vem. Se der certo, a empresa poderá procurar aprovação comercial para a droga em 2011.
Christian Loucq, diretor da Iniciativa Path para Vacina Contra Malária, que organizou os testes, disse que os novos resultados "dão mais confiança de que estamos mais perto do que nunca" de uma vacina para as crianças africanas.
"Vários testes dessa vacina já foram feitos, e os resultados mostram uma proteção total consistente, de 30% a 50%", disse à Folha o imunologista brasileiro Victor Nussenzweig, 80, da Universidade de Nova York. Pesquisas feitas por sua mulher, Ruth, 80, e por ele com proteínas de plasmódio levaram à imunização. "Essa vacina não é a resposta final, mas é um grande feito." Nenhuma outra foi tão longe nos testes.
Um dos estudos envolveu 894 crianças de 5 a 17 meses nas zonas rurais do Quênia e da Tanzânia e teve eficácia de 53% na proteção dos bebês.
O outro, com 340 bebês da Tanzânia, teve eficácia de 65%.
Os resultados foram publicados ontem on-line na revista "New England Journal of Medicine" (www.nejm.org).

Efficacy of RTS,S/AS01E Vaccine against Malaria in Children 5 to 17 Months of Age

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Paulistas buscam gene oculto em tumor


Novo instituto estudará regiões do DNA que antes eram tidas como irrelevantes, mas podem estar por trás de doença


Estudo genético feito por novo centro de pesquisa paulista visa criar testes prognósticos para cânceres de próstata e de mama

Caio Guatelli - 16.mai.2007/Folha Imagem

O pesquisador Sergio Verjovski em seu laboratório na USP

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL FOLHA

As diferenças que o DNA tem de uma pessoa para a outra podem ajudar a entender melhoro o surgimento do câncer. Com base nessa premissa, e munidos de uma supermáquina, cientistas brasileiros começam a buscar um "perfil genético" dos cânceres de próstata e de mama.
Durante a próxima década, no mínimo, Sergio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo) estará reunido a Ricardo Brentani e Luis Paulo Kowalski (ambos do Hospital A.C. Camargo), além de vários colaboradores, no Incito (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Oncogenômica), para pesquisar o assunto. O centro de pesquisa é uma das 101 novas instituições criadas na semana passada.
"Nós já sabemos que os genes "não-codificadores" de proteínas são bastante específicos para determinados tecidos", disse Verjovski-Almeida à Folha.
Em palavras não-técnicas, isso significa que aquilo que era considerado lixo genético cinco anos atrás (pedaços de DNA que não participam da formação das proteínas), hoje é tido como importante para a regulação das atividades biológicas e podem sinalizar o grau de agressividade de um câncer.
Pesquisas feitas anteriormente na USP já demonstraram que em 74% de todos os genes humanos existe algum trecho de "DNA-lixo" útil. "Eles passam alguma mensagem que pode desligar ou ligar determinadas vias bioquímicas [processos biológicos]", afirma Verjovski-Almeida.
O grupo do Incito, com base nesses dados gerados nos últimos anos sobre a importância do DNA-lixo, vai vasculhar as regiões não-codificadoras de proteína do genoma humano justamente para achar quais delas regulam os cânceres de próstata e de mama.

Prognóstico
"Ao todo, vamos estudar a amostra de 400 pacientes que já desenvolveram a doença na próstata", diz o bioquímico da USP. Os tumores de próstata foram todos coletados no Hospital A.C. Camargo. Os de mama (mais 400) são de um hospital dos Açores, Portugal.
De acordo com Verjovski-Almeida, será possível, no fim do projeto, que deve durar pelo menos três anos, ter um perfil genético dos tumores estudados. Além dos genes já conhecidos envolvidos com a doença, os cientistas tentarão saber quais trechos do DNA-lixo participam da regulação dos dois tipos de câncer. "Teremos então um teste prognóstico", diz.
No caso de quem já desenvolveu a doença, o perfil genético pode servir para os médicos saberem não apenas o risco de a doença voltar, mas com qual grau de agressividade. "Será possível decidir qual tipo de tratamento é mais indicado."
Conhecer o DNA não-codificante é estudar "uma fração maior do universo", diz Verjovski-Almeida. O Incito será bancado por verbas do MCT (Ministério de Ciência e Tecnologia), que promete cobrar com rigor os resultados das pesquisas. O instituto também avaliará amostras de famílias com câncer hereditário. "Também neste caso vamos atrás da variabilidade, das alterações no número de cópias de genes", diz o cientista da USP.
Após descartar o fato de que os tumores apareceram em uma mesma família por causa de uma mutação já conhecida, os cientistas vão atrás de regiões de DNA que não-codificam proteínas mas que sejam suspeitas de controlar os tumores. As pessoas analisadas serão aquelas que não apresentam as mutações mais comuns associadas ao câncer de mama, mas que desenvolveram a doença.
No futuro, a existência de perfis genéticos de certos tipos de câncer poderá ajudar todas as pessoas. "A idéia é que os perfis possam serem usados em testes no próprio SUS", afirma o pesquisador da USP.

Supermáquina lê milhões de "letras" de DNA em horas

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma máquina ultra-rápida de seqüenciamento genético -uma das duas que existem em instituições públicas no país- opera a todo vapor desde segunda-feira no Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo).
Avaliado em R$ 1,4 milhão, o equipamento permite que 1,2 milhão de seqüências de DNA sejam analisadas em dez horas. Segundo os pesquisadores, essa tecnologia é essencial para obter bons resultados nos trabalhos -e aproveitar melhor o talento de bons cientistas.
"Sete anos atrás, no projeto genoma do câncer, foram necessários dois anos, 35 laboratórios e US$ 12 milhões para fazer o mesmo trabalho", afirma Sergio Verjovski-Almeida, que na semana passada mostrou, com vibração, seu novo laboratório à reportagem da Folha. "O custo de uma rodada de 10 horas, hoje, está em US$ 13 mil", diz o pesquisador da USP.
No novo CATG (Centro Avançado de Tecnologias em Genômica) não são apenas amostras de tumores que serão processadas nos próximos meses. Uma máquina desse porte pode fazer muito mais. Segundo Verjovski-Almeida, outros três projetos serão desenvolvidos em paralelo ao estudo dos perfis genéticos do câncer.
Haverá a análise de 8 milhões de seqüências de DNA de cana-de-açúcar, que buscará trechos de interesse agronômico do genoma da planta. Também serão estudadas 4 milhões de seqüências genéticas do parasitas humanos Schistosoma mansoni (causador da esquistossomose) e Leishmania braziliensis (leishmaniose).
Nos dois últimos casos, o objetivo dos grupos de pesquisa é obter novas informações genéticas que possam ajudar no controle das doenças causadas por esses patógenos. (EG)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Prevenção: uma chance ao futuro

GIOVANNI GUIDO CERRI

FOLHA
TENDÊNCIAS/DEBATES

NO INÍCIO deste mês, um dado divulgado pelo Ministério da Saúde no "Perfil de Mortalidade do Brasileiro" mostrou que os cânceres foram os responsáveis pelo maior número de mortes entre mulheres em idade fértil em 2005.
Atingindo 23% do total de óbitos entre a faixa etária que vai dos dez aos 49 anos, as neoplasias superaram inclusive as doenças cardiovasculares, que quase sempre reinaram absolutas no topo desse ranking.
A inquietante constatação pode ser explicada por uma série de razões, que vão do uso precoce de hormônios à postergação da maternidade. Mas o dado também traz à luz uma realidade para a qual o país apenas começa a despertar: as taxas de câncer estão crescendo porque os brasileiros estão mais longevos, especialmente nos Estados mais ricos da federação.
Estamos caminhando para um cenário já bem estabelecido em países desenvolvidos. Com o aumento dos índices de desenvolvimento e um acesso mais amplo à saúde e à educação, a população deixou de morrer por causa de doenças infecciosas símbolos da pobreza e do subdesenvolvimento e passou a sofrer de outras doenças, como as cardiovasculares e o câncer.
Se, por um lado, as taxas de morte por neoplasia refletem uma maior expectativa de vida entre o povo de um país, por outro, ampliam um fardo que custa, anualmente, milhões de reais aos cofres públicos.
Somente entre 2000 e 2005, os gastos do governo federal com assistência oncológica de alta complexidade aumentaram mais de 100%. No Estado, a Secretaria de Saúde gasta milhões, mensalmente, com o custeio de medicamentos para tratar casos de alta complexidade, entre os quais muitos tumores em estágio avançado.
Tratar câncer é sempre oneroso.
Lidar com a doença já em franca evolução, no entanto, sai muito mais caro. Isso não significa que o governo não deva investir no tratamento de casos de alta complexidade. Uma vida não tem preço, mesmo para quem precisa pensar em termos de política pública de saúde.
Pensando assim, o governo do Estado criou, em parceria com a Faculdade de Medicina da USP, o Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira, uma instituição especializada no tratamento integral do paciente com câncer. Com um orçamento anual estimado em R$ 200 milhões, o Icesp deve triplicar o número de vagas para o atendimento oncológico no Estado e já desponta como uma referência em assistência e pesquisa da doença.
Erguer hospitais para tratar quem tem câncer não é nem deve ser o único caminho. E grande parte da luta contra essa enfermidade que não faz distinção de classes passa pela conscientização da população. O conhecimento sobre como evitar o que pode favorecer o surgimento da doença tem um papel importante na redução do número de novos casos.
Não fumar, manter um peso adequado, evitar o sedentarismo e adotar hábitos saudáveis, como reduzir o consumo de álcool, ter uma alimentação balanceada e usar preservativo nas relações sexuais, são atitudes que ajudam a proteger contra o surgimento de diferentes tipos de câncer.
Ficar atento aos sintomas que podem indicar a enfermidade é outra medida que pode ajudar, já que há grandes chances de cura quando o câncer é descoberto na fase inicial.
Como fazer isso? Prestando atenção ao próprio corpo. Sangramento urinário ou anal podem ser sintomas de câncer de próstata ou de intestino.
Da mesma forma que secreção com sangue no mamilo pode ser um indício de câncer na mama. É preciso estar atento e procurar o serviço de saúde para detectar ou até descartar a presença do problema.
No Brasil, a despeito da evolução no diagnóstico e no tratamento da doença, a palavra câncer ainda é pronunciada envolta em temor. As pessoas não gostam de falar sobre o tema.
Com isso, evita-se a discussão e a propagação de informações que poderiam ser de grande ajuda para muitos. Não falar sobre câncer não vai extinguir os casos da doença. Ao contrário, contribuirá ainda mais para o aumento dos índices da enfermidade.
Quem discute o assunto sem preconceitos e procura orientação sobre como prevenir ou detectar precocemente o câncer está, de certa forma, mais protegido contra a doença. E também pode ajudar a mudar o preocupante futuro de uma nação que já não é tão jovem como antes.
Hospitais especializados em tratar o câncer são, sim, uma aposta no futuro. Mas esse futuro pode ser bem menos sombrio se parte do presente for dedicada à prevenção e à detecção precoce dessa enfermidade.

GIOVANNI GUIDO CERRI, 55, médico, é professor titular da Faculdade de Medicina da USP e diretor-geral do Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira.

domingo, 23 de novembro de 2008

O fim do mestrado...


NAOMAR DE ALMEIDA FILHO


Quais os antecedentes dessa invenção da burocracia acadêmica brasileira? A que fins serviu? Servirá no futuro?

FOLHA

...TAL COMO introduzido no Brasil, durante a ditadura militar, parece próximo.
Na atualidade, praticamente todos os países com maior desenvolvimento econômico e social têm mestrado como formação profissional.
Entre nós, o grau universitário chamado mestrado foi instituído em 1965 pelo famoso Parecer Sucupira, que definiu diretrizes para a pós-graduação brasileira. Nesse contexto, o título foi criado como habilitação à docência em nível superior.
Quarenta anos depois, tal definição só existe no Brasil e, em menor escala, em alguns países latino-americanos. Quais são os antecedentes dessa invenção da burocracia acadêmica brasileira? A que fins serviu? Servirá no futuro?
O termo "master", "meister" (daí o tratamento plebeu -"mister"- na língua inglesa), "maître", mestre, em português, tem raízes profissionais. Na Europa medieval, designava o artesão experiente que dominava seu ofício e, autorizado pelas corporações, estava apto a formar aprendizes.
A universidade formava então apenas "doctors", senhores da "doctrina". Só na era moderna começou a titular profissionais. A Reforma Humboldt, instituidora da universidade de pesquisa em 1810, manteve o doutorado como láurea acadêmica maior. Mas acolheu o mestrado como grau acadêmico intermediário, em suplemento à láurea menor, o bacharelado.
A partir do século 20, em toda a América do Norte e nos países da "commonwealth", o título de "master" tanto se refere à formação pré-doutoral quanto implica designação direta da área profissional.
O administrador recebe o título de MBA ["master of business administration"]; o pedagogo, M.Ed. ["master of education"]; o sanitarista, M.P.H. ["master of public health"]; o psicólogo, M.Psychol. ["master in psychology"]; e assim por diante. Exceções são algumas profissões que seguem o padrão da medicina, em que graduação [M.D. -"medical doctor"] é sempre doutorado. E, em muitas universidades, o curso de direito concede grau de J.D. ["juris doctor"].
Na tradição mediterrânea, raiz da universidade brasileira (através de Coimbra e depois pela influência da Sorbonne e das "écoles polytechniques"), o título mestre nunca foi utilizado. Preferia-se licenciado (modelo francês e espanhol) ou bacharel (modelo lusitano).
Com o Processo de Bolonha, a partir de 1999, unifica-se o mestrado como diploma do segundo ciclo na maioria das universidades européias. Em Portugal, Holanda e Suíça, por exemplo, médico é agora mestre em medicina.
Na França, Alemanha e Itália, cursos em complemento às láureas profissionais são igualmente referidos como mestrado.
Neste contexto de crescente internacionalização da universidade, vale a pena continuarmos sucupiranos? Faz sentido manter no Brasil uma exótica licenciatura para ensino superior chamada mestrado? Não seria interessante "masterizar" a formação profissional, com soluções criativas para impasses e limites dos modelos internacionais?
Respostas a essas questões podem ser dadas pelo Reuni, pelo menos no âmbito da rede federal de ensino superior. No plano nacional, a Andifes avança na construção do chamado "Reuni da pós", que deve contemplar ampliação maciça de vagas e propostas de reestruturação dos ciclos pós-profissionais. No plano local, várias universidades desenvolvem modelos de pós-graduação compatíveis internacionalmente.
Assim é que vimos implantando na UFBA o modelo conhecido como Universidade Nova, que, além dos bacharelados interdisciplinares, prevê expansão dos mestrados profissionais (devidamente redesenhados) e equivalência entre essa modalidade e cursos de especialização. No marco legal superado da pós-graduação brasileira, mestres formados no exterior em graduação profissional têm sido oficialmente credenciados por colegiados e câmaras como docentes de nível superior. Haverá certamente reação às mudanças entre os que se beneficiaram do equívoco regulatório.
Mas, para recriar a pós-graduação brasileira, contamos enfim com os órgãos normativos e de coordenação da educação superior. O Conselho Nacional de Educação poderia rever o Parecer Sucupira, e todo o marco legal derivado, à luz das mudanças em curso em praticamente todos os países do mundo desenvolvido. E a Capes, formada por representantes das comunidades acadêmicas, poderia elaborar diretrizes específicas para os mestrados profissionais, fomentando propostas capazes de tornar a universidade brasileira mais integrada às redes internacionais de produção e circulação de ciência, arte e cultura.


NAOMAR DE ALMEIDA FILHO , 56, doutor em epidemiologia, pesquisador do CNPq, é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva e reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).